INFÂNCIA PERDIDA

Aumentam casos de abuso sexual infanto-juvenil

Dados do Conselho Municipal da Criança e do Adolescente registram crescimento de 19%

Alenita Ramirez/[email protected]
18/05/2025 às 13:55.
Atualizado em 18/05/2025 às 13:55
A peça teatral "Abuso Não é Carinho" foi apresentada no Teatro Bento Quirino, no Centro de Campinas, durante o Maio Amarelo (Alessandro Torres)

A peça teatral "Abuso Não é Carinho" foi apresentada no Teatro Bento Quirino, no Centro de Campinas, durante o Maio Amarelo (Alessandro Torres)

O abuso sexual infanto-juvenil vem aumentando em todo o território brasileiro. Estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS), Unicef e Ministério dos Direitos Humanos indicam que uma em cada cinco crianças com até 12 anos são abusadas sexualmente no mundo. Em Campinas, dados do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) apontam que, entre janeiro e abril de 2023 e igual período de 2024 houve um aumento de 19% nos casos registrados de violência sexual infantil, saltando de 97 para 115, com crimes que vão de tráfico para fins de exploração sexual no turismo à produção de vídeos para venda na internet.

Entre janeiro e o último dia 15, as polícias Federal e Civil de Campinas realizaram sete operações contra a exploração sexual infanto-juvenil. Do total, quatro pessoas foram presas em flagrantes, uma pela PF e três pela Delegacia de Investigações Gerais (DIG). Nos casos, os investigados confessaram armazenar e compartilhar material de abuso sexual envolvendo crianças. O último caso aconteceu na quarta-feira quando foi realizada uma força tarefa nacional entre a PF e a Polícia Civil na "Operação Nacional Proteção Integral I", em referência ao Dia Nacional de Combate a Exploração Sexual Infanto-Juvenil, lembrado hoje, dia 18 de Maio. "O que observamos nas investigações é que há um crescimento em relação à venda desse conteúdo, em aplicativos de conversa", destacou a delegada PF, Estela Beraquet Costa.

O homem preso nesta operação, um segurança de 28 anos, a Polícia Civil constatou que ele deixou o emprego na formalidade para ser autônomo na área criminal. O homem que começou assistindo aos vídeos passou a vender o material que ele baixava. Segundo o delegado responsável pela investigação, Luiz Fernando Dias de Oliveira, ele faturava de R$ 7 a R$ 9 mil com o comércio ilícito que vai render a ele até 18 anos de prisão, segundo Estatuto da Criança e Adolescente (ECA). "Este tipo de crime que antes estava mais no 'submundo' da internet, infelizmente, a gente tem visto nos casos que estamos acompanhando, com mais frequência, nas plataformas mais conhecidas. Podemos dizer, por exemplo, que o Telegram é um aplicativo muito comum e rotineiro encontrado nos aparelhos celulares dos investigados, principalmente para troca e compartilhamento desse material. Apesar de hoje ser um crime muito combatido, parece que quem consome esse material o faz de uma forma muito mais explícita do que no passado", frisou Oliveira.

De acordo com as autoridades policiais, a cada dia os criminosos procuram se especializar no campo da informática para driblar a polícia, porém os policiais também são capacitados para acompanhar esses avanços. "Existem dificuldades que são causadas pelos próprios criminosos, principalmente aqueles que detêm algum tipo de conhecimento de informática. Eles conseguem fazer habilitações em nome frio e até mascarar o IP, ou seja, dificultar as informações que os provedores de internet têm condições de indicar de onde partiu o download, o registro e o upload desses arquivos nas redes. Mas, se a internet ajuda o criminoso a encontrar esse material, por outro lado ela deixa rastros que nos levam a ele", observou Oliveira.

Em grande parte dos casos, o perigo mora em casa. E na maioria das ocorrências a criança é ameaçada a não contar nada para ninguém, sendo obrigada a ficar calada. O abuso e a exploração sexual acontecem tanto no mundo presencial como virtual. O primeiro é praticado, geralmente, por alguém de confiança, no ambiente familiar, por pessoas do convívio e de confiança da vítima e é qualquer abordagem sexual com criança ou adolescente.

Já a exploração sexual é caracterizada pelo uso de crianças e adolescentes para fins sexuais que visam o lucro, como na prostituição, na produção de imagens para o compartilhamento, nas redes de tráfico humano e no turismo com motivação sexual.

De acordo com os dados da OMS, em 2023, o Brasil registrou 77,13% no número de casos de abuso e exploração sexual on-line. A organização também apontou que 24% das crianças e adolescentes no país já foram vítimas de aliciamento on-line (grooming) - seduzidas e ameaçadas pela internet para fazer imagens nuas e sedutoras. Dai a importância dos pais e responsáveis ficarem sempre atentos e de olho no celular e no computador do filho, vigiando por onde o filho navega quando estão sozinho e quietos.

