Cada vez mais unidades de Campinas contam com canteiros para essa finalidade; tratamento complementar ao tradicional precisa ser indicado e acompanhado por especialistas
O pedreiro Mário João Júlio e o pintor Sérgio Aparecido dos Santos, ambos pacientes do CS São Domingos, conheceram o canteiro de planta medicinal existente na unidade básica de saúde e aprovaram o projeto (Alessandro Torres)
Cada vez mais os Centros de Saúde (CSs) de Campinas contam com canteiros de plantas medicinais que podem ser utilizadas no tratamento de diversas doenças. Trata-se do projeto Farmácia Viva. A população pode ter acesso a esse projeto a partir da indicação de um médico após uma consulta. Outra maneira é por meio de outro profissional da área de saúde que trabalhe em uma unidade que contenha um viveiro e que seja treinado na área fitoterápica. Ou seja, que tenha conhecimento sobre como utilizar plantas medicinais para tratar uma série de doenças.
Além disso, encontros são realizados de maneira periódica a fim de explicar aos interessados o funcionamento da Fitoterapia e quais são as propriedades de cada planta. Orientadas pela Cartilha de Plantas Medicinais da Secretaria da Saúde da cidade, as equipes dos CSs que mantêm uma pequena área de plantio trabalham com um número entre vinte e trinta plantas medicinais, como amoreira, goiabeira, erva baleeira, malvarisco, capim cidreira, capim limão, boldo, romãzeira, artemísia, guaco, arruda, carqueja, aloe vera, hortelã, alfazema, ora-pro-nóbis, funcho.
Antes do início da pandemia de dovid-19, 43 centros de saúde ofereciam o serviço à população, contudo praticamente todas as farmácias vivas tiveram de ter o seu trabalho interrompido. O projeto foi iniciado em 1990 e contou com a participação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), através do Laboratório de Práticas Alternativas Complementares e Integrativas em Saúde (Lapacis), e da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI), ambas vinculadas ao governo do estado. Agora, ele está sendo retomado aos poucos em algumas unidades, por exemplo os centros de saúde San Diego e São Domingos, ambos localizados na região sul da cidade. Segundo a Prefeitura, menos da metade dos canteiros que estavam em uso antes da pandemia está ativa na atualidade.
INTEGRAÇÃO
De acordo com a enfermeira e coordenadora do Centro de Saúde do Jardim San Diego, Sara Marquês, a implantação do projeto na unidade se deu há cerca de um ano. Uma vez por mês é realizado um encontro e são apresentadas todas as propriedades de uma determinada planta. Os participantes aprendem e também podem passar o seu conhecimento sobre as plantas medicinais.
A agente comunitária de saúde Anastácia Martins Pereira, que também trabalha no Centro de Saúde San Diego, explica que “o melhor do projeto é que ele integra, cria um vínculo entre a população e a equipe de saúde. É bom a gente valorizar o saber das pessoas. Nós não somos os donos do único saber. Eles (a população) trazem muitas informações que agregam no que diz respeito às plantas e ao cultivo delas”.
Anastácia comenta que isso proporciona uma desmedicalização, pois quando as pessoas começam a conhecer as propriedades das plantas, para o que servem e quando podem ou não fazer uso dela, isso pode ser revertido em benefício próprio com a redução na utilização de muitos medicamentos.
Já a coordenadora do CS San Diego revela que a aceitação dos pacientes tem sido boa. “É um projeto em implantação, então nós precisamos realizar vários métodos de divulgação. Um exemplo são vídeos em redes sociais. Temos recebido um feedback bem positivo. A ideia é que isso seja mais bem divulgado até entre a própria equipe, isso para que ela tenha segurança na indicação das plantas e possa abordar os benefícios das farmácias vivas com os pacientes. É desse modo que a gente espera poder atingir mais e mais pessoas”, esclarece Sara.
Em cada centro de saúde do município que desenvolve o projeto, em geral, existe um grupo de cerca de seis pessoas que o coordenam e que. Eles são compostos por profissionais de diversas formações dentro da área da saúde, como agentes comunitários de saúde, dentistas, enfermeiros, médicos, técnicos de enfermagem, farmacêuticos e auxiliares de saúde bucal.
COMPLEMENTO
Segundo o técnico de enfermagem Fábio Alexandre Pansieri, do Centro de Saúde São Domingos, o projeto não substitui o tratamento médico tradicional. "(O Farmácia Viva) é juntar a sabedoria popular à da literatura, no caso, a da Cartilha de Plantas Medicinais (da Secretaria da Saúde de Campinas). É como um tratamento preventivo com as ervas. Ela não substitui a medicação.”
