INSATISFAÇÃO

Queixa de campineiros contra planos de saúde cresce 238% em cinco anos

3.329 reclamações foram feitas no ano passado à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) contra 938 em 2019

Paulo Medina/ [email protected]
31/01/2024 às 08:37.
Atualizado em 31/01/2024 às 08:37
Moradora do Jardim Eulina, Gleisa Oliveira reclamou do tempo que demora para ser atendida e também da falta de médicos: “Vejo também alguns mais novos que não dão muita atenção. É um desrespeito com a gente” (Rodrigo Zanotto)

Moradora do Jardim Eulina, Gleisa Oliveira reclamou do tempo que demora para ser atendida e também da falta de médicos: “Vejo também alguns mais novos que não dão muita atenção. É um desrespeito com a gente” (Rodrigo Zanotto)

O volume de reclamações de usuários de planos de saúde em Campinas disparou 238,6% nos últimos cinco anos. Levantamento da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) mostra que, em 2019, 983 reclamações por insatisfação com os planos de saúde foram feitas. Em 2023, o número de reclamações registradas no órgão federal saltou para 3.329. No período de um ano, a alta foi de 44,5%, passando de 2.303 em 2022 para 3.329 no ano passado. Os dados apontam que a soma das insatisfações entre os campineiros chega a 9.425 entre os anos de 2019 e 2023 - aproximadamente uma reclamação a cada cinco horas. Falta de médicos, demora no atendimento e o reajuste de preços de planos são queixas que também cresceram no período.

Os números revelam uma escalada constante na quantidade de insatisfações de beneficiários residentes em Campinas. Em 2019, foram 983 casos. Em 2020, 1.224. Em 2021, 1.586. E em 2022, 2.303.

Segundo os dados do órgão federal, 123 das reclamações entre 2019 e 2013 foram por reajuste ou por preços considerados abusivos, passando de 25 para 35 ocorrências durante o período, alta de 40%. A falta de médicos para atendimento nos planos de saúde em Campinas causou 970 reclamações em cinco anos, com um aumento também bastante significativo: 531,3%. Foram 67 ocorrências em 2019 e 423 em 2023.

Outro alvo de incômodos dos clientes locais é a demora no atendimento médico. Foram 1.572 reclamações no período analisado, crescendo de 85 para 624, uma elevação de 634,1% considerando o total de 2019 e o total de 2023.

RECLAMAÇÕES

Os usuários de planos de saúde de Campinas que conversaram com a reportagem endossaram as reclamações frequentes de falta de médicos, demora no atendimento e reajuste ou abuso no preço.

Do Jardim Amoreiras, a cliente de uma operadora da cidade, a motorista executiva Mercia Cristina Teixeira Jerônimo, de 49 anos, vive o desafio do aumento no valor do seu convênio. Isso porque terá de migrar de categoria de pessoa jurídica para pessoa física. “Estou passando por esse problema sério. Meu marido faleceu, estamos passando por processe de inventário na empresa, o CNPJ está inativo e o convênio vai me mudar de pessoa jurídica para pessoa física. Vou pagar R$ 1.300 por mês, vai ficar mais caro”. Na modalidade anterior, ela pagava R$ 1.100 por mês.

O contador Ricardo Vilela, de 51 anos, do Jardim Nossa Senhora Auxiliadora, pontuou a demora para agendamento de consulta com cardiologista. “Esperei 25 dias o agendamento da consulta. O ideal para mim seria esperar no máximo 15 dias”, afirma.

Gleisa Oliveira, de 40 anos, moradora do Jardim Eulina, reclamou de falta de médicos e foi outra que criticou a demora para ser atendida. “Nunca tem médicos e quando tem é pouca opção. O hospital é demorado, já fiquei mais de uma hora esperando lá. Vejo também alguns médicos mais novos, despreparados, que não dão muita atenção. É um desrespeito com a gente”, conclui Gleisa.

Além de impactar diretamente a experiência do beneficiário, a demora para garantir atendimento médico levanta questões sobre a capacidade das operadoras em atender à demanda da população. Os aumentos reacendem a discussão sobre a qualidade e eficiência de serviços prestados pelas operadoras de planos de saúde na cidade. O professor de Direito Civil da PUC-Campinas, Marcelo Hilkner Altieri, aponta fragilidades de operadoras, como baixa remuneração médica, para explicar as queixas entre clientes em Campinas.

“Os números das reclamações reputo principalmente ao fato de que, como regra geral, as operadoras ou convênios não prestam um bom serviço. Na verdade, o repasse de honorários para os médicos são muito pequenos, muito pouco expressivos. Temos notícias de médicos ganhando, por consulta, em torno de R$ 20, o que é um absurdo para um profissional. Esses profissionais acabam se desfiliando das operadoras de saúde e dos convênios médicos, o que traz uma certa falta de médicos, porque poucos ficam.”

O especialista enxerga a existência de problemas administrativos e de gestão entre operadoras. “Também reputo um problema de ordem operacional, administrativa desses planos, porque eles cobram caro, então não entendo que seja falta de receita. É um problema de gestão, que pode impactar, na minha opinião, no repasse dos médicos que acabam se desfiliando. E como falta demanda humana para atender pacientes de planos A, B ou C, acaba havendo uma reclamação muito grande”, assinala.

Altieri explicou também que os reajustes dos planos são regulamentados pela ANS e alerta para a inconstitucionalidade na alta de valores para idosos. “Tenho para mim que beira a inconstitucionalidade fazer cobrança por idade. A Constituição Federal sugere que todos sejam tratados igualmente. Talvez, cobrar dos mais idosos um valor maior, seja passível de questionamentos quanto à constitucionalidade da cobrança. Há uma inoperância absurda, inadmissível, irresponsável do poder público, em suas várias espécies, porque ainda na Constituição Federal consta que é dever do Estado promover a saúde gratuita para qualquer cidadão, e a saúde patrocinada pelo SUS é de péssima qualidade, isso é fato público e notório. O poder público poderia investir mais em saúde para que as pessoas não ficassem totalmente dependentes de planos e convênios médicos, para elas terem atendimento mais satisfatório.”

Em nota, a ANS esclareceu que é o principal canal de recebimento de demandas de usuários de planos de saúde e atua na intermediação de conflitos entre beneficiários e operadoras por meio da Notificação de Intermediação Preliminar (NIP). “A NIP é uma ferramenta criada pela Agência para agilizar a solução de problemas relatados pelos consumidores. Por meio dela, a reclamação registrada nos canais de atendimento da Agência é automaticamente enviada à operadora responsável, que tem até cinco dias úteis para resolver o problema do beneficiário nos casos de não garantia da cobertura assistencial e até 10 dias úteis em casos de demandas não assistenciais”, explica. Caso o problema não seja resolvido pela NIP, e se constatada infração à legislação, é instaurado processo administrativo sancionador, o que pode resultar na imposição de sanções à operadora, destacando-se, entre elas, a aplicação de multa.

REAJUSTE

A previsão da consultoria ON para este ano é que os planos de saúde empresariais podem subir cerca de 25%, considerando fatores como inflação médica, que superou a média mundial, fraudes e resultado financeiro de empresas. A alta deve atingir o bolso de mais de 41 milhões de pessoas. A inflação médica brasileira é de 14,1%. A mundial é levemente inferior, 10,1%. As operadoras registraram déficit de R$ 5,1 bilhões no ano passado. Sendo assim, a ANS não deve atuar nesse caso, uma vez que regulamenta o ajuste de preços de planos individuais e familiares. Em 2023, tal reajuste fechou em 9,63%.

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