No mundo virtual, os abusadores se passam por crianças ou adolescentes e o contato começa em conversas em jogos, redes sociais e aplicativos de mensagens.

Além do grooming, as crianças também estão expostas ao cyberbullying, que é o bullying praticado através da internet e de outras tecnologias digitais com o objetivo de assustar, humilhar ou prejudicar a vítima. "Décadas atrás, existia o trabalho escravo, onde pegavam ou famílias pobres vendiam menores para serem usadas na prostituição da 'rota de caminhoneiro'. Mas aí surgiu a internet, que quando foi criada não se pensava em abuso sexual, mas agora mudou tudo. O formato digital trouxe uma forma diferente de exploração sexual que a cada dia toma proporções maiores e seu alcance dificulta o combate do crime. A criança e o adolescente também, entram de uma forma bastante ingênua nas redes, eles não têm discernimento para fazer o uso de uma forma adequada e acabam, muitas das vezes, caindo nas artimanhas digitais de criminosos", observou a professora-doutora da Faculdade de Psicologia da PUC-Campinas, Rita M. M. Khater.

A maior parte dos casos envolvendo pessoas que baixam material de exploração sexual infanto-juvenil chega ao Brasil através do NCMEC, uma organização privada dos Estados Unidos, sem fins lucrativos, dedicada à crianças desaparecidas e exploradas, que recebe as denúncias dos provedores de internet, que fornecem o IP do equipamento que está realizando a transação do banco de imagens. No Brasil, essa denúncia é remetida ao Ministério da Justiça que distribui conforme a abrangência para a Polícia Federal (PF) ou Polícia Civil. "Os provedores de internet tem contribuído com as autoridades policiais nesse combate, pois eles suspendem as contas quando há sinais de que esteja acontecendo qualquer tipo de abuso via internet. Porém, isso não impede que eles (abusadores) criem outras contas e façam tudo de novo com outros perfis", explicou a investigadora da Polícia Civil, Adriana Carvalho de Campos.

MAIO LARANJA 

Enquanto as polícias Federal e Civil autuam no combate a exploração sexual pela internet, a rede do município trabalha no combate ao abuso sexual infanto-juvenil. Nesta semana, como parte da campanha "Maio Laranja", a Secretaria de Desenvolvimento e Assistência Social, com organização do Coletivo da Proteção Social Básica da Região Sudoeste e apoio de diversas entidades e conselhos municipais, inclusive a Secretaria Municipal de Educação, realizou uma programação voltada ao público infantil e uma delas foi a peça teatral "Abuso Não é Carinho", apresentada no Teatro Bento Quirino, no centro de Campinas. O evento reuniu 589 pessoas, entre alunos de 10 a 16 anos da região norte da cidade e da 3ª idade.

A peça apresentou de forma lúdica e sensível a história de crianças inicialmente alegres que passam a apresentar mudanças de comportamento após vivenciarem situações de assédio. Com personagens carismáticos, músicas e linguagem acessível, a encenação busca empoderar o público infantil para identificar situações de risco e expressar seus sentimentos com segurança. "A violência foi se sofisticando e criando mecanismos cada vez mais cruéis, que atinge os grupos mais vulneráveis. E vou mais longe: a violência é geral, religiosa, educacional, que passou dos limites do físico e do emocional para outras instâncias. Ela está se aperfeiçoando e vem de encontro com pessoas que têm caráter moral e ético, que ficam indignados. Muitas vezes não temos o respaldo do poder público e entidades e dos mecanismos que deveriam estar do nosso lado. A violência não escolhe mais classe social, não escolhe cor, raça e mais nada. Ela está presente nos lares também e a escola é o lugar que a criança aporta, que leva essa demanda", comentou a diretora do Teatro Bento Quirino, Fernanda Nogueira, que também é pedagoga da rede municipal.

Integrada à campanha nacional, a ação teve como foco ampliar a conscientização e fortalecer a rede de proteção à infância. Em Campinas, a campanha ocorre de 12 a 31 de maio, com uma programação diversificada que inclui palestras, oficinas educativas, rodas de conversa e intervenções artísticas. "A arte tem um poder imenso de tocar e transformar. Ao levar essa mensagem para as crianças de forma acessível e acolhedora, estamos não apenas prevenindo a violência, mas também fortalecendo a rede de proteção e escuta", afirmou Vandecleya Moro, secretária municipal de Desenvolvimento e Assistência Social.

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