No CS São Domingos, cujo canteiro foi montado em 2019 pelos próprios funcionários da unidade, os trabalhos também tiveram de ser interrompidos devido à pandemia de covid-19. Atualmente, ocorrem reuniões abertas para toda a população a cada quinze dias, às sextas-feiras, das 8h às 10h. Quem tiver interesse em participar, basta comparecer à unidade.
O pintor Sérgio Aparecido dos Santos e o pedreiro Mário João Júlio, ambos pacientes do CS São Domingos, conheceram o lugar e acharam o projeto bastante interessante. Eles mostraram vontade de participar. Santos conta que, no passado, teve fortes dores de estômago e precisou tomar chá de boldo, além de arruda para a conjuntivite. Júlio, por sua vez, gostou da ideia de que é possível levar uma planta de casa e disponibilizá-la no viveiro. Ele lembra ainda de já ter tomado usado plantas medicinais para dores de estômago.
CUIDADOS AO CONSUMIR
Os chás e infusões de plantas são ingeridos em busca de efeitos benéficos para algum tipo de doença ou sintoma, mas é preciso cautela. De acordo com o toxicologista, colaborador do Centro de Informação e Assistência Toxicológica (CIATox) e professor da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Eduardo Mello de Capitani, é preciso saber se a planta em questão foi identificada claramente e se a dose recomendada está correta. Uma dose menor pode não surtir o efeito desejado. Já uma dose maior, tem o potencial de causar um efeito tóxico. No caso de chás e misturas de plantas, se não se sabe a procedência das plantas ou a responsabilidade de quem fez a coleta e mistura, existe a possibilidade de contaminação com ervas tóxicas de forma inadvertida.
“No nosso serviço de atenção a casos de intoxicação já atendemos a diversos casos de intoxicações graves por uso de plantas erroneamente identificadas, em função de semelhança aparente de folhas e sementes. Um exemplo importante desse tipo de erro de identificação é o consumo de sementes de Noz da Índia, conforme apregoado na internet, usadas para emagrecer e que são confundidas com outra semente parecida, de outra planta altamente tóxica para o coração, a espirradeira ou chapéu de Napoleão, podendo produzir arritmias graves e morte súbita", alerta. Ele comenta que já ocorreram vários casos de intoxicação no Brasil nos últimos anos. Já a professora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Alexandra Christine Helena Frankland Sawaya, um ponto fundamental é sempre usar plantas medicinais, frescas ou secas, corretamente identificadas. "Encontramos plantas medicinais secas em feiras, mercados e on-line, inclusive em misturas, identificadas apenas pelo seu nome popular. É um perigo, pois diversas plantas são conhecidas pelo mesmo nome popular, dependendo da região, com potenciais efeitos terapêuticos diferentes. Deste modo, ao comprar um material, (você) deve exigir que ele tenha, além do nome popular, o nome científico em latim do material vegetal. O uso de plantas medicinais em misturas não é proibido, mas não é recomendado, pois dificulta saber exatamente quanto se usou de cada planta na mistura.”
Alexandra reforça que os profissionais da saúde mais indicados para recomendar plantas medicinais são os farmacêuticos, “pois têm em sua graduação disciplinas como Farmacognosia e Fitoterapia, especialidades que tratam da identificação, controle de qualidade e uso terapêutico de plantas medicinais e fitoterápicos. Idealmente, deve-se consultar um profissional e relatar os seus sintomas. Sempre lembrando que algumas plantas exigem prescrição médica”.
FARMÁCIA VIVA
De acordo com a portaria nº 886, de 20 de abril de 2010, o Farmácia Viva está sob o âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), no contexto da Política Nacional de Assistência Farmacêutica, sob gestão estadual, municipal ou do Distrito Federal. A portaria especifica que todas as unidades de saúde participantes do projeto deverão ter o controle sobre todas as etapas do processo, ou seja, desde o cultivo, a coleta, o processamento e o armazenamento de plantas medicinais até a manipulação e a dispensação de preparações magistrais e oficinais de plantas medicinais e fitoterápicos, sendo vedada a comercialização de plantas medicinais e fitoterápicos elaborados pelo programa Farmácia Viva.
No caso do SUS Campinas o modelo de Farmácia Viva implantado foi o tipo I, que se destina à instalação de hortas de plantas medicinais em unidades de saúde. Este modelo tem como finalidade realizar o cultivo e garantir à comunidade assistida o acesso às plantas medicinais in natura e a orientação sobre a preparação e o uso correto de remédios caseiros, realizada por profissionais capacitados.
*Matéria atualizada conforme informações enviadas pela Prefeitura no dia 20/05/2024.
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