Casos registrados aumentaram de 126 nos três primeiros meses de 2024 para 270 este ano
Aposentada Marli Aparecida Bandeira, de 73 anos, faz parte do grupo de terapia, do qual passou a participar após golpes (Kamá Ribeiro)
Os números de casos de estelionato tiveram alta de 114,29% em Campinas no primeiro trimestre deste ano em comparação com o mesmo período do ano passado. Os dados são da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP-SP).
De janeiro deste ano a março, as delegacias da cidade e o sistema eletrônico de notificações da polícia contabilizaram 270 casos, enquanto que em igual período do ano passado foram 126 denúncias. Em todo o ano passado, foram registrados 875 casos de estelionato, um aumento de 43,68% em comparação a 2023 (609).
Pelo levantamento, não foi possível verificar quais foram os golpes mais aplicados na cidade, já que o sistema de filtragem de acesso aponta apenas a rubrica de estelionato, do Código Penal 171, mas relatos das autoridades indicam que entre os mais populares estão o do presente, do carro quebrado e recentemente o do falso advogado. Até no golpe do amor já houve casos com vítimas em Campinas.
Um estudo do Instituto DataSenado publicado no mês passado indicou que 27% das 22 mil pessoas entrevistadas no ano passado que foram vítimas de golpes são jovens na faixa etária entre 18 e 29 anos. Outro levantamento, da Serasa Experian, mostra que 40,8% dos entrevistados nessa faixa relataram terem sido vítimas de golpes, especialmente os aplicados por via digital.
Apesar da pesquisa do Senado revelar que os jovens são os alvos preferenciais dos golpistas, casos divulgados pela imprensa campineira, com base em prisões de golpistas e também de denúncias feitas aos jornais, mostram que muitas vezes são os idosos as vítimas desses crimes.
ELON MUSK
Em janeiro deste ano, um mecânico de 52 anos pediu ajuda à polícia para por um ponto final na farra de golpistas contra a sua mãe, uma idosa de 71 anos. Os criminosos, se aproveitando do estado de saúde da idosa, causaram um rombo na conta dela de cerca de R$ 200 mil.
Os golpes começaram em março de 2022 e persistiam até aquela data. A série teve início em março de 2022, após a idosa trocar mensagens com um desconhecido em um site de relacionamento.
Na época, o golpista se apresentou com um nome falso e conseguiu fazer com que a vítima acreditasse que ele estava apaixonado por ela. O criminoso fingiu mudança para Campinas e projeto de abertura de uma empresa na cidade para ficar mais próximo dela. Mas para o falso projeto, ele passou a pedir dinheiro para investimentos. O filho só descobriu que a mãe tinha caído no golpe no final do ano, com a aproximação das festas.
Neste caso, o criminoso se apresentou como o magnata Elon Musk. Na troca de mensagens, a idosa confessava a rotina dela e o golpista se aproveitava para dizer que enviaria presentes e aproveitava para pedir taxas para retirada do mimo que ela nunca recebeu.
DINHEIRO FÁCIL
Já no final do ano passado, um casal foi preso pela Guarda Municipal (GM) de Campinas durante um patrulhamento de rotina na região do Campo Belo, por aplicar golpes contra uma aposentada de 65 anos. Na época, os criminosos estavam com o carro da vítima, um Fiat Mobi 2020.
Abordados pelos guardas, o homem, um ex-motorista de 45 anos, acelerou o carro e tentou fugir, mas foi abordado. O casal se apresentou com documento falso. Foi feita pesquisa pelos nomes, mas aparecia a foto verdadeira da pessoa dona dos dados, que estava diferente dos suspeitos. Eles acabaram confessando que ele era foragido da Justiça e a mulher acabou entregando tudo.
Além do carro, o casal de charlatães já havia conseguido cerca de R$ 50 mil em dinheiro. A mulher dele, de 42 anos, se apresentava para a vítima como irmãos e chegou a ir com o companheiro na casa da aposentada e ficou na piscina enquanto o golpista vivia momentos de romance no quarto. "Os golpes em idosos estão aumentando por falta de compreensão e paciência dos familiares. Muitos idosos se sentem inúteis e querem provar que conseguem fazer tudo sozinhos", analisou a psicanalista e psicóloga, Adriana Ferreira.
