Gustavo Mazzola

Segredos de família

Gustavo Mazzola
27/02/2013 às 05:01.
Atualizado em 26/04/2022 às 03:03
IG- Gustavo Mazzola (CEDOC)

IG- Gustavo Mazzola (CEDOC)

Um dos meus professores do ginásio — o mais estimado de todos — tinha umas coisas só dele: gostava de ilustrar as aulas com exemplos, todos tirados da sua experiência. Um dos tantos de que me lembro era aquele do miolo de pão que, enquanto preso com os dedos no fundo de um copo com água, ficava lá mesmo. Mas, era só levantar a mão, soltando-o, e ele subia à superfície, no instante seguinte. Com isso, queria nos mostrar como é o comportamento do ser humano no meio em que vive e, numa outra situação, quando sozinho, livre de qualquer pressão social: se ninguém sabe de nada, tudo bem, não?

Que tem a ver essa história com os segredos de família? Nada?

Bem, pensemos juntos: vamos nos lembrar, por exemplo, daquelas atitudes que tomamos — escondidinho — quando temos certeza de que ninguém está por perto. Pequenos gestos, inocentes, banais, mas que não contamos nem pra mulher, filhos, ninguém lá de casa... enfim.

Confesse! Você já não passou um tempão tirando uma caca do nariz, bem devagarinho, com todo o cuidado, quando estava sozinho no escritório, pondo em dia as suas coisas, as contas, os compromissos do dia seguinte? E achou uma delícia, não? Depois do jantar, enquanto todos estavam de olhos na novela, não deu uma bela limpada nos dentes com palito, cuspindo não sei pra onde os restinhos de comida? E aquela espreguiçada no cadeirão do terraço, já de barriga cheia, relaxado, e de repente um sonoro... arroto de ficar na história? Ninguém vai saber de nada. Então, qual é o problema?

Conheço um famoso advogado de Avaré — depois se mudou para Campinas —, religioso, ótimo pai de família, um exemplo de pessoa que, entre uma audiência e outra aqui no antigo Fórum, sempre achava um tempinho para dar uma corrida ao Cine Windsor, ao lado do Palácio. O que ele ia fazer lá? Ver as sessões pornôs exibidas à tarde. E, num encontro de amigos, ele me contava essas “travessuras” com um sorriso nos lábios. Que figura!

E a internet! Ah, a internet. Ora, ora, não vá me dizer que você, na calada da noite, já não deu uma navegadinha num daqueles sites cabeludos, à procura de um bom filminho, aqueles condenados em casa, especialmente para os filhos... que, aliás, aprenderam esses caminhos bem antes de você.

Um velho amigo, sem que ninguém esperasse, morreu de um fulminante infarto do miocárdio: desespero na família. Na semana seguinte foram descobrir que ele tinha, na conta de um outro banco da cidade, R$1 milhão, e ninguém em casa sabia de nada.

Meu pai, por exemplo, nunca contou quanto ganhava: desconversava quando o assunto vinha à baila — o que, aliás, acontece com muita gente por aí. Segredo de Estado!

E o que aconteceu com aquele alto executivo, audacioso, mas cheio de segredos inconfessáveis: indicado para participar de uma convenção da empresa, partiu feliz para um resort famoso no Nordeste, com uma agenda imensa de trabalhos... Nem tanto.

O convite incluía as esposas, mas ele resolveu esconder esse detalhe em casa: “vai ser um encontro profissional, cansativo etc.” Era pura cafajestice, pois, embora tivesse informado à agência de que iria com a mulher, não perdeu a oportunidade de convidar para esse “tedioso” encontro uma bela ex-colega, um daqueles casos de “amor que fica”, sabe? Durante o voo de volta, a empresa encarregada do evento organizou algumas brincadeiras para animar o pessoal, incluindo sorteios de brindes, fotos e tudo mais.

Dias depois daquele voo, que era para ser “sem surpresas”, chegou a sua casa uma cartinha com os agradecimentos pela preferência da agência, acompanhada de uma linda foto do casal — tão romântico —, e a esperança de encontrá-los outras vezes através dos seus serviços.

São os danados segredos de família, como bem ilustrava meu velho professor com o seu exemplo do pão. Aliás, ele também tinha lá os seus pecadinhos: quando ditava o “ponto” da sua aula, e todos estavam com as cabeças baixas, atentos às anotações, não foram poucas as vezes que o peguei, sorrateiramente, dando umas olhadelas nas pernas das meninas de uniforme curtinho, sentadas despreocupadas nas carteiras. Ele nunca contou nada disso lá em casa. Era um segredo de família!

Do meu lugar, eu não deixava por menos: “tirava um retrato”, como se dizia no linguajar simples do Interior. Não perdia por nada o panorama, pois, também sou filho de Deus, ora! Era o miolo de pão que vinha à superfície. Impunemente.

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