Programa da Guarda Municipal voltado ao suporte às mulheres que sofrem violência doméstica solidifica sua presença e conquista a confiança do público
O programa "Guarda Amigo da Mulher" (Gama) da Guarda Municipal de Campinas presta atendimento a mulheres desde sua criação em 2016; serviço visa não apenas fiscalizar as medidas protetivas, mas também fornecer suporte essencial às mulheres vítimas de violência doméstica (Alessandro Torres)
Em uma sala de tons lilás e branco, adornada com desenhos de uma árvore cujas folhas proclamam "amor" e de um pequeno jardim com um sol radiante entre nuvens brancas, inicia-se um refúgio para mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, amparadas por medidas protetivas.
Uma pequena mesa com duas cadeiras, posicionada em um canto da sala, junto a um computador, transforma-se em um "divã" acolhedor. Enquanto os guardas municipais, integrantes do programa "Guarda Amigo da Mulher", cuja abreviação carinhosa é Gama, escutam as vítimas, do lado oposto desse "consultório" revela-se um pequeno circo mágico: uma penteadeira infantil, uma geladeira, um carrinho com bonecas e brinquedos espalhados sobre um tapete colorido, proporcionando uma distração reconfortante para as crianças.
Este espaço foi concebido dentro do quartel da Guarda Municipal (GC) de Campinas, situado na Avenida Moraes Sales, s/nº, próximo ao Terminal Central, e foi inaugurado em 8 de maio de 2021. Ali, as mulheres vulneráveis encontram proteção e um ambiente onde podem desabafar sem medo ou receio.
"A atuação requer perfil e empatia. Se o guarda é do sexo masculino, é fundamental que não seja machista, pois é necessário compreender a perspectiva da vítima para auxiliá-la", explica Claudinei Pinheiro Nascimento, guarda municipal que integra o programa há sete anos.
O programa Gama, instituído pelo decreto 10.049 de 8 de maio de 2016, tem a missão de fiscalizar as medidas protetivas concedidas pela Justiça às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, além de garantir acolhimento para que elas não se sintam isoladas quando o agressor apresenta perigo.
"Há casos terríveis, e para ouvir e ajudar é necessário ter sensibilidade psicológica, mesmo não sendo psicólogo", destaca Daniela Cristina Ribeiro Rossan, supervisora do programa.
As vítimas são cadastradas mediante a aceitação delas. Assim que a Justiça concede a medida protetiva, o Ministério Público (MP) envia por e-mail para o Gama o boletim de ocorrência com os dados da vítima.
A equipe, permanente e comprometida, entra em contato telefônico com a mulher, apresenta o programa e pergunta se ela deseja participar. Se concordar, é agendada uma data para que a vítima compareça à sede do programa, a Sala Lilás. Se, porventura, a mulher não tiver condições de se deslocar até o local, a equipe do Gama realiza o primeiro atendimento em sua residência.
Uma parcela significativa dos casos de violência doméstica ocorre nos finais de semana. Em média, seis em cada dez vítimas convidadas a participar do programa aceitam a oferta. Aquelas que recusam, conforme relata Daniela, muitas vezes duvidam que seus parceiros repetirão as agressões ou sentem vergonha e temor de se expor.
Desde a sua criação, o programa Gama já prestou assistência a 2.270 vítimas. Segundo a GM Patrícia Degrossoli, de 39 anos, que faz parte do programa desde o início, 99% das mulheres chegam ao programa com problemas psicológicos, mas mais de 80% conseguem se recuperar e sair de relacionamentos tóxicos após receberem acompanhamento e orientação dos profissionais, além do suporte da rede de apoio.
"Muitas chegam feridas no corpo e na alma. Sentem-se solitárias, desamparadas e sem esperança, desconhecendo a rede de apoio disponível para elas", avalia Patrícia.
Auxiliar uma mulher desacreditada, devolvendo-lhe o brilho, não é tarefa fácil. No entanto, os guardiões afirmam que é gratificante, especialmente quando começam a colher os frutos desse trabalho. "Não há um tempo médio para curar as feridas de uma mulher e restaurar sua segurança. É um processo gradual, mas o que mais nos marca é quando conseguimos afastar o agressor de suas vidas", destaca Patrícia.
SEM CHÃO
Desamparada pelo trauma, muitas vítimas optam por silenciar o passado, mas há exceções como a servidora pública licenciada Thacia Duarte, de 40 anos, que faz questão de compartilhar sua história. "Eu estava sozinha, sem chão. Um dia meu agressor foi detido pela Polícia Militar e levado à delegacia da Mulher. Eu tinha medida protetiva, mas quem deveria me acolher não acreditou e soltou o agressor, que saiu pela porta da frente da delegacia antes de mim. Fiquei desesperada. Lembrei que conhecia uma guarda municipal e mandei uma mensagem. Ela viu no dia seguinte e foi pronta para me ajudar. Foi à minha casa e falou do programa", relata.
Thacia encontrou coragem para conhecer o Gama uma semana depois, e dois dias depois, o agressor foi preso pela Guarda Municipal ao ameaçá-la.
A servidora pública vivenciou um relacionamento conturbado, marcado por agressões físicas, psicológicas e violência sexual aterrorizante. Após a separação, descobriu que o ex-companheiro a dopava para estuprá-la, filmar o ato e divulgar em sites pornográficos.
Em algumas ocasiões, o agressor chegou a envolver moradores em situação de rua para violentá-la enquanto estava dopada. "Hoje me sinto protegida. Se ainda tenho condições psicológicas para falar é porque eles (guardas) me acolheram e me deram respaldo", destaca.
SANGUE AZUL
Atualmente, o programa atende 154 vítimas com visitas periódicas, realizando uma média de 3.500 por mês.
A vítima mais jovem, com 14 anos, entrou no programa no mês passado após ser agredida e ameaçada de morte pelo companheiro que não aceita a separação. A mais velha, com 91 anos, está no Gama desde 2021 devido às agressões do filho usuário de drogas.
A adesão mais recente foi de uma senhora de 68 anos, agredida pelo companheiro com quem convivia há oito anos. No último incidente, ele jogou uma panela de pressão quente contra ela e arremessou um banco de madeira que atingiu seu rosto, quebrando vários dentes. Apesar das agressões desde o início da relação, ela nunca teve coragem de registrar queixa contra o companheiro, mas dessa vez, a violência atingiu um ponto extremo.
Durante as visitas domiciliares, os guardiões verificam se o agressor está rondando a casa da vítima, se a procura por mensagem, se faz ameaças de qualquer maneira. Perguntam como a pessoa se sente, se precisa de algo, se quer conversar. Cada visita é única, algumas breves, outras durando até uma hora, ajustando-se ao estado psicológico da vítima naquele dia.
As inspeções ocorrem diariamente, de segunda a domingo. Os guardas que atendem ao programa usam uma viatura específica, sendo sempre os mesmos, embora também estejam prontos para lidar com outras ocorrências no percurso para a casa da atendida, afinal, eles também são "sangue azul".
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