TERAPIA
Atenta aos crimes praticados por criminosos contra idosos, em especial golpes, Adriana, decidiu montar cursos de terapia gratuitos, para pessoas acima de 65 a 82 anos. Segundo ela, a maioria dos que buscam ajuda relata que a família cobre de mais deles e entram em desespero por acharem que são um fardo e por conta disso, por qualquer oportunidade de independência acaba caindo em golpes. "A ideia de conquistar algo ainda é muito forte em muitos idosos e a maioria vive de pensão. Aliado a isso, existe um fato importante nos sites de relacionamentos quando um idoso se cadastra ele responde um monte de perguntas que são pessoais demais. Um jovem tem discernimento de saber o que ocultar, o idoso geralmente faz escondido porque a família não aceita que esse idoso pode ter uma vida amorosa ativa e que o sexo pode sim fazer parte da vida desse idoso. Com isso se familiares fossem mais presentes esses golpes não teriam crescido tanto", disse.
Para Adriana, se de um lado a tecnologia facilita a vida das pessoas, por outro ela afasta cada vez mais as pessoas, especialmente no seio familiar, e isso faz com que os idosos, que muitas vezes não sabem lidar com celulares e sites acabam usando a ferramenta de forma errada. "Às vezes por causa da tecnologia os idosos não têm a atenção que realmente necessitam das pessoas mais próximas. Nas reuniões de famílias, cada um fica em seu mundo, na tela do celular. E quando esse idoso recebe algum tipo de atenção de pessoas de fora, querem manter isso de qualquer maneira", destacou.
A aposentada Marli Aparecida Bandeira, de 73 anos, faz parte do grupo de terapia e passou a participar após cair em uma série de golpes. A medida foi tomada pelos filhos, para ajudar a idosa a ficar mais atenta em relação às abordagens de estranhos.
Marli sofreu quatro AVC´s (Acidente Vascular Cerebral) e faz tratamentos na Unicamp. Ela acredita que as seqüelas da enfermidade podem facilitar a intenção dos malfeitores. "Em dos golpes, foi dentro do setor de atendimento do meu banco. Iria pagar contas no caixa e como não conseguia pedi ajuda para uma moça que usava uniforme e crachá do banco. Ela me ajudou e devolveu o cartão, mas só vi que não era meu quando cheguei em casa. Voltei no banco e já tinham limpado minha conta e me deixaram com as dívidas", contou a idosa, que também foi vítima do golpe do bilhete premiado. "Com a terapia estou aprendendo a não confiar em ninguém, a não andar sozinha e nem aceitar ajuda de desconhecidos. Eu não vejo maldade nas pessoas e isso faz os outros aproveitarem", disse.
IMPORTÂNCIA DO BO
Para o delegado da Divisão Especializada em Investigações Criminais (Deic) de Campinas, José Carlos Fernandes, o aumento de golpes, não só em Campinas, mas em todo o País, está relacionado à migração dos criminosos, que ante a pandemia cometiam as ações nas ruas. Porém, com o isolamento social, os bandidos buscaram a modalidade de estelionato cibernético. "Hoje todo mundo tem o seu celular, desde a pessoa mais simples a um empresário. Então a possibilidade de aplicar golpe acabou sendo facilitada. É muito mais prático, sem sair de casa, sem se arriscar, e o criminoso consegue uma vantagem financeira", explicou Fernandes.
Segundo o delegado, para que o crime seja investigado, a vítima não deve ficar com vergonha, seja qual for a modalidade do estelionato e deve registrar boletim de ocorrência para que o crime seja investigado e os autores identificados. "É necessário que a vítima represente na delegacia para que seja aberto inquérito policial. Reúna documentação, prints das conversas, tudo que for possível e leve na delegacia. A vítima tem seis meses, contados a partir do registro, para representar, caso contrário o boletim de ocorrência é arquivado", orientou.
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