Ministério Público de São Paulo quer entender se há irregularidades na fila; Campinas tem mais de 3,7 mil pessoas esperando serem chamadas
Hospital Ouro Verde (foto) possui apenas 112 pacientes na fila, mas quantidade é grande nos hospitais PUC-Campinas e Mário Gatti, com, respectivamente, 1.701 e 1.916 pessoas aguardando procedimentos ortopédicos (Alessandro Torres)
Campinas conta atualmente com 3.729 pessoas na fila de espera por cirurgias ortopédicas. Os números são do Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP). Diante da quantidade elevada de pessoas aguardando pelo procedimento, o MPSP abriu um inquérito civil para investigar supostas irregularidades na fila. A apuração envolve tanto a Secretaria de Saúde campineira quanto a Secretaria Estadual de Saúde, por meio do Departamento Regional de Saúde de Campinas (DRS-7), órgão responsável pela gestão de procedimentos via Central de Regulação de Ofertas de Serviços de Saúde (CROSS).
A investigação teve início a partir de uma recomendação do Conselho Superior do Ministério Público, que sugeriu a instauração de inquérito para apurar medidas relacionadas à fila de espera para procedimentos ortopédicos após o arquivamento de um inquérito civil, de 2018, que tratava da fila de espera para cirurgia de braço (punho).
Ao instaurar a apuração, o promotor de Justiça, Daniel Zulian, solicitou informações à Secretaria Municipal de Saúde e ao DRS-7, obtendo os dados que revelam uma fila de 3.729 pacientes aguardando cirurgias ortopédicas em Campinas. Os serviços conveniados para esses procedimentos incluem o Hospital PUC-Campinas, Hospital Municipal Dr. Mario Gatti e o Complexo Hospitalar Edvaldo Orsi (Hospital Ouro Verde) para casos de média e alta complexidade. Segundo a Promotoria, são, respectivamente, 1.701, 1.916 e 112 pacientes nas filas dos hospitais, totalizando as 3.729 pessoas na cidade.
A Secretaria de Saúde de Campinas informou à Promotoria que a elevada demanda por atendimentos de urgência em ortopedia ocorre principalmente por causa de acidentes de trânsito e tem sobrecarregado os serviços de pronto-socorro, gerando atrasos em procedimentos eletivos, como as cirurgias para colocação de próteses totais de quadril e joelho.
A Prefeitura de Campinas apresentou ao MP medidas estratégicas para reduzir a fila, incluindo a contratação de profissionais especializados, ampliação de salas cirúrgicas, qualificação das listas cirúrgicas e reformas em estruturas hospitalares. Entre as ações já iniciadas e projetadas para enfrentar a fila por cirurgias, a Rede Mario Gatti informou a contratação de dois médicos ortopedistas especialistas em quadril e joelho, a implantação de duas salas cirúrgicas na Unidade Pediátrica Mário Gattinho, a qualificação das listas cirúrgicas para determinação de prioridades, reformas no Centro Cirúrgico Central e Central de Materiais Esterilizados, modernização do Centro Cirúrgico Ambulatorial, aquisição de mais um intensificador de imagens para o Centro Cirúrgico Central, implantação de Unidade de Terapia Intensiva de Adultos (10 leitos) exclusiva para realização de internações para pós-operatório de cirurgias eletivas de grande porte, principalmente Ortopedia e Neurocirurgia, além de campanhas de conscientização junto à população sobre segurança no trânsito e prevenção de acidentes.
Na abertura do inquérito civil, o promotor afirmou que a Rede Mário Gatti explicou que a contratação de dois médicos ortopedistas para as especialidades quadril e joelho foi realizada, mas que a empresa detentora do contrato tem cumprido a decisão apenas parcialmente e está em processo de penalização. A Rede também declarou ao MPSP que a implantação de duas salas cirúrgicas no Mário Gattinho, prevista para outubro de 2023, sofreu atrasos no cronograma devido aos "ajustes necessários para cumprimento de normas normas sanitárias e também ao intenso período chuvoso que a região vem sofrendo”.
