Após seis meses praticando musculação duas vezes por semana, os participantes apresentaram proteção contra atrofia em áreas cerebrais associadas à doença de Alzheimer
Mauro Milanez, de 75 anos, atribui a saúde física e mental ao fato de se exercitar rotineiramente desde a adolescência: “Convido todo mundo a fazer alguma atividade, seja musculação, caminhada, andar de bicicleta, natação, hidroginástica, qualquer coisa. Não tem nada melhor”, sugeriu o ex-atleta de braço de ferro (Rodrigo Zanotto)
Os amigos Cláudio Gilberto, de 78 anos, Newton Szczypior, 78, e Márcio José Piellusch, 74, se encontram de segunda a sexta-feira para praticar atividade física no Parque das Águas, no Parque Jambeiro. Os exercícios começam na academia a céu aberto, com o uso de todos os aparelhos adaptados para a terceira idade, e depois são complementados por voltas na pista de caminhadas do local, que possui 1,2 mil metros. Não é novidade que essa rotina ajuda a manter o bem-estar físico, mas agora um estudo da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) comprovou que a musculação é aliada contra a demência. Esse resultado foi levantado por Isadora Ribeiro em sua pesquisa de doutorado na Faculdade de Ciências Médicas (FCM).
Os participantes da pesquisa apresentaram proteção contra atrofia no hipocampo e pré-cúneo – áreas cerebrais associadas à doença de Alzheimer – após seis meses praticando musculação duas vezes por semana. Além disso, foi detectada evolução nos parâmetros que refletem a saúde dos neurônios (integridade da substância branca).
A pesquisa envolveu 44 pessoas com comprometimento cognitivo leve, condição clínica intermediária entre o envelhecimento normal e a doença de Alzheimer e na qual há uma perda cognitiva em extensão maior do que a esperada para a idade, indicando maior risco de demência. Os participantes da pesquisa foram divididos em dois grupos: metade cumpriu um programa de treinamento resistido com sessões de musculação duas vezes por semana, intensidade de moderada a alta e com progressão da carga. Os demais não realizaram o exercício durante o período do estudo e integraram o chamado grupocontrole.
O trabalho foi conduzido no âmbito do Instituto de Pesquisa sobre Neurociências e Neurotecnologia (Brainn), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), e é o primeiro a demonstrar o que acontece com a integridade da substância branca de indivíduos com comprometimento cognitivo leve após a prática de musculação. Os resultados foram divulgados na revista GeroScience, publicação científica internacional de referência especializada na biologia do envelhecimento e na fisiopatologia das doenças relacionadas com a idade.
A pesquisadora afirmou que já era sabido que haveria evolução da parte física e cognitiva. “Queríamos ver o efeito da musculação dentro do cérebro de idosos com comprometimento cognitivo leve. O estudo indicou que, felizmente, a musculação é uma forte aliada contra demências, mesmo para pessoas que já apresentam risco elevado de desenvolvê-las.” O trabalho mostrou que o treinamento melhora o desempenho da memória e também altera a anatomia cerebral.
De acordo com o orientador do estudo, o médico neurologista Marcio Balthazar, pesquisador do Brainn, os benefícios podem ser obtidos com atividades físicas com esforço. “Sabe-se que qualquer exercício físico, seja musculação ou atividade aeróbica, aumenta os níveis de uma substância química envolvida no crescimento das células cerebrais. Além disso, também pode mobilizar células T antiinflamatórias. Isso é central. Afinal, quanto mais proteína pró-inflamatória é liberada no organismo, maior a chance de desenvolver demência, de acelerar o processo neurodegenerativo e de formar proteínas disfuncionais que acabam matando os neurônios”, explicou o especialista.
De acordo com o Ministério da Saúde, cerca de 8,5% da população brasileira com 60 anos ou mais convivem com a doença, representando um número aproximado de 2,71 milhões de casos. Até 2050, a projeção é que 5,6 milhões de pessoas sejam diagnosticadas no país em virtude do envelhecimento da população.
