Inauguração ocorre na quinta-feira, dia 24, na Cidade Judiciária; 1ª Vara conta com nove mil processo em andamento
A delegada da 1ª DDM, Ana Carolina Bacchi, disse que Campinas é uma cidade grande e que as demandas das mulheres tem crescido entre 2020 e 2024 foram realizados 858 julgamentos na 1ª Vara, com o tempo médio de 768 dias desde o início da ação (Rodrigo Zanotto)
Campinas vai ganhar nesta semana a segunda Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. A primeira Vara, inaugurada em março de 2018, conta com aproximadamente nove mil processos em andamento. Somente em março deste ano foram distribuídos cerca de 470 novos inquéritos. No mesmo período foram proferidas 2.553 decisões, entre sentenças e decisões interlocutórias, que são pedidos ao longo do processo.
A instalação de uma nova Vara se deve à alta demanda. A inauguração, segundo o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), acontece no próximo dia 24, na Cidade Judiciária, localizada na Avenida Francisco Xavier Arruda Camargo, 300, no Jardim Santana.
O TJSP não divulgou detalhes sobre a capacidade de atendimento ou número de servidores, mas informou que o presidente do Tribunal, o desembargador Fernando Antonio Torres Garcia, estará presente na inauguração e falará sobre a nova unidade. Campinas é sede da 4ª Região Administrativa Judiciária (RAJ) e conta com apenas uma vara especializada no assunto.
Entre 2020 e 2024, a unidade judiciária registrou 15.444 novos processos de violência doméstica, representando uma média de 3 mil ao ano. “É muito importante essa nova Vara. Infelizmente, tratando-se da violência contra mulher, que é uma área muito triste e de questões latentes, é necessário ter mais varas judiciais, especializadas, específicas e focadas - para atuar no atendimento dessas vítimas, para a conclusão de um processo e para o direcionamento multidisciplinar que elas precisam”, disse a presidente da Comissão das Mulheres Advogadas e dos Direitos das Mulheres, da subseção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Campinas, Mariana Vançan Pereira Chagas.
Segundo Mariana, quanto mais varas especializadas, mais céleres são os processos de violência doméstica em comparação com as generalistas, que cuidam de todos os assuntos e geram alta demanda para o Poder Judiciário.
Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apontam que foram realizados 858 julgamentos na 1ª Vara entre 2020 e 2024, com o tempo médio de 768 dias desde o início da ação. No Estado de São Paulo, foram 533 dias para os processos de violência doméstica e 148 para os de feminicídio. Em todo o Brasil, os casos de violência doméstica levaram em média 479 dias até o primeiro julgamento, enquanto os de feminicídio esperaram 307 dias.
Campinas, com 1.139 milhão de habitantes conta com duas delegacias de Defesa da Mulher (DDM). São cerca de 280 medidas protetivas solicitadas por mês pelas duas unidades, que contam com aproximadamente cinco mil processos em andamento. Somente a 1ª DDM instaura cerca de 150 inquéritos por mês. “É superimportante a implantação de uma nova Vara de Violência Doméstica e toda a ajuda é bem-vinda, porque temos muitos processos. Campinas é uma cidade grande e, infelizmente, vem crescendo a demanda. A criação de uma nova vara representa mais um juiz e é importante para a cidade e para o nosso trabalho”, comentou a delegada da 1ª DDM, Ana Carolina Bacchi.
O município terá mais um juiz responsável pelos processos de violência doméstica e serão mais dois promotores públicos designados. “Melhorou muito, pois antes ficavam muitos substitutos e não havia uma continuidade no trabalho. A implementação de mais uma vara é extremamente importante, mas ela precisa, de fato, atender à demanda e acolher as mulheres”, observou a advogada criminalista que atua na defesa de mulheres em situação de violência doméstica e familiar, Érica Zucatti da Silva.
