VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Número de proteção judicial às mulheres cresce este ano

Apesar disso, as vítimas reclamam da falta de acolhimento e assistência adequada da força policial

Alenita Ramirez/ alenita.ramirez@rac.com.br
10/12/2023 às 18:03.
Atualizado em 10/12/2023 às 18:06

Mulher vítima de violência doméstica procura proteção policial contra agressões do marido; Brasil conta com 404 delegacias especializadas (Kamá Ribeiro)

O número de concessões de medidas protetivas nos primeiros 11 meses deste ano aumentou 16% em comparação com o mesmo período de 2022, passando de 1.605 para 1.861. Somente no mês de novembro deste ano, observou-se um acréscimo de 30% em relação ao mesmo mês do ano passado, subindo de 156 para 203. Apesar do incremento nas garantias concedidas pela Justiça, algumas vítimas afirmam que as novas diretrizes estabelecidas na lei sobre a concessão imediata de medidas protetivas, promulgada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em março deste ano, deixam a desejar. Isso se deve, em grande parte, à falta de acolhimento e assistência adequada por parte dos profissionais responsáveis.

A maioria das queixas provém de vítimas de violência doméstica que buscam auxílio na 2ª Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) de Campinas, uma unidade que opera 24 horas por dia e atende praticamente toda a população de segunda a domingo.

Uma das denúncias partiu de uma mulher de 39 anos que alega ter sido maltratada e incompreendida ao procurar a unidade duas vezes após ser agredida pelo companheiro. Em uma dessas situações, uma das policiais teria sugerido que ela acionasse o "Batman", um super-herói encapuzado que busca fazer justiça contra criminosos.

A mulher relatou ser vítima de agressões por parte do marido há oito anos e, em uma ocasião, foi levada à unidade completamente machucada. No entanto, os policiais não demonstraram sensibilidade para compreendê-la e tomar as medidas necessárias. Naquele momento, segundo ela, o agressor estava presente, e com medo das ameaças do marido, ela se recusou a registrar queixas e solicitar uma medida protetiva. A vítima afirma que existem 17 boletins de ocorrência contra ele na Polícia Civil.

"Como poderia denunciá-lo com ele presente, ameaçando acabar com todos da minha família? A gente chega machucada, nervosa na delegacia e ainda é maltratada pelos policiais, aqueles que deveriam nos acolher. Bastava pesquisar meu nome e verificar os registros. Eu não precisava dizer nada", concluiu.

Segundo a vítima, as agressões ocorrem motivadas por ciúmes, levando-a a perder a guarda das filhas, ainda crianças, devido às constantes brigas. O agressor, alegadamente usuário de drogas, teria apropriado-se de todo o patrimônio construído por ela ao longo de sua adolescência como contabilista. O casal vive junto há 14 anos, durante os quais ele teria transferido todos os bens para o seu nome, isolando-a do círculo de amizades e familiares. "Ele tomou tudo de mim. Não tenho para onde ir e nem a quem recorrer. Estou desacreditada na Justiça", desabafou a vítima.

A última agressão ocorreu no dia 23 do mês passado, quando a vítima exigiu do companheiro a devolução do celular que ele havia pegado dela há 20 dias, alegando estar sem aparelho para uso no trabalho. Durante esse período, ele a impediu de se comunicar com qualquer pessoa. Ao pedir o celular de volta, ele se recusou a entregá-lo. "Perdi a cabeça e fui ao trabalho dele com o notebook nas mãos e falei que trocaria o computador por um celular. Fui humilhada, pois uma mulher apareceu se apresentando como amante dele. Fui embora e ele foi atrás. Em casa, ele me bateu com o computador, me jogou no chão e quando falei para parar, pois achava que estava grávida, ele abriu minha pernas e chutou minha barriga e minha vagina. Depois me deixou trancada", relatou. 

Os vizinhos arrombaram a porta da residência e a conduziram à Unidade de Pronto Atendimento (UPA) São José. Em seguida, foi encaminhada para a 2ª Delegacia de Defesa da Mulher (DDM). Entretanto, o agressor estava presente, gerando receio na vítima para denunciá-lo naquele momento. Ela formalizou a queixa três dias depois, sendo que, na ocasião, não foi solicitado o exame de corpo de delito e tampouco oferecida a medida protetiva.

Em março deste ano, Thacia Duarte, servidora pública licenciada de 40 anos, testemunhou seu ex-companheiro deixar a 2ª DDM após ser detido pela Polícia Militar por violação da medida protetiva. Ele tentou invadir a residência da vítima, que possuía uma liminar sem prazo de validade. No entanto, no dia do incidente, Thacia estava sem o documento, e o sistema da Polícia Civil encontrava-se inoperante, resultando na descrença por parte dos atendentes e na saída do agressor antes da sua liberação. "Fiquei sem chão. Sabia que ele voltaria", lamentou Thacia.

