MEDICINA NUCLEAR

HC da Unicamp inaugura estrutura para a produção de radiofármacos

Fase de validação e calibração dos novos equipamentos da Radiofarmácia termina em dois meses; ideia é produzir medicamentos ainda não disponíveis no Brasil para o tratamento de câncer

Luiz Felipe Leite/[email protected]
11/06/2024 às 04:50.
Atualizado em 11/06/2024 às 04:50
Omédico nuclear Allan de Oliveira Santos explicou que há vários fatores que colocam o Brasil atrás dos demais países no tema, como a dificuldade de importação; radiofármacos perdem rapidamente a radioatividade quando precisam ser transportados (Alessandro Torres)

Omédico nuclear Allan de Oliveira Santos explicou que há vários fatores que colocam o Brasil atrás dos demais países no tema, como a dificuldade de importação; radiofármacos perdem rapidamente a radioatividade quando precisam ser transportados (Alessandro Torres)

Termina em dois meses a fase de validação e de calibração dos novos equipamentos da Radiofarmácia do Serviço de Medicina Nuclear do Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp, inaugurada na segunda- feira da semana passada, dia 3. Após esse período, exigido por regulamentação técnica, o local passará a produzir diversos radiofármacos – composto médico que combina um medicamento com um elemento radioativo – ainda não disponíveis no Brasil. Eles são usados principalmente em medicina nuclear para diagnóstico e tratamento de doenças.

Após essa fase, um grupo de 500 a 600 pessoas com vários tipos de doenças, como cânceres, demências, entre outras, vão receber os radiofármacos, alguns injetáveis e outros de via oral. São aplicações para diagnósticos e tratamentos. A avaliação dessas pessoas, segundo os responsáveis pelo projeto, deve durar de três a quatro anos.

Os seguintes radiofármacos serão produzidos no HC da Unicamp: PSMA-gálio68, para câncer de próstata e outros tumores, o PSMA-lutécio, para terapia do câncer, o DOTA-galio68, para neoplasias neuroendócrinas, o DOTA- lutécio, para tratamento do câncer neuroendócrino, o FES, para diagnósticos do câncer de mama com receptor de estrogênio, o TAU, para pesquisa avançada de demências, e Fluoreto, para diagnóstico de metástases ósseas. A produção dos radiofármacos reduz a dependência do mercado e da indústria e garante uma maior autonomia.

A Radiofarmácia ocupa um espaço de 20 metros quadrados dentro da área de Medicina Nuclear, localizada no segundo andar do HC. A reforma física teve o apoio do Cepid CancerThera, da Fapesp, com o aporte de R$ 150 mil. Já os equipamentos foram comprados com recursos da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), que é um dos braços da Organização das Nações Unidas (ONU).

Para o segundo semestre desse ano está prevista a expansão da Radiofarmácia, que contará com a criação de um quarto terapêutico para os pacientes e a aquisição de um equipamento de SPECTCT de última geração, que servirá para o planejamento das terapias de tratamento de câncer. A expectativa é que o início da residência em radiofarmácia e a inauguração de toda a nova área da Medicina Nuclear aconteça em 2025. O novo espaço faz parte da implantação do Centro Nacional de Ensino e Treinamento em Radiofarmácia em Medicina Nuclear (NNMRTC, sigla em inglês), uma parceria entre a Unicamp e a AIEA.

O investimento para o projeto é de aproximadamente R$ 2,7 milhões, com a duração de quatro anos. O NNMRTC tem como pesquisadora principal Elba Etchebehere, professora livre docente e médica nuclear, e Allan de Oliveira Santos, como pesquisador assistente e médico nuclear, ambos do Serviço de Medicina Nuclear do HC da Unicamp, coordenado por Barbara Juarez Amorim.