O DRS-7 afirmou ao MPSP que destina recursos para ampliar a oferta de procedimentos eletivos no Estado, com foco na redução das filas. A Tabela SUS Paulista, que propõe um reajuste variável nos valores dos procedimentos, está em processo de planejamento regional integrado. Para o DRS-7, “um dos maiores entraves é o custo das Órteses, Próteses e Materiais Especiais – OPME e uma das promessas da nova Tabela SUS Paulista é reajustar os valores para as OPME, havendo esperanças de que trará impacto para as cirurgias ortopédicas, contudo, ressaltou que estão no aguardo da publicação deste reajuste e da programação da segunda oficina de regionalização”, disse promotor em referência às respostas do Departamento Regional de Saúde de Campinas.
De acordo com o DRS-7, em 2022 foram realizadas 6.835 cirurgias ortopédicas nas cidades que estão sob sua competência. Em 2023, foram 12.884 procedimentos.
“A Secretaria de Estado da Saúde informa que, no início de fevereiro, destinou mais R$ 10 milhões para a agilizar a fila de cirurgias ortopédicas que, somados aos R$ 48 milhões anunciados em novembro, totalizam R$ 58 milhões para reduzir o tempo de espera dos pacientes que precisam de atendimento especializado em ortopedia. A Pasta também está trabalhando para ampliar o acesso de pacientes aos serviços de saúde, em especial, aos procedimentos que mais têm demanda na rede. Atualmente, as filas de espera para consultas, cirurgias, exames e procedimentos são descentralizadas e a atual gestão trabalha para identificá-las e unificá-las, com o objetivo de ampliar os atendimentos e reduzir a demanda de espera, sempre respeitando os critérios de urgência e emergência”, disse a Secretaria em nota.
A Pasta estadual explicou que a segunda fase da regionalização da saúde foi iniciada e que e está firmando um compromisso inédito com os municípios para a criação da regulação regional única. "As secretarias municipais de saúde se comprometeram a disponibilizar as informações sobre oferta de serviços próprios e sob gestão para que seja possível a implementação de uma regulação por região do Estado, o que resultará em maior transparência nas filas por procedimentos do SUS. A iniciativa é o pontapé para identificar, organizar e publicizar as filas, principalmente para aqueles casos em que o mesmo paciente, para a mesma especialidade, está inserido em duas ou mais filas."
A Secretaria de Saúde de Campinas realizou 1.123 cirurgias ortopédicas eletivas em 2023 somando os mais diferentes tipos de procedimentos cirúrgicos (ombro, joelho, quadril etc.). Em 2022, foram 1.057. Pelo SUS Municipal, estas cirurgias são realizadas nos hospitais Mário Gatti, Ouro Verde e PUC-Campinas, que atendem a critérios de avaliação de risco, sendo os casos mais graves priorizados. A Pasta afirmou que está qualificando a fila, com monitoramento e acompanhamento para verificar se há duplicidades e pacientes que já realizaram a cirurgia, mas não foram retirados da lista de espera.
A aposentada Isabel Cristina Ruis, de 65 anos, moradora do Residencial Campinas Verde, está há cerca de um ano na fila em Campinas, mas já aguardou anteriormente cerca de três anos na cidade de Valinhos. Ela precisa de uma cirurgia para correção de quadril e relatou as dificuldades de conviver com dores e os riscos de agravamento de saúde. “Estou na fila de espera para fazer uma cirurgia de quadril do Mário Gatti, estou no número 383. Conversando com o médico na consulta, ele alegou que são feitas apenas quatro cirurgias por mês. Nesse andar da carruagem, eu creio que vou conseguir fazer a cirurgia apenas em 2036. A minha situação piora a cada dia. Eu não tenho espaço para girar (o quadril) e ‘ganhei’ uma artrose junto. Corro o risco de ficar numa cadeira de rodas, porque eu saio cada vez menos, já que eu não consigo andar e eu não posso forçar, pisar. Então todo o meu lado esquerdo está com problema. Estou até com inchaço na perna.”
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