A pesquisa classificou a atividade física como uma possibilidade de melhorar a qualidade de vida para 534.496 idosos na Região Metropolitana de Campinas (RMC), o equivalente a 16,81% dos 3,17 milhões de habitantes, segundo o Censo 2022. Do total de idosos, 233.742 são homens (43,73%) e 300.754, mulheres (56,27%). Para Márcio Piellusch, o estudo desenvolvido na Unicamp é mais um elemento para incentivar a continuidade dos exercícios. “A atividade física melhora em tudo, a começar pela disposição”, disse.
ACOMPANHAMENTO
Além de testes neuropsicológicos, os participantes fizeram exames de ressonância magnética no início e no final do estudo. Os resultados eram considerados muito importantes por indicarem a necessidade de, no nível da atenção básica de saúde, incluir mais educadores físicos no sistema público, já que o aumento da força muscular está associado à diminuição do risco de demência.
“É um tratamento menos complexo e mais barato, capaz de proteger as pessoas de doenças graves”, comentou Marcio Balthazar. Segundo ele, as novas drogas antiamiloide aprovadas nos Estados Unidos, indicadas para o tratamento de demências e para pessoas com comprometimento cognitivo leve, custam cerca de US$ 30 mil (R$ 170 mil) por ano. “É um custo muito alto. Essas medidas não farmacológicas, como mostramos ser o caso da musculação, são eficazes, atuando não só na prevenção de demência como na melhora de quadros de comprometimento cognitivo leve”, completou o neurologista.
“Uma característica das pessoas com comprometimento cognitivo leve é que elas têm uma diminuição do volume em algumas regiões cerebrais relacionadas ao desenvolvimento do Alzheimer. Porém, o grupo submetido ao treinamento de força teve o lado direito do hipocampo e do pré-cúneo protegido contra atrofia. Trata-se de um resultado que justifica a importância da prática regular de musculação, sobretudo para pessoas idosas”, ressalta Isadora Ribeiro. Durante o acompanhamento dos estudos, foram medidos nos voluntários, entre outros fatores, os níveis de irisina e de BDNF (fator neurotrófico derivado do cérebro), substâncias cuja síntese é estimulada pela contração muscular e que estão relacionadas à proteção neural e à plasticidade sináptica.
Os resultados ainda estão sob análise. “Trata-se de uma continuação deste estudo. Vamos buscar entender melhor como esses fatores estão relacionados às alterações de anatomia cerebral. Acreditamos que seja um conjunto de fatores anti-inflamatórios e neuroprotetores que levam a essas mudanças”, explica a doutoranda da Unicamp.
OUTROS BENEFÍCIOS
Cláudio Gilberto considera a atividade como benéfica também por outros fatores. “Se reunir para se exercitar é um motivo de alegria. É um momento de esquecer os problemas, bater papo como os amigos, além de trazer benefícios psicológicos”, ressaltou. Newton Szczypior não abre mão dos encontros diários. “Se a mulher pede para fazer alguma coisa, eu digo que é depois da caminhada”, contou.
Nelson Marquiori começou a se exercitar com frequência após se aposentar há cinco anos. Hoje, com 65 anos, considera que atividade somente gera benefícios. “Melhora tudo”, opinou enquanto usava os equipamentos de ginástica. Mauro Milanez, de 75 anos, atribui a saúde física e mental ao fato de se exercitar rotineiramente desde a adolescência. “Nunca tive nada. Tenho sobrinho de 56 anos que usa bengala”, comparou ele, que é ex-atleta de braço de ferro. “Convido todo mundo a fazer alguma atividade, seja musculação, caminhada, andar de bicicleta, natação, hidroginástica, qualquer coisa. Não tem nada melhor”, pontuou. “Meu técnico de braço de ferro está com 92 anos e bem de saúde”, concluiu.
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