PARA O BEM OU PARA O MAL?

Fim da ‘saidinha’ é desejo de parcela da população

Lei em vigor é criticada por vítimas de crimes, policiais e até mesmo por parentes de reclusos

Alenita Ramirez/ Alenita.ramirez@rac.com.b
21/08/2022 às 10:10.
Atualizado em 21/08/2022 às 10:10

Presidiários aguardam liberação para ‘saidinha’ no feriado natalino: volta à sociedade temporariamente tem a meta de ressocializar os presos (Agência Brasil)

Dos 8.439 presos da Região de Campinas que tiveram o benefício da saidinha neste ano (março e junho), nove foram presos em flagrante durante o período do benefício e 237 não retornaram aos presídios. Apesar de o número ser pequeno quando comparado à quantidade de beneficiados, a lei é criticada por vítimas de crimes, agentes de segurança pública e até mesmo por alguns parentes de reclusos.

O fim do direito à saída temporária vem sendo cogitada pelos deputados federais e senadores desde 2019 e, no início deste mês, a Câmara de Deputados aprovou por 311 votos favoráveis e 98 contrários a proposta que extingue de vez as saídas temporárias de presos dos estabelecimentos prisionais.

A lei vigente permite a saída temporária dos condenados no regime semiaberto para visita à família durante feriados, frequência a cursos e participação em atividades. 

O texto aprovado recentemente é um substitutivo do relator, deputado Capitão Derrite (PL-SP), ao Projeto de Lei 6579/13, do Senado. Ele altera a proposta inicial, que limita as saídas, abolindo completamente o benefício. Derrite afirma que o fim da saída temporária é necessário, uma vez que grande parte dos condenados cometem novos crimes enquanto desfrutam do benefício. “A saída temporária não traz qualquer produto ou ganho efetivo à sociedade, além de prejudicar o combate ao crime”, avaliou.

Vítima de roubo em sua residência neste ano, uma mulher, cujo nome foi preservado, é uma das defensoras da extinção do benefício. Na época, quatro bandidos, um deles estava de “saidinha”, renderam ela, a mãe e o filho. “Fui vítima de roubo e um dos criminosos que me rendeu, não soube aproveitar da liberdade proporcionada. Hoje, eu que sou privada da minha liberdade. Tive de mudar minha rotina e ainda aprisionar minha família para não ser vítima novamente. O sistema prisional existente não recupera presos e os que recebem o benefício da saidinha, não aproveitam ele para o bem”, disse.

“Não concordo com a violência dentro das prisões. Eles (presos) têm que cumprir a pena imposta com dignidade e serem preparados para o momento de saída e isso deve ser feito ainda dentro do sistema, com educação e cursos profissionais. A socialização pode ser realizada depois da pena ter sido cumprida”, explicou e acrescentou: “Onde estão os meus direitos? Eu, que sou cidadã do bem? Onde está o meu direito de ter uma moradia com segurança? Tive meus direitos cerceados quando aqueles criminosos invadiram minha casa e ameaçaram com uma arma a minha família”.

A saída temporária é concedida pela Justiça como forma de ressocialização dos presos e manutenção do vínculo deles com o mundo fora do sistema prisional.

A legislação atual permite o benefício a presos do regime semiaberto que tenham cumprido o mínimo de 1/6 da pena, caso seja primário, e 1/4, quando reincidente. Além disso, é preciso apresentar comportamento adequado.

A autorização tem prazo de até sete dias e pode ser concedida cinco vezes ao ano. Quando foi aprovado no Senado em 2013, o projeto era bem mais enxuto e apenas restringia as possibilidades de saída temporária - que somente poderia ser concedida uma vez ao ano e para presos primários.

Desde a aprovação do pacote anticrime, em 2019, o preso condenado por crime hediondo com morte não tem mais direito à saída temporária.

“Apesar de o nosso código penal ser muito antigo, eu só queria que fosse feito o que está lá. Que acabassem os demais direitos que foram incluídos. A pena é de cinco anos, por exemplo, então que se cumpra cinco anos até o fim, sem progressão. Creio que só assim o condenado vai pensar melhor antes de cometer outro crime. No Brasil, é fácil ser bandido, porque eles são protegidos por todos os lados”, comentou um policial, cujo nome foi preservado.