Para a advogada Cláudia Camargo, diretora do instituto Proteja no Estado de São Paulo e presidente da Comissão “OAB Vai à Escola”, a criação da 2ª Vara representa um avanço fundamental no enfrentamento à violência contra as mulheres. Segundo ela, qualquer ação que seja no sentido de fortalecer a rede de proteção é extremamente importante. “A especialização e a ampliação do número de varas com competência para julgar casos dessa natureza não apenas reduzem a morosidade do Judiciário como também garantem uma resposta mais qualificada e sensível às vítimas”, destacou.
De acordo com Cláudia, a demora nos processos muitas vezes representa um fator de risco. A agilidade nas decisões pode ser o diferencial entre a vida e a morte de uma vítima. “Com mais estrutura e celeridade, aumentamos as chances de interromper o ciclo de violência e salvar vidas”, frisou. “Como advogada especializada em direitos das mulheres, e diretora de um instituto voltado à proteção feminina, vejo essa inauguração como um passo essencial para uma Justiça mais eficiente, humana e comprometida com o combate à violência de gênero”, disse.
Para ilustrar a morosidade nos processos, Cláudia relatou que tem um processo que está na 1ª Vara e aguarda julgamento desde 2022. Sua cliente, uma idosa que hoje tem 81 anos, foi agredida pelo filho, que tem atualmente 44. Ele foi preso na ocasião, mas já está solto. Na época foi expedida medida protetiva, e a idosa foi alertada que o documento pode expirar. “Além da violência, também tem a questão do divórcio e, principalmente, da pensão dos filhos. Esses processos correm na Vara da Família e demoram anos e anos”, lembrou.
GAMA
As mulheres que recebem medida protetiva em Campinas são direcionadas aos programas assistenciais oferecidos pelo município, como o Guarda Amiga da Mulher (Gama), que busca evitar a violência contra as mulheres.
No ano passado, 379 vítimas passaram pelo programa. Foram realizadas 5.560 visitas assistidas. No ano anterior, 325 mulheres passaram pelo Gama e houve 4.506 visitas. Desde a implantação da Guarda Amiga da Mulher, em 2016, 1.010 mulheres já foram assistidas pelas equipes do programa.
Campinas também conta com o Centro de Referência e Apoio à Mulher (Ceamo), que oferece serviço especializado de atendimento e apoio à mulher em situação de violência doméstica. No ano passado, foram 1.659 atendimentos. Entre janeiro e março deste ano já são 572. Entre as vítimas deste ano que foram acolhidas no programa está uma mulher de 30 anos, cujo nome foi preservado, que foi espancada e ameaçada de morte pelo ex-marido. Ela conviveu com o homem durante oito anos e teve dois filhos, um menino de 6 anos e uma menina de 4 anos.
Vitória, nome fictício da vítima, teve um facão e um martelo apontados em sua direção durante uma sessão de tortura praticada pelo ex-marido. O caso aconteceu em fevereiro deste ano. A vítima foi mantida em cárcere privado, mas ela conseguiu escapar de casa quando seu algoz saiu para dar uma volta e buscou ajuda na Prefeitura. “Sai de casa carregando minha filha e uma ferida muito grande dentro de mim. Estava desorientada e precisando de ajuda. Não sabia o que fazer, mas bati na Prefeitura e lá me mandaram para a Casa da Mulher, que faz parte do Ceamo. Fui bem atendida. As psicólogas e assistentes sociais me mostraram uma luz. Descobri que eu podia sair do ciclo vicioso de violência e que posso vencer”, disse a vítima.
Vitória tem um filho de 11 anos do primeiro marido, que morreu quando o garoto ainda era criança. No dia que sofreu a agressão que a fez sair de casa, os dois meninos estavam na casa de parentes. “Tudo que quero hoje é que meu ex-marido pague pelo que fez e espero que esta nova Vara venha ajudar e que o julgamento seja mais rápido. Quanto mais apoio uma mulher tem, mais chance de ela sobreviver. A mulher que sofre violência em casa tem medo e vergonha de buscar ajuda. Ela vê esse apoio muito distante”, resumiu.
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