VERSATILIDADE NO CRIME

Golpes à moda antiga continuam a fazer vítimas

Bandidos aplicam fraudes digitais com cada vez mais frequência na era da tecnologia, mas métodos tradicionais ainda causam sofrimento em pessoas que caem nas armadilhas

Alenita Ramirez/ [email protected]
22/04/2024 às 08:46.
Atualizado em 22/04/2024 às 08:46
GM prendeu na semana passada dois suspeitos de aplicarem o golpe do bilhete premiado contra um idoso; eles foram localizados em Campinas por meio de câmeras inteligentes que integram a Muralha Eletrônica; homem de 42 anos e mulher de 34 causaram prejuízo de R$ 70 mil à vítima (Divulgação)

GM prendeu na semana passada dois suspeitos de aplicarem o golpe do bilhete premiado contra um idoso; eles foram localizados em Campinas por meio de câmeras inteligentes que integram a Muralha Eletrônica; homem de 42 anos e mulher de 34 causaram prejuízo de R$ 70 mil à vítima (Divulgação)

A principal característica de um golpe é a tática utilizada pelos criminosos. Com o avanço da tecnologia, o uso disseminado das redes sociais e a pandemia, que levou as pessoas a ficarem mais enclausuradas e dependentes do celular para tudo, a bandidagem se aprimorarou e passou a fazer vítimas de forma virtual, por meio de e-mails, mensagens por aplicativos e até por ligações. Entretanto, uma tática antiga, chamada de golpe do bilhete premiado, que não usa nenhuma tecnologia, continua enganando diversas pessoas, em especial idosos, que são mais vulneráveis e caem facilmente na lábia dos larápios.

Enquanto no golpe phishing - casos em que golpes acontecem por meio de e-mails fraudulentos e perfis falsos nas redes sociais, por exemplo - os criminosos se utilizam de ferramentas on-line para roubar ou extorquir informações e dinheiro das vítimas, no golpe do bilhete premiado eles usam apenas um pequeno pedaço de papel, especificamente um falso comprovante lotérico para atrair a vítima. A tática enganosa busca tirar proveito da boa fé das pessoas. A diferença com os demais golpes está na abordagem.

O golpe do bilhete premiado é aplicado há décadas e teve momentos que a polícia já não ouvia mais falar nesse tipo de crime, mas nos últimos anos a tática voltou com tudo, inclusive em um caso registrado neste ano na Região Metropolitana de Campinas (RMC). Na ocasião, os criminosos raptaram a vítima, uma aposentada de 68 anos, a levando de maneira forçada no carro de um deles. A mulher desconfiou e simulou uma ligação para uma suposta policial amiga e conseguiu fugir e pedir ajuda. Com o trio, policiais militares conseguiram apreender o falso bilhete premiado. O carro estava com placa adulterada.

O golpe começa com uma abordagem na rua por um estranho, geralmente uma mulher que simula ser humilde, analfabeta, que se aproxima do alvo e pede informações de algum local. Como se trata de uma mulher que não levanta nenhuma suspeita, as vítimas param para dar atenção. É nesse momento que começa o golpe.

A falsa vítima comenta que ganhou o prêmio máximo da loteria, mas que precisa de ajuda para resgatar a bolada. Enquanto a vítima verdadeira está presa às explicações da estelionatária, chega o outro golpista, geralmente um homem, que oferece ajuda à falsa ganhadora e à vítima. Normalmente, o comparsa realiza uma ligação para um comparsa, que simula ser o gerente de um banco e confirma o suposto bilhete como verdadeiro. Em alguns casos, os criminosos vão até uma casa lotérica para conferir o falso bilhete. 

Com uma falsa promessa do pagamento de uma parte da bolada, os golpistas convencem a vítima a transferir valores, entregar cartões e outros itens financeiros para o falso vencedor como garantia para o recebimento do prêmio.

"Apesar de se tratar de modus operandi bastante antigo, o crime de estelionato baseado no conto do ‘bilhete premiado’ ainda é muito recorrente. Os estelionatários que optam por esse tipo de abordagem preferem quase sempre vítimas mais idosas, cuja aparente fragilidade traz uma menor desconfiança de que a narrativa se deu com o objetivo de aplicar um golpe", explicou um dos delegados da Delegacia de Investigações Gerais (DIG) de Campinas, Luiz Fernando Dias de Oliveira, que em fevereiro deste ano desarticulou uma associação criminosa com residência em Sumaré e especialista neste tipo de golpe.

Recentemente, um idoso de 83 anos, morador na região do Campo Belo, em Campinas, perdeu R$ 70 mil após criminosos aplicarem o golpe. O dinheiro foi acumulado em décadas de trabalho árduo. Ainda traumatizo e envergonhado com tudo o que aconteceu, a vítima não quis relembrar o caso. No entanto, com base em uma denúncia dele, a Guarda Municipal (GM) prendeu, na última terça-feira, um homem de 42 anos e uma mulher de 34, ambos moradores de Nova Odessa, suspeitos de serem os golpistas que abordaram o idoso.

