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Crime adota o mesmo padrão organizacional do mundo empresarial na região de Campinas

O que muda são os requisitos exigidos no recrutamento dos “trabalhadores” da organização ilícita

Alenita Ramirez/ alenita.ramirez@rac.com.br
17/07/2022 às 09:35.
Atualizado em 17/07/2022 às 09:49

Penitenciária de Hortolândia: para ‘trabalhar’ na organização, respondendo às lideranças dentro dos presídios, é preciso ter um currículo à altura (Ricardo Lima)

Assim como as empresas legalizadas, que contam com uma estrutura organizacional, o mundo do crime também tem sua estruturação estabelecida. O único diferencial talvez esteja na área dos Recursos Humanos (RH), segundo especialistas. Enquanto na primeira, o setor de recrutamento fica no próprio prédio da empresa e, em muitos dos casos, utiliza-se da checagem de antecedentes criminais para avaliar um futuro trabalhador, nas “empresas criminosas”, o RH está fixado nos presídios e o futuro "trabalhador" tem que ter seu currículo carimbado por crimes violentos, ser um verdadeiro "sangue ruim".

A maior empregadora criminosa atualmente, que gera vagas até para menores, é o tráfico de entorpecentes. Entretanto, um campana, vapor ou gerente, se for esperto e passar dos 25 anos, pode chegar a atuar no roubo de carga, por exemplo. E para conquistar esse posto, o candidato tem que ser bruto, confiável e rápido, segundo o professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador da Escola de Segurança Multidimensional, Leandro Piquet. 

“O varejo da cocaína controla pontos de distribuição. Por isso, quem trabalha para o tráfico é desvalorizado, pois paga-se muito pouco e exige pouca habilidade. O ‘olheiro’ fica sentado em um local o dia todo, observando o movimento, avisando sobre a chegada da polícia. Para fazer isso, não precisa de muito. No geral, os bandidos crescem mais o olho nas quadrilhas que roubam cargas e condomínios”, disse Piquet.

Comando Vermelho

As organizações criminosas no Brasil surgiram na década de 1980 nos presídios do Rio de Janeiro, como o comando Vermelho e, mais tarde, em 1993, em São Paulo, surgiu o Primeiro Comando da Capital (PCC). Na região de Campinas, elas ganharam força a partir de 2006, com os ataques do PCC às unidades das Forças de Segurança Pública.

Atualmente, as organizações se consolidaram e ganharam força pelo Brasil afora. As facções criminosas atuam com ramificações nos mais diversos tipos de atividades ilícitas, que vão do narcotráfico à extorsão e corrupção, passando pela prostituição, exploração sexual de menores (pedofilia), tráfico de pessoas e órgãos, tráfico de armas, pirataria, biopirataria, formação de milícias e lavagem de dinheiro.

Cooperação

Além do caráter empresarial, as organizações criminosas cooperam entre si e formam verdadeiros conglomerados a fim de promoverem delitos. “Elas envolvem criminosos sofisticados, que até se apresentam na sociedade como proprietários de empresas, com surpreendente performance, mas, na verdade, as empresas são de fachada, apenas voltadas à lavagem de dinheiro de origem ilícita”, frisou o coronel Elias Miler, presidente do Conselho Deliberativo da Associação de Oficiais da Polícia Militar do Estado de São Paulo (Defenda-PM) e diretor legislativo da Federação Nacional das Entidades de Oficiais Militares Estaduais (Feneme).

Para Piquet, as organizações criminosas se fortaleceram devido aos nichos que o mercado oferece. Uma vez que surge a carência de um determinado serviço ilícito, logo o "empresário do crime" aparece para investir no negócio. “A organização criminosa não é a que tem importância no mundo do crime e sim o mercado que há por trás dela. Cada segmento tem o seu valor e isso gera incentivo às organizações. Ou seja, o mercado ilícito surgiu para comercializar tudo que é proibido por lei, como armas, terras, peixes, madeira, pessoas e órgãos. Nesse sentido, o Brasil oferece muito campo para o mercado ilícito. Se o Estado não regula um determinado campo ou negócio, o crime floresce ali”, destacou.

Logística 

Para as autoridades e Piquet, a logística do crime organizado depende de uma cadeia transnacional, na qual tudo se transforma em firma. Segundo Piquet, o mercado ilícito é o que mais oferece oportunidades em qualquer área. “Cada crime funciona como um nicho. O mercado produz e gera incentivo para as organizações. A cocaína, por exemplo, é uma das drogas que mais se trafica no mundo e isso se deve ao fato de ela não ser legalizada. Mas a legalização dela não depende de um só país, e sim de todo o mundo. Então, o grande empregador hoje é o tráfico”, disse o pesquisador.

Como nas empresas legalizadas que, muitas das vezes terceirizam serviços para economizar com a mão de obra ou para não ter problemas com equipes, assim também acontece nas empresas ilícitas. Elas terceirizam tudo que podem, desde a execução de um crime, transporte do armamento, entre outros. A medida, nesse caso, é para manter a liderança no anonimato e evitar que haja infiltrações de grupos rivais ou até mesmo a descoberta por parte das autoridades. 

“As organizações não são fixas e recrutam pessoal de diversos locais. Elas se organizaram para fazer o trabalho de prática de crimes de forma discreta e transformar tudo em patrimônio e também dificultar o trabalho da investigação. Mas a polícia trabalha com inteligência para identificar essas quadrilhas e demonstrar, mediante provas, ao Judiciário, a participação das pessoas nessas organizações”, defendeu o diretor do Departamento de Polícia Judiciária de São Paulo Interior 2 (Deinter-2), José Henrique Ventura.

Para o procurador da Justiça, Márcio Christiano, a atual legislação brasileira voltada ao crime organizado é eficiente, uma vez que há grandes lideranças nos presídios. No entanto, ele acredita que a legislação de repressão às drogas (antidrogas) contém conceitos subjacentes e precisa ser aperfeiçoada. “Não existe legislação perfeita, mas a que temos ajuda bastante no combate às organizações”, avalia.

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