CAEM AS FRONTEIRAS

Saúde precisa de coordenação global e esforços integrados

Pandemia mostrou a velocidade com que uma doença pode se disseminar no planeta Kamá Ribeiro

Ronnie Romanini/ [email protected]
08/11/2022 às 09:26.
Atualizado em 08/11/2022 às 09:26
Com o mundo atingindo 8 bilhões de pessoas e expectativa de vida mais longa, os desafios para a saúde pública aumentam, ainda mais considerando-se o envelhecimento populacional (Rodrigo Zanotto)

Com o mundo atingindo 8 bilhões de pessoas e expectativa de vida mais longa, os desafios para a saúde pública aumentam, ainda mais considerando-se o envelhecimento populacional (Rodrigo Zanotto)

Em um mundo cada vez mais globalizado, tecnológico e com fronteiras cada vez menores, a preocupação com a saúde pública deve ser encarada com esforços integrados entre diferentes nações. Com o mundo atingindo 8 bilhões de pessoas nos próximos dias, de acordo com a projeção da Organização das Nações Unidas (ONU), e uma pandemia de covid-19, que mostrou a velocidade com que uma doença pode se disseminar, a saúde não poderá mais ser pensada de forma isolada geograficamente. 

Uma coordenação global para evitar disseminação de doenças e descrédito da ciência é uma das iniciativas fundamentais para o presente e o futuro, na opinião de especialistas.

Atualmente, uma das grandes preocupações em relação à saúde no Brasil - e também no mundo - é a queda da cobertura vacinal contra doenças imunopreveníveis, ou seja, que podem ser prevenidas com a vacinação. Em 2015, o Brasil atingiu uma média de 97% de cobertura vacinal. Desde então, o índice está em queda, a qual se acentuou depois do início da pandemia de covid-19.

O membro do Departamento Científico de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e professor titular de Pediatria da Universidade Federal de Sergipe (UFS), Ricardo Queiroz Gurgel, destacou alguns fatores que podem ajudar a explicar essa queda. O primeiro é uma espécie de esquecimento sobre as consequências dessas doenças. Ele citou o sarampo, por exemplo, que voltou a aparecer no Brasil poucos anos depois de ter sido considerado erradicado. 

Outro ponto é como os governantes não colocam a vacinação como prioridade da mesma forma que outrora. "As coisas precisam voltar a ser como eram antes. Você ia e tomava a vacina porque ela existia. As pessoas tinham interesse em oferecer e receber. Muitas vezes, elas chegam aos postos de saúde e o próprio agente desautoriza a vacinação, alegando que não pode vacinar porque teve um resfriado... é o que chamamos de oportunidade perdida de se vacinar e isso tem acontecido com muita frequência".

Na avaliação de Gurgel, a vacinação é uma das principais causas do aumento da sobrevida humana. "As pessoas estão vivendo mais e um dos principais motivos, além do saneamento básico, é a vacinação. Talvez seja a principal dentro da atuação médica específica. Talvez até mais do que o surgimento dos antibióticos. O aumento da expectativa de vida nas diversas populações se dá quando se dispõe de mais vacinas. Obviamente, começou antes, com a noção de higiene, no começo da Idade Moderna, com a preocupação de garantir água adequada para todos e a eliminação do dejeto de forma segura. Fora isso, a vacina é a principal causa de longevidade aumentada."

Com crescimento da população e expectativa de vida, os desafios para a saúde pública aumentam, principalmente por causa do envelhecimento populacional. Os custos de atendimento aos idosos são maiores e a tendência é a de que eles retornem muitas vezes ao sistema, com tratamentos prolongados para algumas doenças.

Em dezembro de 2020, a Assembleia Geral das Nações Unidas declarou o período de dez anos - de 2021 a 2030 - como a Década do Envelhecimento Saudável. Isso significa que os idosos estão no centro de um plano conjunto envolvendo governos, sociedade civil, agências internacionais, academia, mídia e setor privado, a fim de que essas pessoas e suas famílias e comunidades possam melhorar a qualidade de vida. 

São quatro áreas de ação, conforme a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), que lidera a agenda nas Américas: mudar a forma como pensamos, sentimos e agimos em relação à idade e envelhecimento; garantir que as comunidades promovam as capacidades das pessoas idosas; entregar serviços de cuidados integrados de atenção primária à saúde centrados e adequados à pessoa idosa; e propiciar o acesso a cuidados de longo prazo aos idosos que necessitem.