A mãe de um preso, que, inclusive, entregou o filho para a polícia, também defende a extinção da saidinha. Para ela, a ressocialização só deve acontecer depois de cumprir a pena. “Quando ele tiver cumprido os anos que lhe cabem, o condenado poderia ficar mais um tempo para provar que realmente se regenerou”, falou.

Pastoral Carcerária repudia a extinção do benefício 

Na sexta-feira (19), a Pastoral Carcerária postou posicionamento contrário à extinção da saidinha. O documento de repúdio é assinado por 69 organizações da sociedade civil e movimentos sociais, dentre elas a Pastoral Carcerária Nacional. Trata-se de um protesto no qual os ativistas defendem a manutenção do benefício aos presos. 

No manifesto, o grupo apresenta, primeiro, a decisão dos deputados federais e em seguida justifica a manutenção da saída temporária. 

“Está em pauta nesta terça-feira (17) na Câmara dos Deputados a votação do regime de urgência do Projeto de Lei 360/2021. A proposta, sob a falsa justificativa de que conteria o aumento da criminalidade, visa a excluir da Lei de Execução Penal todas as possibilidades de concessão de saída temporária do sistema carcerário brasileiro. 

A saída temporária é um mecanismo eficaz de manutenção de vínculos familiares e acesso ao estudo e a profissionalização de pessoas presas. Trata-se de direito assegurado pela Lei de Execução Penal e concedido mediante o atendimento de requisitos objetivos e subjetivos. No Brasil, a taxa de retorno às unidades prisionais após o período de saída é altíssima, chegando aos 95%.

Para ter direito à saída temporária o preso precisa estar no regime semiaberto, ter bom comportamento, ter cumprido mínimo de 1/6 (um sexto) da pena, se o condenado for primário, e 1/4 (um quarto), se reincidente e não ter cometido crime hediondo com resultado morte.

Os dados mostram que a medida é eficaz. Em São Paulo, a taxa média de retorno é de 93,78%, atingindo 96% em 2017, o que indica a eficácia do instituto. No Distrito Federal a taxa de evasão não passa de 1%. Em novembro de 2021 foram liberadas 1.979 pessoas presas e destas apenas 49 não retornaram, o que representa 2,4% do total. Levantamento realizado pelo G1, com abrangência nacional, aponta que na saída temporária de Natal e réveillon de 2014, apenas 4,66% das pessoas beneficiadas não retornaram às unidades prisionais. O Rio de Janeiro registrou a menor média com 0,78%³.

O PL 360/2021 trata de forma irresponsável o combate ao crime e a violência. A Câmara deve rejeitar o Requerimento de Urgência para apreciação do Projeto de Lei 360/2021 e ampliar o debate junto à sociedade civil sobre o tema”.

Advogados dizem que proposta é ‘retrocesso’

Para advogados criminalistas consultados pela reportagem do Correio, a extinção do benefício é um retrocesso na legislação, uma vez que o benefício contribui para a reinserção do preso na sociedade. 

“Sou contra. Acredito que seja uma resposta que atende ao populismo penal, ou seja, uma resposta sensacionalista e desprovida de fundamentos concretos. Ao contrário do que dizem, a saída temporária é um instrumento que visa a promover uma reinserção do preso na sociedade e, especialmente, junto à sua família”, comentou a advogada criminalista Juliana Correa Morelli, pós-graduada em Direito Penal e Criminologia.

De acordo com ela, dados do Infopen e dos demais institutos de informação e de pesquisa do sistema carcerário demonstram que não há um número elevado de presos beneficiados pela saída temporária que não retornam ou que praticam crimes. “Na realidade, a uma pequena parcela que faz isso, trata-se de exceções”, destacou.

Segundo Infopen de 2019, a taxa de fugas em geral no sistema prisional, sejam elas por saídas temporárias, transferências ou outras razões, corresponde a 0,99%. Os dados demosntram que somente um número reduzido de apenados não volta às suas atividades prisionais.

“O que se vê, na prática, é que a saída temporária funciona como um incentivo ao cumprimento de pena para àqueles que estão em restrição de liberdade. Acabar com esse instrumento significaria alterar o regime de cumprimento de pena, retirando das pessoas presas a possibilidade de reestabelecer os vínculo com a sociedade”, frisou.

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