DRAMA SOCIAL

Mãe deixa crianças sozinhas em casa para poder trabalhar

Jovem de 24 anos alegou que não teve outra opção diante da necessidade de sustentar os filhos

Alenita Ramirez/ [email protected]
15/04/2023 às 14:26.
Atualizado em 17/04/2023 às 11:00
Após denúncias, PM foi até a casa onde as crianças estavam sozinhas (Alessandro Torres)

Após denúncias, PM foi até a casa onde as crianças estavam sozinhas (Alessandro Torres)

A Polícia Militar (PM) resgatou na tarde de quinta-feira (13), no Jardim Paranapanema, um menino e uma menina de 3 e 5 anos, respectivamente, que estavam sozinhas em casa, enquanto a mãe saiu para trabalhar. Uma denúncia anônima levou a corporação até a residência, no momento em que o menininho banhava a irmã mais velha em um tanque de cimento que fica nos fundos do quintal. Para piorar a situação, a menina sofre de hidrocefalia - uma doença grave caracterizada pelo aumento de líquido no cérebro. A mãe das crianças foi detida e alegou que não tinha outra opção, pois precisava trabalhar para sustentar a casa, já que ela é mãe solo. 

Segundo relato dos policiais, a situação na casa era de total desordem. Na parte da frente da casa havia fralda jogada, fezes e roupas espalhadas. "Como as crianças estavam sujas, os policiais deram banho, trocaram fraldas e colocaram roupas limpas nelas. Estavam muito carentes, pois abraçavam os policiais. Foi muito comovente, pois quem é pai e se depara com uma situação dessa sabe como é triste", disse o capitão da PM, Pereira Júnior. 

A mãe das crianças, uma jovem de 24 anos, chegou cerca de uma hora depois e relatou aos policiais que arranjou um trabalho de camareira há 22 dias e precisou deixar os filhos em casa sozinhos para conseguir trabalhar. Segundo ela, a situação ocorre porque precisa sustentar os filhos e não tem com quem deixá-los. Além disso, segundo declarações da jovem para a polícia, o horário do trabalho não coincide com o da escola. 

A mãe das crianças não tem passagem criminal e também não é usuária de drogas, segundo relatos colhidos pela reportagem. Ela é ainda mãe de outra criança menor, que mora com os avós. As crianças têm pais diferentes. A jovem e os dois filhos foram levados para o plantão do 1º Distrito Policial (DP), onde o caso foi registrado como abandono de incapaz e o inquérito será encaminhado para a 1ª Delegacia de Defesa da Mulher (DDM). A jovem prestou depoimento e vai responder o inquérito em liberdade. O Conselho Tutelar foi acionado e encaminhou as crianças para uma casa abrigo, segundo consta no boletim de ocorrência. A reportagem esteve na casa da família na manhã de sexta-feira (14), mas ninguém foi localizado. 

Subjetividade

Para o mestre em educação e militante dos direitos humanos, Airton Júnior, o termo abandono de incapaz é uma questão subjetiva, tem que ser analisado caso a caso e cabe ao delegado dizer se é caso de abandono ou não. "Agora, é nítido e notório, na minha opinião, que existem vários fatores que acabam levando a esse tipo de crime, como a desigualdade social, desemprego, educação em meio período. Enfim, é uma longa discussão", disse. 

Segundo Júnior, tudo que é relacionado à criança e adolescente causa comoção. "Faço esse comentário para que possamos refletir. O que significa alguém abandonar uma pessoa? Por vezes ela pode ter 'n' motivos para fazer isso. Por exemplo, uma pessoa que faz uso de substância, que sai para fazer uso e deixou as crianças por muito tempo e depois voltou, mas só que alguém denunciou. Alguém pode colocar isso como abandono de incapaz. Mas, mesmo assim, ainda eu poderia problematizar ainda mais isso", observou o professor. 

De acordo com Júnior, quando o abandono é consequência de falta de vaga em creche ou outra situação semelhante, tem que ser apurado para não tratar o caso como 'abandono', já que a necessidade leva alguém a tomar decisões extremistas. "Uma vaga emergencial em creche depende de ação judicial. Com isso você pode ter mães que não vão confiar em algumas pessoas para deixar os seus filhos. Então ela tem que fazer uma escolha. Mas aí como é que faz? Se ela é solo e não tem comida, não tem com o que pagar conta de água, de luz, botijão de gás. Ela vai viver de brisa?", enfatizou.

Outros casos 

Essa não é a primeira vez que a região do Jardim Paranapanema é palco de casos de violação de direitos contra criança e adolescente. Em situação extremamente diferente, em 2021, o caso do menino do barril comoveu o Brasil. O garoto, que tinha 11 anos na época, foi encontrado acorrentado dentro de um barril, no Jardim Itatiaia. A criança foi localizada pela Polícia Militar (PM) após denúncias. Ele foi levado para um abrigo e segue aguardando adoção.

Os policiais acharam a criança nua, acorrentada no tambor de ferro, exposto ao sol. O local era coberto por uma telha do tipo brasilit, com uma pia de mármore para impedir a saída do garoto, que foi internado com quadro grave de desnutrição. O pai, a madrasta e a filha da madrasta do menino foram presos e condenados. Enquanto no armário da casa da família estava recheado de alimentos, a criança comia casca de banana e se alimentava com fezes e xixi.

Na mesma época, no Jardim Paranapanema, uma menina de 5 anos foi achada sozinha em casa, trancada, com ferimentos na cabeça e na região dos olhos. A mãe chegou tempos depois e alegou que havia ido no centro da cidade resolver assunto pessoal. A criança foi internada. 

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