Não acredito haja pessoas que não acreditam que eu acredite em Papai Noel. Mas acredito. Pois eu o vi pessoalmente, toquei nele acho que semelhantemente a Tomé que precisou tocar nas chagas de Cristo para acreditar. Acreditei, portanto, por tê-lo visto, Papai Noel, ainda que nas sombras da madrugada, tocando-o depois. Ele não vestia as fantasias do gorducho de barbas longas, nem tinha roupas vermelhas. Mas era meu Papai Noel. De verdade, em carne e osso.Foi logo após a meia-noite de uma longínqua madrugada de Natal. Na casa de meus pais, as crianças tinham que dormir antes da meia-noite, quando Papai Noel chegaria, entrando pela chaminé. Os adultos ficavam na sala, conversando, orando, rindo-se, preparados para comemorar. E as crianças iam para o quarto, ficando à espera. Somente depois de Papai Noel chegar é que se podia voltar ao convívio dos adultos. E, então, celebrar o nascimento de Jesus. Eu, na verdade, não entendia o que Papai Noel tinha a ver com Jesus. Mas a certeza de o velho Noel existir — com a dúvida de sua relação com o Menino que nascia — me ajudou, pelo resto da vida, a tentar compreender que o Jesus Menino iria crescer e se transformar no Cristo Jesus.Era uma noite linda e de muita ansiedade, nunca mais me esqueci. Minha cama — num quartinho pobre e pequenino — ficava ao lado da janela através da qual eu podia ver um esplendoroso céu estrelado. O luar era azul, tenho certeza disso. Pois meu quarto estava em penumbra azulada. Daquela janela eu podia ver, também, a ponta do telhado de onde saía a chaminé. Com a mágica ansiedade dos meus cinco anos, fiquei contando estrelas, mesmo sabendo que contar estrelas dava verrugas na mão. Não me importei, a ansiedade tornando-se encantada por aquele céu místico.Então, ouvi o barulho de a porta se abrir. E alguém pisando de mansinho. Fechei os olhos, fingindo dormir. Aos pés de minha cama, alguém colocou um pacote com papel de presente. Meu pequenino coração quase explodiu. Era Papai Noel! Abri os olhos e vi-o, ainda mansamente, deixando o quarto. Era ele, eu o vira e a alegria se tornou ainda maior: Papai Noel era meu pai! Agarrei o presente e saltei no colo daquele homem generoso, tocando-o, apalpando-o. Ele fizera, com as próprias mãos, um carrinho de madeira e me presenteara na noite de Natal. Se meu pai era Papai Noel, como duvidar da existência dele? Acreditei. E, comovidamente, ainda acredito. Num misto de saudade e devoção.Essas coisas, relembro-as pelo tanto de amigos meus — e leitores — se espantarem quando lhes afirmo e reafirmo acreditar em Deus. Ora, se acredito em Papai Noel, ser-me-ia possível não acreditar em Deus? Fiz besteiras na vida. Muitas. E uma delas — a principal, creio agora — foi a de ter-me afastado de Deus. Lembro-me de minha mãe, fazendo-me dormir e, comigo, recitando as Ave Marias. E, por mim, pedindo proteção do Anjo da Guarda. Eu achava bonito. E não entendia meu pai — maçom — ir orar, em momentos de nossa tanta agonia, aos pés de uma foto imensa de Nossa Senhora. Não me lembro de irmos a missas, de frequentar igrejas. Lembro-me, porém, de uma intensa espiritualidade que parecia aumentar quando a música nos envolvia naquela pequena casa, meu pai ao violino, minhas irmãs ao piano. E minha mãe com seus pincéis e telas de pintura. Deus mostrava-se no Belo e na Arte, mas eu não sabia. E, por muitos anos, não me dei conta de que, com o Belo, o Bem me entrara na vida.Um bispo — amigo e já falecido — costumava dizer-me, paternalmente: “Deus o persegue.” E eu não o ouvia. Minha conversão dera-se já quando adulto e com filhos. Foi a mais serena época de minha vida. Mas dúvidas, racionalismos, filosofias me atormentavam. Desisti. E, então, a serenidade começou a esgarçar-se. Minha inteligência não compreendia, mas eu também não sabia que Deus não é para ser entendido, compreendido ou aceito pela inteligência. É o coração que O acolhe. E, quando entendi, desisti de brigar com Deus. Na verdade, acolhi-o por ignorância. E por interesse. E por comodismo.Ora, eu acreditava em tantas coisas: em Papai Noel, em que os filhos eram mesmo meus filhos, em que meus pais eram meus pais; acreditava no pão que comia, sem questionar se estava envenenado; na água que bebia; acreditei até em políticos. Que idiotice, portanto, era não querer acreditar em Deus. Por fim, acreditei em definitivo. Por minha ignorância: se não entendo, estou negando o quê?Desisti de descrer, de negar. Deus é tão importante em minha vida que, se Ele não existisse, eu O inventaria. É o que, com ternura, quero responder à amável leitora que me indagou: “Você acredita mesmo em Deus?”. E como não acreditar?