No mesmo ano, outra servidora pública enfrentou dificuldades ao tentar registrar sua queixa no 13º Distrito Policial (DP) após ser agredida por uma cabeleireira. A agressão ocorreu devido a uma discordância sobre o penteado, e a cabeleireira reagiu arrancando uma mecha de cabelo da vítima e utilizando uma tesoura para agredi-la. Devido ao horário noturno do crime, a servidora dirigiu-se à 2ª DDM, onde relata ter sido maltratada.

A delegada aposentada e professora na Academia de Polícia Civil, Teresinha de Carvalho, argumenta que a rede de proteção, que deveria conferir efetividade à Lei Maria da Penha, não está cumprindo seu papel, conforme estabelecido pela própria lei. Ela destaca que, em âmbito nacional, o estado não está adequadamente equipado com recursos públicos para atender à crescente demanda relacionada à violência contra a mulher.

Além disso, ela ressalta a carência de mulheres policiais nas Delegacias de Defesa da Mulher (DDMs). A maioria delas não se mostra inclinada a atuar nessas unidades especializadas, principalmente devido à ausência de incentivos, como um pró-labore que poderia proporcionar uma remuneração mais justa. "As policiais, que deveriam concentrar-se nas funções de investigação policial, acabam sobrecarregadas ao desempenhar papéis adicionais de psicóloga, assistente social e advogada, funções que deveriam ser desempenhadas por profissionais especializadas", defendeu.

A delegada destaca que já passou da hora de ampliar a Lei Maria da Penha para abranger a proteção de toda a família, com intervenção dos órgãos estatais antes mesmo de os casos serem levados à polícia. "A polícia não pode, por si só, realizar todo o trabalho que uma assistente social, uma psicóloga e uma advogada são capazes de desempenhar", enfatizou. 

Teresinha foi a criadora do Centro de Referência e Apoio à Mulher (Ceamo) antes da Lei Maria da Penha, sendo a primeira delegada da mulher em Campinas. Até hoje, ela advoga pela abordagem das causas subjacentes à violência, sugerindo intervenções específicas para cada caso. Se um homem está desestruturado, por exemplo, ela propõe um trabalho direcionado a ele. Se a família enfrenta dificuldades financeiras, a solução seria buscar meios para recolocá-la no mercado. No caso de crianças desamparadas, a atenção deveria ser voltada para a proteção dessas crianças. "Não adianta encaminhar a mulher para fazer a denúncia e, ao sair, encontrar-se na mesma situação de antes", concluiu.

OUTRO LADO

Em resposta, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) afirmou que prestou o atendimento necessário e destacou que a vítima recusou-se a fornecer qualquer declaração, abrindo mão inclusive da medida protetiva de urgência. Quanto ao segundo caso mencionado, a SSP informou que não foi possível localizar a ocorrência para verificação de informações devido à falta de dados disponíveis.

A Pasta salientou que nos últimos três anos, a 2ª DDM de Campinas tem investido em capacitação e padronização de procedimentos, visando aprimorar o atendimento às vítimas de violência doméstica e familiar. Essas melhorias, segundo a nota, resultaram em maior agilidade na conclusão dos inquéritos policiais, resultando em um aumento significativo no número de procedimentos finalizados e encaminhados para análise do Ministério Público e Poder Judiciário. Houve uma redução de 50% no acervo de inquéritos na unidade, passando de 3 mil procedimentos em 2020 para 1,5 mil até meados de 2023.

EM NÚMEROS

Em termos quantitativos, o Brasil conta com 404 delegacias de atendimento à mulher. Conforme a mais recente pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apenas 7,3% dos 5.560 municípios brasileiros possuem delegacias especializadas voltadas ao atendimento da mulher.

No estado de São Paulo, são disponibilizadas 134 unidades de Delegacias de Defesa da Mulher (DDM), sendo 16 delas na região metropolitana, nove na capital e 109 no interior, sendo que 11 operam 24 horas. Campinas, por exemplo, conta com duas unidades: uma no Jardim Proença, com horário comercial, e outra no Jardim Londres, operando 24 horas.

Além disso, conforme dados da Secretaria de Políticas para Mulheres, o país abriga apenas 48 juizados e 139 Varas com competência exclusiva para aplicação da Lei Maria da Penha, com 30 deles instalados nas capitais. Em Campinas, há uma Vara da Violência Doméstica e Familiar.

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