EXEMPLO DE VIDA

A saga de um presidiário que se converteu a Deus e se tornou escritor

Conheça a história de sofrimento, arrependimento, fé e vontade de vencer na vida de André Jorge Resende Lima, que cumpre pena no Ataliba Nogueira

Alenita Ramirez/ [email protected]
09/07/2023 às 10:24.
Atualizado em 09/07/2023 às 10:24
André Jorge Resende Lima, de 47 anos, possui 24 livros prontos, sendo que 12 deles foram publicados pela Editora Sinai (Rodrigo Zanotto)

André Jorge Resende Lima, de 47 anos, possui 24 livros prontos, sendo que 12 deles foram publicados pela Editora Sinai (Rodrigo Zanotto)

Vagner, Jaime, e Ranam são presos que se tornaram discípulos de André Jorge Resende Lima, um presidiário de 47 anos que se converteu a Deus e se tornou escritor, graças à leitura da Bíblia. Lima já possui 24 livros prontos, sendo que 12 deles foram publicados pela Editora Sinai. Suas obras são inspiradas em passagens bíblicas e poesias, e uma delas possui 770 páginas. Atualmente, Lima está entre os 1.270 sentenciados do regime semiaberto que cumprem pena no Centro de Progressão Penitenciária (CPP) Professor Ataliba Nogueira, em Campinas.

A trajetória de vida do escritor mesclou o submundo do crime no passado e a religiosidade nas últimas duas décadas. Ele foi condenado a 130 anos de prisão por 11 homicídios e pelo menos dez roubos, mas sua pena foi revisada diversas vezes, reduzindo-a para 87 anos e cinco meses. Considerando que a pena máxima de reclusão no Brasil é de 30 anos, Lima já cumpriu 27 anos de sua sentença.

Lima afirma que seu destino foi transformado a partir de 1999, quando se converteu ao participar de cultos evangélicos na Penitenciária do Estado, no complexo do Carandirú. Segundo ele, não foi a prisão que o mudou, mas sim sua fé em Jesus. Os cultos evangélicos trouxeram uma nova perspectiva espiritual para um homem que começou a praticar crimes aos 14 anos, especializando-se em roubos a hotéis.

Foi através do envolvimento com roubos que Lima acabou cometendo homicídios, motivados por sentimentos de traição. Ele chegou a realizar alguns roubos com comparsas, mas depois passou a agir sozinho ou, no máximo, com um único parceiro, devido às punhaladas que recebeu. Embora tenha acumulado muita riqueza, Lima percebeu que essa vida não lhe proporcionava paz. Ele perdeu seus bens, viveu como fugitivo e acredita que, se tivesse continuado naquela vida, teria acabado morto. Agora, Lima tem planos de abrir uma confeitaria, pois adora lidar com doces, e também uma fábrica de produção de bichos de pelúcia, além de continuar escrevendo livros. Ele aprendeu essas habilidades no programa educacional do CPP.

Lima foi preso pela primeira vez no dia 25 de novembro de 1994, data essa que faz questão de frisar. Na época tinha 19 anos, na "flor" da idade. Foi preso por roubo, mas, um ano e dois meses depois fugiu. Ficou sete meses nas ruas, tentando não ser capturado pela polícia, mas cometeu mais um roubo e um homicídio e, aos 21 anos, voltou novamente para a cadeia. Foram quatro fugas e novos crimes. Na 5ª captura não teve mais volta para o mundo do crime. Dois anos depois de sua prisão, ele começou a ser transformado com os ensinamentos religiosos. O dom da literatura surgiu após a leitura da Bíblia. Quando ele entrou para o mundo do crime havia cursado até a 5ª série. Mas quando voltou para a prisão pela quinta vez e sua vida começou a ser transformada, ele concluiu fundamental e o médio. 

Paralelo aos estudos, o escritor começou a dar os primeiros passos rumo a literatura. Em 2001 decidiu colocar nas folhas de caderno suas conclusões sobre a leitura da Bíblia. Fez uma reflexão aprofundada sobre os dons espirituais e escreveu 60 páginas que deram origem aos "9 Dons do Espírito". Escrevia entre o trabalho e o descanso noturno, depois das 22 horas até 2 ou 3 horas da madrugada e aproveitava a luz do pavilhão para escrever. Aliás, até hoje é assim.

"Quando terminei, queria levar meu manuscrito para a rua. Pedi para o pastor entregar a alguma editora para ser avaliado. Depois de uns oito ou 10 anos aquele monte de folhas que eu tinha mandado para a rua voltou em formato de uma apostila digitada. Achei muito bonito e fiquei inspirado", contou.

Mas não foi essa obra que virou o primeiro livro. Ela voltou faltando algumas páginas e precisou ser refeita. O primeiro título publicado foi "Gritos da Alma" Volume 2, pela Editora Sinai, e o Grito chegou até o volume 5. Depois vieram outros temas, como por exemplo "O Inferno: Quem estará Nele?". 

Toda a produção de suas obras é feita por ele mesmo, desde a capa, a arte, o título e a revisão. Lima diz que ama gramática e, inclusive, é voluntário na escola da cadeia e leciona a matéria para os presos, dentro do programa educacional. "Meu objetivo é ensinar os presos e as pessoas por meio da literatura. Não tenho a intenção de ficar rico com a escrita", explicou o escritor que já incentivou outros sete presos que também viraram escritores, inclusive um deles já saiu em liberdade. 

Por conta das regras nos presídios, Lima faz os manuscritos no local e quando recebe o benefício da "saidinha" aproveita o tempo fora para digitar o texto e transformar em arquivo PDF, que é enviado para a editora. Segundo Lima, cada obra leva até dois anos para ser concluída, já que o tempo no presídio é pequeno para se dedicar a arte. Ele chegou a abrir mão dos direitos autorais para que sua obra seja vendida com preço acessível para as pessoas.

"No mundo onde o egoísmo predomina e a maioria se preocupa apenas em realizar seu próprio sonho é necessário reconhecer quem se importa com o sonho do próximo e dá algum suporte para que esse sonho se torna realidade. Por isso não posso deixar de agradecer e reconhecer aqueles que me deram suporte", destacou.

Entre as pessoas que o ajudaram, Lima citou o diretor técnico do CPP, Peterson Pantaleão de Souza, a diretora da escola no CPP, Fabiana Gomes dos Santos. "A sensação que temos é de dever cumprido. Temos o papel de ressocializador e de resgatar o ser humano dentro do que estabelece as leis e da política da nossa secretaria de administração (SAP) e creio que exemplos como ao do 'novo' André, como ele diz, atingimos nosso objetivo. Temos projetos de leitura, de alfabetização, ensino regular e profissionalizantes. Oferecemos 721 vagas", explicou Souza

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