FUTURO INCERTO

Menino de 10 anos é apreendido depois de furtar relógios de loja

Conselho Tutelar devolveu menino de 10 anos à família

Alenita Ramirez/ [email protected]
21/06/2023 às 11:49.
Atualizado em 21/06/2023 às 11:49
O menino de apenas 10 anos surpreendeu os funcionários da padaria ao roubar o suporte com dez relógios (Divulgação)

O menino de apenas 10 anos surpreendeu os funcionários da padaria ao roubar o suporte com dez relógios (Divulgação)

Um garoto de 10 anos deixou funcionários e a proprietária de uma padaria em Americana perplexos na manhã de segunda-feira (19). Ao ser detido por furtar dez relógios da loja, ele afirmou fazer parte de uma facção criminosa e se intitulou um futuro assaltante de bancos. Antes disso, o garoto havia confrontado uma funcionária e um cliente, ameaçando-os, e roubado R$ 1 do cliente. O Conselho Tutelar e a mãe da criança foram acionados e levados à delegacia, onde foi registrado um boletim de ocorrência não criminal. Os relógios foram devolvidos à dona da padaria.

"Achei aquilo muito chocante. Nunca imaginei que uma criança seria capaz de fazer o que esse menino fez. Com muita autoridade, ele afirmou ser ligado ao mundo do crime. Isso não é normal, e fica evidente que ele tem problemas, mas também demonstra que sabe o que está fazendo. Como mãe, esse caso mexeu muito comigo", disse a comerciante de 47 anos, que preferiu não se identificar.

O furto ocorreu por volta das 8h. Segundo a comerciante, a criança estava bem-vestida quando entrou na padaria e abordou uma cliente, pedindo que ela comprasse um dos relógios que estavam em exposição perto do caixa. Quando a cliente recusou, o garoto dirigiu-se ao caixa, onde outro cliente esperava pelo troco. Assim que a atendente entregou o dinheiro, o menino pegou R$ 1. O cliente, de acordo com a comerciante, não gostou e reclamou. A criança então juntou o dinheiro com outros R$ 4 que já tinha e voltou à área dos relógios. "Os relógios estavam em uma prateleira alta. A funcionária repreendeu-o, mas ele a xingou e afirmou que era do crime e iria roubar o relógio. Ele deu um salto e pegou o bastão com os relógios", relatou a comerciante.

A funcionária correu atrás do menino, gritando que chamaria a polícia, e, nesse momento, uma viatura da Polícia Militar (PM) passou pelo local. O menino foi detido pelos agentes. "Inicialmente, ele ficou sem reação ao ver os policiais, mas, enquanto esperávamos pela mãe e pelo Conselho Tutelar, ele começou a conversar com os policiais. Ele afirmou ser parte do mundo do crime e que estava praticando um roubo. Disse que, quando crescesse um pouco mais, se envolveria com tráfico de drogas e, em seguida, se tornaria um ladrão de bancos. Falava dessas atividades como se fosse motivo de orgulho. Seu pai está preso. É um menino que não tem uma estrutura familiar adequada, mas ainda há a possibilidade de mudança se alguém o guiar. O policial que o acompanhava foi muito gentil e deu conselhos. Ele os ouviu atentamente. Acredito que ninguém nunca tenha lhe explicado o que é certo e o que é errado", comentou a comerciante, que é mãe de uma adolescente de 17 anos e de um rapaz de 21 anos.

Segundo o conselheiro tutelar de Americana, Rodrigo Miletta, como se trata de uma criança menor de 12 anos, ela foi entregue aos responsáveis, conforme estabelecido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Nesses casos, é feito apenas o encaminhamento aos pais, sem a apreensão da criança. Miletta afirmou que casos de roubo envolvendo crianças são raros, embora haja ocorrências de furto, agressão física e vandalismo. A qualificação de um crime como ato infracional só se aplica a casos envolvendo adolescentes.

A reportagem apurou que a mãe do menino é usuária de drogas e que o pai está preso há dois anos. Além disso, o pai é suspeito de estuprar a irmã mais velha do menino, que possui outros quatro irmãos mais novos, atualmente abrigados. Também foi apurado que o menino frequenta a escola, mas não se sabe se sua frequência é regular. Além disso, ele faz uso de medicamentos controlados devido a problemas de agitação e nervosismo.

OMISSÃO

De acordo com a delegada de Polícia e professora da Academia da Polícia Civil de São Paulo, Teresinha de Carvalho, essa criança reflete a omissão do Estado e o não cumprimento integral do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), criado em 1990, e sua situação atual. "Essa lei foi criada para proteger crianças e adolescentes, mas na prática ainda não foi totalmente implementada. Ela é extremamente importante, pois inova e estabelece como dever da família e da sociedade a proteção, conforme está na Constituição Federal. Precisamos refletir sobre quem são os responsáveis pelo comportamento dessa criança de 10 anos. Em primeiro lugar, a família, em segundo lugar, a própria sociedade e, por fim, o Estado, que não consegue oferecer às famílias mais vulneráveis acesso à educação de qualidade, uma infância protegida, diversão, alimentação adequada e acesso aos bens básicos para uma vida digna", afirmou a delegada.

Segundo Teresinha, essa criança está abandonada à própria sorte, e conquistar um relógio ou qualquer objeto, não importa como, representa um troféu a ser exibido ao grupo ao qual ela pertence. "Isso é inerente à natureza humana, especialmente para os jovens, querer se destacar em um grupo. Esse menino é o reflexo do que a sociedade está proporcionando a ele, que é praticamente nada. Portanto, é crucial que revisemos o Estatuto da Criança e do Adolescente e o coloquemos em prática de uma vez por todas", enfatizou.

Segundo a delegada, é cada vez mais comum vermos adolescentes ou crianças "iniciando desde tenra idade" no mundo do crime. "Não acredito que seja algo exclusivo da modernidade. Há muitos anos, no Brasil, já vemos crianças envolvidas com o crime, principalmente devido às facilidades de acesso a bens materiais. Quando falta afeto, os bens materiais tendem a substituí-lo, embora de maneira completamente equivocada. Para uma criança, ter acesso a bens materiais de valor e poder comprar o que vê na televisão, nas vitrines ou nas mãos dos outros, de certa forma é visto como um progresso. Portanto, a culpa não é dessa criança, com certeza, mas de todos nós", ressaltou.

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