CLÍNICO GERAL

Médico dedica 36 anos de sua vida ao Hospital Mário Gatti

Atendimento humanizado aos pacientes foi uma marca registrada em seu trabalho

Bianca Velloso/ [email protected]
21/03/2023 às 09:16.
Atualizado em 21/03/2023 às 09:16
Clínico geral Sérgio Luis da Costa Dias destaca alguns momentos marcantes ao longo de sua carreira no atendimento humanizado que deu aos seus pacientes no serviço público de saúde em Campinas (Alessandro Torres)

Clínico geral Sérgio Luis da Costa Dias destaca alguns momentos marcantes ao longo de sua carreira no atendimento humanizado que deu aos seus pacientes no serviço público de saúde em Campinas (Alessandro Torres)

O conceito de humanização dos atendimentos realizados no Sistema Único de Saúde (SUS) foi implantado em 2000 pelo Ministério da Saúde, com o objetivo de promover aproximação entre médico e paciente e auxiliar significativamente no tratamento. 

No Hospital Municipal Mário Gatti, em Campinas, esse processo de humanização no atendimento aos pacientes começou a partir de 1986 com o médico Sérgio Luis da Costa Dias, que dedicou 36 anos de sua vida ao sistema público de saúde da cidade. Dr. Sérgio Dias é conhecido por atender seus pacientes de forma humanitária e sempre com um sorriso no rosto. 

“Quem me procura, eu tento atender da melhor forma possível”, disse o médico. Prova desse comprometimento do profissional com esse lema, é que ele já realizou, por diversas vezes, atendimentos enquanto tomava soro para amenizar uma dor crônica que tem na coluna, motivo que o levou a pedir aposentadoria do Hospital Municipal Mário Gatti no dia 28 de fevereiro deste ano. Ele já fez sete cirurgias, seis vezes na lombar e uma vez a coluna cervical. Atualmente a dor mais forte é na lombar, na qual passará por intervenção cirúrgica mais uma vez. Essa dor deixou o médico de cama por um ano. 

Essa situação crônica sensibilizou ainda mais o médico no atendimento aos seus pacientes em uma situação de dor. “Eu não posso ver uma pessoa com dor, porque eu sei como é ter dor”, disse. Para o dr. Sérgio Dias, vivenciar seu drama pessoal foi de certa forma importante no sentido de gerar um atendimento cada vez mais humano gerando uma identidade com seu paciente.

No início da carreira, o médico Sérgio Dias disse que queria trabalhar em um local que fosse desafiado e pudesse colocar à prova toda a teoria que havia aprendido na graduação. Por isso escolheu trabalhar em um hospital público. O que fez essa parceria entre Sérgio Dias e o Hospital Mário Gatti funcionar tão bem durante todos esses anos foi a identificação que teve com o modo no qual as pessoas trabalham na unidade hospitalar. Segundo ele, a política adotada no hospital é atender todas as pessoas da melhor forma possível, sempre de forma acolhedora e sem distinção. Quando o médico ingressou no Mário Gatti sua meta era de ficar por lá, apenas dois anos para adquirir experiência, mas se apaixonou tanto pelo local, que não saiu mais. Mesmo aposentado, Sérgio Dias dá aula no Hospital às segundas-feiras para uma turma de medicina da Universidade São Francisco (USF). 

Passagens de sua carreira

Ao longo dos 36 anos dedicados aos atendimentos na rede pública de saúde, o clínico geral revelou que passou por inúmeras situações tristes e engraçadas. Na década de 90, por exemplo, houve aplicação de vacina contra sarampo em crianças e elas tiveram uma reação alérgica. “Eu nunca atendi tanta criança na minha vida. Esse dia foi marcante”, disse. 