Mesmo sendo a população mais impactada pela pandemia de covid-19, o número de idosos deve praticamente dobrar em 20 anos na Região Metropolitana de Campinas (RMC), assim como aconteceu nas últimas duas décadas. Um estudo do Observatório PUC-Campinas, divulgado em junho, mostrou que, em 2000, a relação de idosos economicamente dependentes era de 13 a cada 100 pessoas em idade ativa (no estudo, considerando o grupo entre 15 e 59 anos). Em 2020, eram 22 idosos a cada 100 pessoas economicamente ativas. A projeção é a de que a relação, em 2030, esteja em 31 a cada 100 e, em 2040, em 41 para cada 100 adultos. 

O professor de Epidemiologia da Faculdade São Leopoldo Mandic, André Ribas Freitas, afirmou que é imprescindível uma integração global para combater possíveis novas epidemias e pandemias que afetem drasticamente a população. "Os esforços internacionais são justamente nesse sentido. Daí a importância das agências internacionais como a Organização Mundial de Saúde (OMS) e Organização Pan-Americana de Saúde (Opas). Não podemos pensar em controle de doenças de maneira isolada. Essa seria uma luta inglória, visto que o problema é sistêmico. É global."

Sobre se estamos capacitados para combater de maneira coletiva futuras doenças que possam acometer a população, o professor avaliou que isso vai depender de como as nações vão se organizar nos próximos anos. Ele citou o retrocesso gerado pelo avanço do negacionismo científico durante a presidência de Donald Trump nos Estados Unidos e a derrota posterior na tentativa de reeleição. No Brasil, o presidente Jair Bolsonaro (PL), que em diversas oportunidades adotou práticas consideradas negacionistas, também não foi reeleito. "É preciso ter em mente que a batalha não está terminada. Temos que a todo momento tomar cuidados para que não haja retrocesso."

Pandemia e Telessaúde

Durante a pandemia, a prática da Telessaúde cresceu bastante e a expectativa é a de que ela veio para ficar. O membro da Sociedade de Medicina e Cirurgia de Campinas e da Associação Brasileira de Telemedicina e Telessaúde (ABTms), Gustavo P. Fraga, também professor do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, explicou que alguns países adotaram esse tipo de tecnologia há algum tempo com bons resultados.

"No Brasil, as consultas à distância não eram autorizadas pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), mas isso começou a mudar durante a pandemia, porque nela houve a necessidade de acesso remoto aos profissionais de saúde, à teleconsulta com médicos, porque muitos evitavam ir aos hospitais, que estavam sobrecarregados, pelo risco de contaminação. As teleconsultas foram liberadas provisoriamente e, em 2022, saiu a permissão para que esse tipo de avaliação continue a ser utilizado. Isso, sem dúvida, vai facilitar o acesso da população ao profissional de saúde". Para ele, Campinas se coloca na vanguarda ao regulamentar os serviços de Telessaúde. "A Prefeitura tem investido nisso, o governo estadual também. Assim, devemos melhorar o acesso da população aos especialistas sem precisar ‘importar’ médicos de outros países, discussão esta que está voltando. A região de Campinas tem o suficiente para atender a toda a população."

No entanto, será preciso manter a atenção voltada para algumas questões fundamentais. A primeira é a capacitação dos profissionais da saúde - não apenas dos médicos e não apenas da tecnologia. A finalidade é a de que o bom profissional possa aproveitar-se da nova ferramenta e tirar o máximo do recurso tecnológico, mas com capacitação também em um sentido humano, de modo que o paciente tenha o cuidado e atenção necessários. Além disso, será fundamental um zelo especial com a proteção dos dados, uma vez que essa é uma questão privada dos pacientes e qualquer vazamento poderia ser usado para outros fins.

'Evolução Populacional'

Esta é a quarta matéria publicada sobre os dilemas e desafios para o futuro da população que, no Brasil, continuará crescendo até o final da década de 2040, atingindo 231 milhões. Toda terça-feira, até o dia 15 de novembro, o Correio Popular publicará reportagens abordando temas relativos ao crescimento populacional.

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