IGUALDADE DE GÊNERO

Delegadas e escrivã mais antiga contam a saga dos dos 35 anos da 1ª DDM

Terezinha de Carvalho, primeira policial a chefiar a 1ª Delegacia de Defesa da Mulher de Campinas, compartilha a sua experiência à frente da unidade

Alenita Ramirez/ [email protected]
10/09/2023 às 17:22.
Atualizado em 10/09/2023 às 17:22
Terezinha de Carvalho, primeira delegada da DDM, ao lado de suas colegas, a escrivã Ana Cristina e a atual delegada titular Ana Carolina Bacchi (Rodrigo Zanotto)

Terezinha de Carvalho, primeira delegada da DDM, ao lado de suas colegas, a escrivã Ana Cristina e a atual delegada titular Ana Carolina Bacchi (Rodrigo Zanotto)

A primeira Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) de Campinas celebrou seu 35º aniversário em 5 de setembro. Essa unidade pioneira na cidade foi inaugurada três anos e 29 dias após a criação da primeira DDM especializada no Brasil, que ficava localizada no centro da capital paulista. Conhecida como 1ª DDM de Campinas, essa delegacia foi estabelecida durante a gestão do então prefeito Jacó Bitar, em um edifício alugado por ele na Rua Emilio Ribas, no bairro Cambuí, e contou com a presença do governador da época, Antônio Fleury Filho.

A primeira delegada titular a liderar essa unidade foi Terezinha de Carvalho, que naquela época atuava como titular na Delegacia do Município de Monte Mor. Ela veio para Campinas a convite do então deputado Manuel Moreira, cuja esposa, Marinalva Moreira, dirigia o Centro de Vivência da Mulher (Cevim). Ambos lutaram arduamente para trazer uma unidade dedicada ao atendimento da mulher para a cidade. Terezinha permaneceu à frente da DDM por quase 12 anos, aposentando-se no final de 1999. Durante esse período, ela se afastou apenas por nove meses, quando assumiu o 9º Distrito Policial (DP) no Jardim Aeroporto, em Campinas, retornando posteriormente à DDM a pedido das mulheres.

Além de disponibilizar o prédio alugado, Jacó Bitar também providenciou o telefone e auxiliou na manutenção da unidade. "No início, éramos apenas quatro mulheres trabalhando: eu como delegada, uma investigadora, uma escrivã e uma assistente social", recordou Terezinha.

Quando foi inaugurada, a 1ª DDM recebeu três viaturas e funcionava das 9h às 18h30. Na época, uma média de 20 boletins de ocorrência era registrada diariamente, muitos dos quais relacionados a desentendimentos ou brigas de casais. As policiais que compunham a equipe inicial haviam trabalhado anteriormente em delegacias convencionais, que lidavam com diversos tipos de crimes, e não tinham ideia do trabalho que enfrentariam. Isso contrasta com os dias atuais, em que os policiais são treinados na academia para lidar com questões específicas.

Terezinha também destacou que, nos primeiros anos da DDM de Campinas, o foco das policiais era realizar triagem e atender casais na tentativa de preservar suas famílias. Elas buscavam reconciliar os casais ou, quando necessário, auxiliar na separação, com o objetivo de evitar que conflitos escalassem para agressões ou até mesmo homicídios.

Além disso, as agentes também realizavam trabalho relacionado aos Alcoólicos Anônimos e suas parceiras, uma vez que naquela época a maioria dos agressores estava sob a influência do álcool. Terezinha enfatizou que o uso de outras drogas não era tão comum como é hoje.

"Houve poucos casos graves de violência contra mulheres naquela época. A maioria dos casos graves envolvia estupros, e era uma tarefa muito difícil classificar esse crime. Naquela época, ainda não existia a tipificação do estupro de vulnerável", observou Terezinha.

Ao longo dos 35 anos desde a criação da primeira DDM em Campinas, muitas mudanças ocorreram e os programas iniciais ganharam força, embora alguns tenham sido descontinuados ou transformados em outros serviços. "No início, não tínhamos a autoridade para afastar um homem do lar, como é possível hoje. Atualmente, não é mais necessário um boletim de ocorrência para que uma mulher solicite uma medida protetiva", destacou.