Segundo a Guarda, a dupla também agiu em Hortolândia, Sumaré e Nova Odessa. Eles foram localizados em Campinas por meio do Sistema Inteligente de Monitoramento Veicular (SIMVECAMP). O sistema possui câmeras inteligentes que integram a Muralha Eletrônica e também a Central Integrada de Monitoramento de Campinas (CIMCamp).

O carro usado pelos bandidos, um Honda Civic cinza, foi flagrado entrando e circulando na cidade. O veículo foi abordado por uma equipe da GM no cruzamento entre as ruas Tiradentes e José Paulino, na região do Botafogo. Com os suspeitos, foram apreendidos bilhetes de loteria e blocos de recibos falsos.

O casal de criminosos foi levado ao 9º Distrito Policial (DP), onde prestou depoimento. Os dois foram liberados, já que não foram pegos em flagrantes. O caso foi registrado como estelionato e a Polícia Civil segue com as investigações.

Em fevereiro deste ano, policiais civis da DIG de Campinas desmantelaram um grupo criminoso de Sumaré também envolvido neste tipo de crime. Na época, cinco pessoas foram identificadas e três foram presas.

A encenação vitimou uma idosa de 64 anos, também de Campinas, que perdeu R$ 105 mil para os golpistas. Inconformada, já que o dinheiro também foi guardado após décadas de trabalho e seria usado para uma cirurgia e tratamento no joelho, ela procurou a DIG e registrou boletim de ocorrência.

Com base no extrato bancário que ela apresentou, os policiais conseguiram identificar um porteiro de 37 anos e uma autônoma de 23 anos. Os dois confessaram terem sido recrutados por uma pessoa para emprestar a conta. Eles indicaram quem seria o cooptador. No total, cinco pessoas foram detidas e três delas ficaram presas por organização criminosa e por apropriar-se ou desviar de bens, proventos, pensão, benefícios ou qualquer outro rendimento do idoso, além de cárcere privado. O grupo era formado por dois homens, ambos de 35 anos, e três mulheres com idades entre 21, 23 e 36 anos. Uma das cabeças da quadrilha usava a conta bancária em nome da irmã, que é uma pessoa com deficiência intelectual, para movimentar o dinheiro dos golpes.

Menos de 20 dias depois, dois homens e uma mulher, moradores de Rio Claro, foram presos em flagrante, em Nova Odessa, por tentarem aplicar o golpe na idosa que fugiu e pediu ajuda após simular uma ligação para uma amiga que seria policial.

Segundo Oliveira, a polícia não tem números deste tipo de golpes aplicados na região, já que é muito comum a falta de registro por parte das vítimas, seja por vergonha, seja por não entender que se trata de um crime. "Quando nos deparamos com situações desse tipo, é comum que as vítimas tenham sido interpeladas nas proximidades de bancos ou casas lotéricas, pois é uma garantia para o criminoso de que o abordado estivesse realizando algum tipo de transação financeira", observou o delegado.

Além desta modalidade de crime, recentemente também tem se tornado comum golpes praticados por criminosos que se intitulam como lideres espirituais ou religiosos. Eles instigam vítimas a pagar certa quantia de dinheiro após uma "avaliação". A vítima é ludibriada quanto à necessidade de que seja feito algum tipo de "trabalho" ou "reza", mediante um determinado pagamento. Segundo Oliveira, em todas as situações, os estelionatários não agem sozinhos. “Para dar credibilidade ao ‘conto’, sempre há pessoas envolvidas no crime, mas que surgem como alguém que já foi beneficiada com os artifícios apresentados como ‘milagrosos’. A orientação é sempre desconfiar da vinda de recursos fáceis”, frisou o delegado.

QUANDO A ESMOLA É MUITA...

Para o diretor de Polícia Judiciária do Interior 2 (Deinter-2), Fernando Manoel Bardi, o principal ingrediente do golpe do bilhete premiado, que faz a vítima cair na lábia dos criminosos, é a cupidez, ou seja, a cobiça. Quando o estelionatário fala que a pessoa receberá uma bolada significante, ela “cresce” os olhos sobre a promessa e não para para pensar se aquilo é realmente verdade. “A própria vítima colabora para o golpe. Quando a ‘esmola’ é muita ou surge do nada, tem que desconfiar. O primeiro passo é parar, respirar e pensar um pouco”, ensinou o delegado.

Pesquisas apontam que idosos são alvos fáceis de pessoas mal-intecionadas. Desde o início da pandemia houve aumento de golpes financeiros contra pessoas de idade mais avançada.

Apesar de não precisar números, Bardi afirmou que na região de Campinas há muitos casos. Ainda conforme o diretor da Polícia Civil, geralmente os criminosos que aplicam este golpes são de outras cidades e têm como característica o foco em vítimas mais simplórias.

“Esses criminosos têm um talento à parte e uma capacidade de persuasão, de envolver a vítima. Geralmente pessoas com características muito simples, humildes e que têm um entendimento limitado, acabam caindo na conversa deles”, finalizou.

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