POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA

Casos graves de violência no Centro de Campinas pedem atenção

As últimas ocorrências assinalam a urgência de se enfrentar a questão de forma multisetorial e interdisciplinar

Alenita Ramirez/ alenita.ramirez@rac.com.br
13/11/2022 às 09:51.
Atualizado em 13/11/2022 às 09:52

Morador de rua atravessa via no Centro: é preciso a união de setores públicos e população para reduzir o contingente de pessoas em situação de vulnerabilidade (Kamá Ribeiro)

Os ataques cometidos por pessoas em situação de rua na região central de Campinas e que se agravaram nos últimos três meses, com tentativas de homicídios a pedestres, inclusive a agentes de segurança pública, chamam a atenção e exigem uma ação efetiva dos órgãos públicos. Apesar de ser um tema delicado - em que um dos lados pede a punição e retirada dessa população das ruas, enquanto outros defendem assistência e atendimento especializado a eles -, a questão precisa ser tratada com urgência e de forma multissetorial e multidisciplinar, segundo a Polícia Militar (PM). E o problema não se restringe ao Centro ou a apenas o município. 

Nesta semana, quatro ataques envolvendo a população em situação de rua foram registrados em Campinas (3) e Santo Antônio de Posse (1). Dos três casos de Campinas, dois ocorreram na região central, em que mulheres foram vítimas de ataques violentos cometidos por moradores em situação de rua que aparentavam estar em surto psicótico. 

Nos dois casos, os agressores usavam facas. Uma delas caminhava no Calçadão da Rua 13 de Maio quando um homem alterado a golpeou com uma faca enferrujada no braço e nas costas. O agressor disse que viu a vítima e sentiu vontade de esfaqueá-la como forma de protesto e não importaria se a sua ação a matasse.

A outra vítima, uma jovem, foi abordada enquanto trabalhava em uma loja de roupas de festas na Rua José Paulino. O acusado queria o seu celular e a esfaqueou na mão. No primeiro caso, o suspeito foi detido por PMs, enquanto no segundo, o agressor fugiu. 

No terceiro caso, um homem, armado com tijolo e telha, levou terror em um ônibus da linha 133 ao ameaçar passageiros para que pagassem sua passagem e lhe doassem R$ 8. Uma mulher desmaiou e precisou ser socorrida. 

Ainda em Campinas, em setembro deste ano, um GM foi ferido na cabeça e perdeu temporariamente a memória, depois de ser agredido por um homem em situação de rua, de 40 anos, que usou uma cadeira para golpeá-lo. Naquele dia, o guarda realizava uma abordagem na Rua Costa Aguiar, próximo à Catedral, quando o agressor pegou uma cadeira e o golpeou pelas costas, gritando que iria matar os agentes. Como a cadeira acabou se quebrando, o homem pegou uma das tábuas que se soltaram e bateu contra a cabeça do agente, fugindo do local em seguida. 

No mês passado, um suspeito, também em situação de rua, morreu durante um surto psicótico dentro do Terminal Metropolitano, depois de agarrar uma mulher dentro de um ônibus. 

Na mesma época, um homem golpeou o rosto de um gerente de restaurante de fast food na região da rodoviária. Por sorte, todas as vítimas estão vivas. “As ações da PM têm sido intensificadas nas regiões das ocorrências e também as conjuntas com a Prefeitura. Entretanto, encontramos diversas barreiras em relação à própria competência da polícia. Ou seja, a PM não tem autonomia e nem e jurisprudência que a autorize a fazer fiscalização em locais abandonados. Precisamos que outros setores do poder público possam contribuir para deter essa degradação que ocorre na área central, oferecendo o atendimento adequado e necessário à população em situação de rua”, defende o coordenador de operações do 8º Batalhão de Polícia Militar do interior (BPMI), capitão Hercílio Costa.

A degradação do espaço público, aliada à grande presença da população de rua na região central, assusta e afasta moradores e turistas que poderiam frequentar mais o Centro. 

A cabeleireira Tânia dos Santos, de 32 anos, moradora no Jardim São Luís, no distrito do Campo Grande, explica que é obrigada a frequentar a região central devido a alguns negócios, mas que já pensa em mudar sua rotina e ir até o Centro quando for estritamente necessário. 

“Tenho medo. Aumentou muito o número de moradores em situação de rua e, muitos deles, não respeitam as pessoas. Outro dia, estava com minha filha adolescente e presenciamos uma cena de sexo ao lado da Catedral. Sem contar que, se a gente nega a dar dinheiro a eles, sofremos toda a sorte de ameaças. Boa parte deles passam o dia todo alterados”, explica Tânia, que aguardava um parente ao lado de uma agência bancária.

A própria equipe do Correio Popular presenciou uma discussão entre moradores de rua enquanto fazia a reportagem. Uma mulher, usando uma muleta, tentou bater em outro morador. Ambos estavam alterados e sob efeito de algum tipo de droga - bebida ou entorpecente. Além da briga, alguns deles que perambulavam no local pronunciavam palavrões, entre eles mesmos e a quem também passava por ali. 

Apesar dos contratempos, nenhum deles perturbou os pedestres. “Já morei nas ruas por uma semana, depois de discutir com minha mãe. Escolhi vir para perto da base da PM. Há pessoas boas, que vêm para cá porque não têm onde ficar. No período em que fiquei por aqui não presenciei agressões”, relatou um rapaz que não quis ser identificado. Atualmente, ele mora com a companheira, em uma casa na região. 

Segundo o capitão Costa, nas últimas ocorrências registradas, os envolvidos estavam sob a influência de algum psicoativo ou de uma situação de transtorno. “Foram agressões repentinas e graves. Essa população que ocupa a área pública tem essa característica de não reconhecer a autoridade, devido a condição humana degradada na qual está inserida. O grande desafio é o de controlar essa população. Por isso, acredito que apenas a ação policial não resolve. É necessária a interferência de outros órgãos municipais, estaduais e até federais, a fim de tratar o assunto de forma global”, comentou.

O coordenador Setorial de Proteção Social Especial de Média e Alta Complexidade (População em Situação de Rua), William Azevedo de Souza, garante que o município desenvolve constantemente diversas ações junto à essa população e credita essas últimas ocorrências de violência registradas à proximidade com o final de ano e também ao clima de eleições, que alterou cotidiano das pessoas de forma geral. 

“Esse período de confraternização mexe muito com essas pessoas. De um lado, o período deixa as pessoas mais sensíveis, bondosas, e elas doam mais para essa população de rua, que está carente. Por outro lado, os moradores em situação de rua passam a consumir mais bebidas e drogas, justamente para esquecer o momento d e confraternização com a família que eles agora não têm mais. Fora isso, este ano tivemos as eleições que dividiram o país, o que também acabou se refletindo nessa população mais vulnerável. Não é comum essas pessoas atacarem policiais e GMs. É muito raro”, garantiu Souza. 

“Essa população é complexa e diversificada. O espaço público é público. O direito de frequentar ele é de todos. Mas desenvolvemos muitas ações conjuntas com a Secretaria de Saúde, Cultura, Segurança”, acrescentou o coordenador Setorial.

Tanto a PM quanto a GM e a Coordenadoria Setorial de Proteção Social de Média e Alta Complexidade já preparam a operação de fim de ano, em especial na região central. Segundo a Coordenadoria, ao menos 932 pessoas vivem em situação de rua em Campinas. 

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