Até o início de 2000, o inquérito só podia ser instaurado após um período de seis meses, um prazo concedido para que as mulheres vítimas de agressão tivessem tempo de reconsiderar se denunciariam ou não seus parceiros. Durante esse período, o casal era avaliado por psicólogos e assistentes sociais, graças a parcerias estabelecidas com a PUC Campinas.

"Nesses 35 anos, houve muitos avanços positivos, como uma linha de apoio para vítimas, políticas públicas para promover a igualdade de gênero e a inserção da mulher no mercado de trabalho, além do auxílio aluguel, que é uma ajuda significativa para as mulheres. Houve também uma série de atualizações na legislação e a criação de uma Vara da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. No entanto, ainda há espaço para melhorar e expandir os serviços de assistência", enfatizou.

Segundo Terezinha, durante o período em que liderou a DDM, ela atendeu aproximadamente 60 mil casais. "Antes da criação das DDMs, muitas pessoas não viam a importância de uma delegacia especializada para mulheres e acreditavam que, com o tempo, ela deixaria de existir. O Dr. Amandio Augusto Malheiro Lopes, delegado geral da Polícia Civil na década de 1980, costumava dizer que a DDM era como um remédio, que seria necessário por um tempo, mas que um dia não seria mais necessário. Concordo com ele, e espero que um dia não precisemos mais de uma delegacia especial para mulheres, porque seremos respeitadas e bem atendidas em qualquer delegacia", concluiu Terezinha.

Além de Terezinha, outras delegadas que passaram pela 1ª DDM de Campinas incluem Maria Cecília Favero, Maria Regina Marialva, Maria Helena Joia, Cássia Jackeline Senteio Afonso, Lícia Couto Lustosa Cordeiro e, atualmente, a titular é Ana Carolina Bacchi.

Com a inauguração da 2ª DDM em 2017, a maioria dos registros passou a ser feita na nova unidade, que começou a operar 24 horas por dia em fevereiro de 2019.

Devido a essa mudança, ao contrário dos números iniciais, hoje em dia a 1ª DDM, responsável pelas ocorrências ocorridas do lado esquerdo da Rodovia Anhanguera no sentido da capital, registra cerca de 150 novos casos por mês, o que equivale a uma média de cinco por dia.

Segundo a delegada Ana Carolina, os crimes mais comuns atualmente são lesão corporal, ameaça, injúria, descumprimento de medidas protetivas (já que houve um aumento na concessão dessas medidas) e dois novos tipos de crimes, perseguição e violência psicológica.

Ana Carolina também observa que ao longo dos anos houve uma conscientização crescente entre as mulheres em relação ao ciclo de violência, ao reconhecimento de relacionamentos abusivos e à importância de fazer denúncias para que a Polícia Civil possa agir. "Infelizmente, hoje, 45% das mulheres ficam em silêncio após a última agressão sofrida, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública", enfatizou.

Quanto aos desafios enfrentados pela equipe atual, Ana Carolina destaca dois como os mais relevantes: o desafio de conscientizar as vítimas a denunciarem e o desafio de sensibilizar os policiais sobre a importância do registro e do acolhimento das vítimas, uma vez que a violência doméstica envolve casos familiares, o que é substancialmente diferente de outros registros de crimes comuns.

Um segundo desafio abrange toda a Polícia Civil do estado de São Paulo e diz respeito aos recursos humanos, devido às perdas ocorridas nos últimos anos, com policiais saindo para outros concursos, exonerações e aposentadorias. A falta de recursos humanos torna o trabalho da Polícia Civil mais difícil em geral, não apenas na Delegacia da Defesa da Mulher.

ESCRIVÃ

Além disso, a 1ª DDM mantém uma das primeiras escrivãs, Ana Cristina Rodrigues Kaid, que começou a trabalhar na unidade aos 18 anos e passou três décadas ouvindo e registrando as histórias de milhares de mulheres vítimas de violência. 

"Observei ao longo dessas três décadas, várias mudanças no que tange a legislação em relação ao combate à violência doméstica. No ano de 1995, houve um retrocesso na legislação. O que era previsto no Código Penal foi modificado com a Lei de 9099, que passou a considerar os delitos de violência doméstica como de menor potencial ofensivo. Mas no ano de 2006, a lei Maria da Penha foi um marco na legislação. Ela é considerada uma das três melhores leis do mundo e prevê uma rede de ajuda às mulheres para saírem da situação de violência, como as medidas protetivas de urgência que podem afastar o agressor", enfatizou.

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