Na avaliação da professora Elba Etchebehere, o objetivo do NNM-RTC é melhorar o manuseio das doenças na população brasileira por meio da promoção do uso rotineiro e em larga escala de radiofármacos para diagnóstico e terapias. “O projeto também inclui atividades de capacitação de profissionais da área, como missões com especialistas, visitas científicas, programas de fellows e a criação da residência em radiofarmácia em parceria com a Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, além do desenvolvimento de novas linhas de pesquisa em parceria com o Cepid Cancerthera”, comentou.

FUNCIONAMENTO

De acordo com o médico nuclear Allan de Oliveira Santos, o equipamento já tem mais de 50 diferentes radiofármacos que podem ser obtidos no processo, cuja síntese já está desenvolvida. “Além disso, a máquina funciona em módulo aberto. Ou seja, também vai ser possível desenvolver uma molécula do zero, com o apoio de uma equipe de químicos e radioquímicos associados ao projeto", afirmou. De acordo com Oliveira Santos, será possível desenvolver novos radiofármacos que, talvez, nem existam atualmente fora do Brasil.

O pesquisador também falou sobre os vários fatores que colocam o Brasil atrás das demais nações em torno desse assunto. Primeiro, a dificuldade de importação de alguns radiofármacos, pois eles possuem meia-vida física curta. Eles começam a perder a radioatividade quando estão sendo transportados, algo que pode acontecer em questão de horas ou poucos dias. “Então isso faz com que alguns tipos a gente não consiga usar no Brasil, porque ou não é viável economicamente trazer, ou a meia-vida física não permite seu transporte de locais mais distantes. Logo, nesse cenário, o ideal é que cada serviço de medicina nuclear, ou pelo menos em cada cidade ou região, tenha uma unidade que consiga sintetizar os seus próprios radiofármacos. Isso reduz a dependência do mercado, da indústria que só se interessa por alguns tipos de radiofármacos”, afirmou.

O médico nuclear Allan de Oliveira Santos falou sobre a capacitação e a especialização dos radiofarmacêuticos, que serão possíveis por meio do Centro Nacional de Ensino e Treinamento em Radiofarmácia em Medicina Nuclear do HC da Unicamp. “Os radiofarmacêuticos de Brasil se formam e aí eles começam a trabalhar e aprender na prática. Eles não têm uma educação formal, com uma estrutura como a que temos aqui. Com a residência, eles poderão dar mais qualidade para os atendimentos e espalhar o conhecimento em outros locais, porque a gente acredita que isso vai garantir que os procedimentos medicinais nucleares poderão ser mais acessíveis e mais democráticos, não ficando restritos aos hospitais, com foco na população mais rica”, pontuou.

REPERCUSSÃO

Para o oncologista clínico do Grupo SOnHe e coordenador do Departamento de Oncologia da Sociedade de Medicina e Cirurgia de Campinas (SMCC), David Cunha, o tema "radiofármaco" ainda é algo relativamente "novo e complexo". "Existe uma emissão de uma radiação e ela é capaz de combater e atacar células tumorais. Ela é ligada quimicamente a uma molécula não radioativa, mas que apresenta afinidade biológica a algum órgão, tecido, sistema. Então, esse procedimento é capaz de levar a radiação para o local em que a gente precisa combater as células tumorais", afirmou.

O médico também falou sobre a necessidade desse tipo de medicamento ficar mais acessível para a sociedade. “Além disso, a gente tem uma carência muito grande no Brasil de profissionais que entendam como manusear e produzir esse radiofármaco. Então isso vai propiciar um treinamento com benefício aqui, para o serviço de Campinas da Unicamp, mas também de uma forma nacional, pois esses profissionais poderão ter novos locais de trabalho e a expertise de oferecer isso para outros serviços e outros locais no Brasil. Então de uma forma bem objetiva, o que essa inauguração vai propiciar? Um grande avanço, com uma forma moderna, atual e consolidada, mas ainda promissora para diagnóstico e tratamento de diversos tipos de doenças. Isso é muito bom para a Unicamp, para Campinas, para o Brasil e para os profissionais de saúde e pesquisadores”, encerrou.

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