A segunda passagem que ele destacou foi uma história que lembrou aos risos. Em seu primeiro plantão no Mário Gatti atendeu um paciente magro com sinais de desidratação. O jovem médico perguntou ao paciente se tinha diabetes e ele disse que sim. A enfermeira, que estava ao seu lado durante o atendimento aconselhou dr. Sérgio Dias a fazer uma análise mais profunda. “Perguntei para o paciente se ele sabia o que era ser diabético e disse que sabia. Em seguida, perguntei se as pessoas da casa dele também eram diabéticas. Ele disse: ‘sim, doutor, somos pobres e diabéticos. Na minha cidade só o padre que não é diabético’. Nessa hora achei estranho e perguntei o que era diabético para ele, ele disse que era quem não sabia ler nem escrever”, relembrou o médico aos risos. O paciente que era analfabeto, não tinha diabetes, na verdade ele estava desidratado mesmo. 

Em uma outra situação uma pessoa afirmou que estava com gripe no estômago. Confuso, dr. Sérgio Dias disse que auscultou o pulmão, examinou a garganta e disse que estava tudo bem. “Mas ele disse que estava com uma 'gripe de papel’ na boca e sem querer engoliu. Fizemos um raio-X e tiramos a ‘gripe’”, disse o médico sorrindo. Na realidade, o paciente estava com um clipe de papel no estômago. Sérgio Dias disse que, ao longo dos anos, foi se adaptando e aprendendo a conversar com os pacientes, o que acabou se tornando sua característica mais marcante. 
Medicina não era foco

Mesmo sendo um médico muito dedicado, cursar medicina não estava nos planos de Sérgio Dias. No Ensino Médio, ele chegou a considerar fazer graduação de Geologia, depois pensou em cursar Sociologia ou Filosofia. Por fim, ele decidiu que queria ser físico. 

Ele foi fazer a prova na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) com muita determinação. Tamanha era a confiança, que optou por fazer apenas a prova da Unicamp. E de fato estava bem preparado. Passou pela primeira fase com questões de múltipla e seguiu para a segunda fase dissertativa e redação. “Na segunda fase eu tirei zero na redação, porque alegaram que minha letra estava ilegível”, disse o médico, que agora acha graça dessa passagem. 

Para resolver esse problema, seu pai Carlos Alberto de Carvalho Dias o matriculou em aulas de caligrafia. Junto com as aulas fazia um cursinho preparatório para o vestibular. O irmão mais velho de Sérgio, André Dias, tomou a iniciativa e o inscreveu, sem que soubesse, no vestibular para medicina na Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas). Na época, Sérgio Dias sequer queria fazer esse curso, continuava insistindo em aprender a ter uma letra legível para passar em Física na Unicamp. 

Diante da insistência do pai, Sérgio Dias resolveu fazer a prova, mas só para ver se estava indo bem nos estudos, sem muita pressão em querer ser aprovado. O jovem realmente estava bem preparado, pois passou em Medicina na PUC-Campinas. Mas isso não mudou o fato de que não estava muito animado com a ideia de fazer Medicina. Mais uma vez, o pai Carlos Dias entrou em ação e insistiu para que o filho fosse adiante e, se percebesse que realmente não queria fazer aquela graduação, poderia desistir. Algo que nunca ocorreu. “Hoje penso que deveria ser médico mesmo. Acho que tinha que ser”, refletiu, aos 60 anos de idade e 36 anos de atividade. 
Postura religiosa

O posicionamento do pai em relação ao curso de medicina tinha reflexo em uma situação vivenciada no campo religioso. Quando Sérgio tinha seis anos de idade, acompanhou o pai, que era Espírita em uma conversa com o médium Francisco Cândido Xavier, popularmente conhecido como Chico Xavier. O médium disse que Sérgio era “igualzinho” ao médico Adolfo Bezerra de Menezes Cavalcanti (1831-1900), conhecido como “Médico dos Pobres”. O pai Carlos Dias interpretou a mensagem como um sinal de que o filho deveria ser médico de qualquer forma, relembrou Sérgio Dias ao concluir a entrevista ao Correio Popular.

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