Jovem de Campinas conseguiu na Justiça direito ao Trikafta há mais de um ano, mas permanece sem recebê-lo; Estado prometeu entrega em 15 dias
Felipe (ao centro) foi diagnosticado com a doença ainda no primeiro mês de vida; desde então, os pais, Patrícia e Robson, batalham para garantir o tratamento adequado ao filho (Rodrigo Zanotto)
O Ministério da Saúde incorporou no Sistema Único de Saúde (SUS) a medicação Trikafta, de alto custo e indicada para tratamento de fibrose cística, no dia 5 de setembro, data em que se celebrou o Dia Nacional de Conscientização e Divulgação da Fibrose Cística. Com valores que podem chegar a R$ 120 mil, o medicamento era garantido por meio de ações judiciais. A expectativa com a incorporação no SUS é de que pelo menos 1,7 mil pessoas sejam beneficiadas. Apesar de a notícia ter conotação positiva, o Ministério ainda aguarda o período de 180 dias para definir como fará a distribuição do fármaco. Na outra ponta, estão pessoas que anseiam pela medicação para salvar vidas.
É o caso dos pais de Felipe Locatelli Lourenço, diagnosticado com fibrose cística no primeiro mês de vida, em novembro de 2005. A doença gera o acúmulo de secreções nos pulmões, pâncreas e sistema digestivo. A secreção fica de 30 a 60 vezes mais espessa que o normal, por isso há dificuldade em ser eliminada. Isso causa aumento das secreções nos dutos, tubos e passagens, resultando em uma reação inflamatória. Em alguns casos o tratamento inclui até o transplante de pulmão.
Dados do Instituto Brasileiro de Atenção à Fibrose Cística – Unidos pela Vida demonstram que 40% do público com a doença não teve o diagnóstico logo na primeira infância. Cerca de 25% dos pacientes levam pelo menos um ano para ter o diagnóstico após os primeiros sintomas e 13% tiveram o diagnóstico somente após dez anos de vida. No Brasil, segundo o Ministério da Saúde (MS), aproximadamente um a cada 10 mil nascidos vivos possui a doença.
Para tratá-la é necessário um combo de remédios a fim de amenizar os impactos da doença, que ainda não tem cura.
Com esse diagnóstico é que a dona de casa Patrícia Locatellli Lourenço e o empresário Robson Lourenço, ambos de 50 anos, entraram em uma batalha pelo filho. Hoje ele possui 17 anos e o casal exibe, em casa, as caixas de remédios que precisam ser administradas para ajudar o filho, que não ganha peso devido ao agravamento da doença.
A solução viria com o uso de um medicamento importado e de alto custo chamado Trikafta. Em um grupo de cerca de 50 pais que também lutam contra a doença, Patrícia ouviu relatos de melhora súbita de pessoas que passaram a fazer o tratamento com o fármaco.
Foi em março de 2022 que a família decidiu contratar um advogado e pleitear na Justiça que o Estado de São Paulo garantisse a medicação. Em maio do mesmo ano foi dado parecer favorável, mas até este mês de setembro, praticamente 16 meses depois, nenhuma caixa do remédio foi entregue à família.
“E essa é a nossa angustia”, desabafa o pai. “Causa frustração porque é uma medicação que pode custar até R$ 125 mil. Você vê tudo acontecendo e os responsáveis estão sem dar atenção ao que importa. A capacidade do pulmão vai diminuindo, passa de 31% para 28%, e nossa preocupação só aumenta”, aponta.
A possibilidade de conseguir pelo SUS é uma alternativa para a família, que luta há anos pela melhora do filho.
A reportagem cobrou o governo estadual sobre a demora e, em nota, a Coordenadoria de Assistência Farmacêutica (CAF) do Estado de São Paulo afirmou que o processo de aquisição do medicamento Trikafta está sendo finalizado. A previsão é que o paciente receba o medicamento em 15 dias, após mais de um ano de espera.
MEDICAMENTO NO SUS
De acordo com o Ministério da Saúde são necessários 180 dias para criação de um plano de distribuição, contados a partir do momento que a medicação foi incorporada ao SUS e a portaria foi publicada. A assessoria não informou quantos medicamentos devem ser adquiridos, uma vez que a pauta segue sendo estudada pelo grupo competente.
A estimativa é que cerca de 1,7 mil pessoas sejam beneficiadas com a medida. O medicamento é indicado para pacientes com 6 anos de idade ou mais que tenham pelo menos uma mutação F508del no gene CFTR, a mais comum entre os que vivem com a doença. A incorporação foi recomendada pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec).
FIBROSE CÍSTICA
Segundo a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, cerca de 30 anos atrás a expectativa de vida de uma pessoa diagnosticada com fibrose cística era de 15 anos. Hoje, a expectativa é acima dos 40 anos. "Com diagnóstico precoce e o tratamento adequado é possível evitar agravamentos, como perda da capacidade pulmonar, risco de diabetes, osteoporose e hemoptise (tosse com sangue), e postergar ao máximo a vida do paciente, com maior qualidade de vida para ele e sua família", destaca o médico Ronaldo Macedo.
O diagnóstico, quando não realizado na infância por meio do teste do pezinho, com amostras colhidas nos primeiros dias de vida do recém-nascido, pode ser realizado por meio do teste de suor, que analisa a dosagem de cloro e sódio no suor.
"O tratamento pode variar de caso para caso, mas, de modo geral, inclui acompanhamento multidisciplinar, reposição de enzimas pancreáticas, que auxiliam a digestão da gordura presente nos alimentos, fisioterapia respiratória, antibióticos e suplementos nutricionais. Em casos mais graves, com capacidade respiratória abaixo de 30%, pode ser necessário transplante pulmonar", explica Macedo.