TRATAMENTO

Cresce o número de pacientes que buscam a Justiça para acessar medicamentos de alto custo

Em Campinas, foram 282 novas ações judiciais em 2024, aumento de 53,2% em relação ao ano anterior

Bruno Luporini/[email protected]
04/07/2025 às 09:49.
Atualizado em 04/07/2025 às 11:18
Na Farmácia de Alto Custo da Unicamp, pessoas fazem fila para retirar os medicamentos; o advogado Fábio Candella, especializado em Direito à Saúde, explicou que qualquer valor é passível de pedido ao acesso gratuito, desde que a pessoa ou a família consiga comprovar que não tem condições de adquirir o medicamento (Alessandro Torres)

Na Farmácia de Alto Custo da Unicamp, pessoas fazem fila para retirar os medicamentos; o advogado Fábio Candella, especializado em Direito à Saúde, explicou que qualquer valor é passível de pedido ao acesso gratuito, desde que a pessoa ou a família consiga comprovar que não tem condições de adquirir o medicamento (Alessandro Torres)

Cresceu 53,2% o número de novos processos judiciais em Campinas de pessoas que buscam o direito de receber medicamentos de alto custo. De acordo com o Painel de Estatísticas do Poder Judiciário, em 2024 foram 282 novos processos, ante 184 de 2023. Neste ano, até o dia 31 de maio, a cidade já registrou 128 processos. São medicamentos destinados aos tratamentos de doenças autoimune, câncer, problemas cardíacos, epilepsia, entre outros casos considerados de alta complexidade pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Os preços variam, e alguns medicamentos podem custar até centenas de milhares de reais. Não há um preço mínimo para o acesso, desde que a pessoa ou família consiga comprovar que não possui condições de arcar com o custo do medicamento.

De acordo com o advogado especialista em Direito à Saúde, Júlio Ballerini, alguns fatores motivaram o aumento de novos processos. Entre eles está o avanço tecnológico no desenvolvimento de novos medicamentos. Por isso, as empresas farmacêuticas que detêm as patentes podem explorar o preço dos fármacos por até cinco anos, “então elas colocam os preços que querem”, explicou. Além disso, o especialista comentou que muitas pessoas não podem pagar mais por um plano de saúde e ficam dependentes do Sistema Único de Saúde (SUS). “Também temos problemas com os planos, que ao tentarem reduzir as despesas negam o acesso aos medicamentos de alto custo.”

Ballerini explicou que desde o final de 2024 o Supremo Tribunal Federal (STF) fixou o chamado Termo Repetitivo 1234, que fixa a responsabilidade do ente público pelo número de salários mínimos do custo do medicamento. Até sete salários mínimos a medicação é custeada pelo município, de sete a 210 é o Estado quem faz o custeio e acima desse valor a responsabilidade passa para a União. A decisão do STF teve como intenção garantir o acesso aos medicamentos que estão registrados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mas ainda não estão padronizados pelo SUS. “Antes as pessoas processavam os municípios, que muitas vezes não têm caixa para arcar com os medicamentos, situação que foi organizada pelo Supremo.”

“Já é caro fazer compra no mercado, agora imagina ter que pagar R$ 500 mil em um remédio”, comentou José Isidoro, 61 anos. Desde 2020 ele trata um mieloma múltiplo, tipo de câncer que agride as células da medula óssea. Como parte do tratamento, ele precisa utilizar um medicamento que custa cerca de R$ 500 mil. Por ter o pedido negado pelo Estado, ele precisou recorrer à Justiça em agosto do ano passado. “Até a liminar sair eu fiquei internado para o problema não se agravar, mas deu tudo certo, a decisão saiu depois de um mês”, contou. Apesar do susto durante o período sem a medicação, Isidoro agradeceu o atendimento que recebe no Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp. “Ainda bem que fui internado e bem atendido, caso contrário eu já teria partido desta terra.” 

Uma estudante de Campinas de 24 anos, que pediu para ser identificada como Letícia, sofre com três tipos de doenças autoimunes, uma delas a doença de Crohn, que causa inflamações intestinais. “Quando fiquei sem o tratamento perdi mais de 20 quilos e fiquei desnutrida. Não conseguia comer devido às fortes dores”, relembrou. Além disso, a psoríase, que provoca descamação da pele, e hidradenite supurativa, que causa nódulos na região da virilha, são outros males que acometem a jovem. O tratamento consistia na aplicação quinzenal de uma injeção. Cada dose custava R$ 12 mil e era coberta pelo plano de saúde. Porém, ela desenvolveu resistência ao medicamento. Por isso, seu médico indicou uma medicação via oral. As drágeas são tomadas diariamente e uma caixa custa R$ 8 mil. “Mesmo mais barato, meu plano negou três vezes o acesso ao medicamento.”

Ela conseguiu, por meio de uma rede de apoio indicada por um médico, o acesso a três caixas do remédio. “Estou respondendo muito bem ao remédio, meu intestino nunca esteve menos inflamado”, comemorou. Ela começou a utilizar a terceira caixa nesta semana. Sem o retorno positivo do plano de saúde, decidiu recorrer à Justiça. “Espero conseguir uma liminar para continuar o êxito do tratamento, é uma luta contra o tempo.”

José Benedito, 42, está afastado do trabalho pelo Instituto Nacional do Seguro Nacional (INSS). Periódicamente ele sai da cidade de Paraisópolis (MG) para tratar duas doenças autoimunes, vitiligo e lúpus. Na farmácia de alto custo ele consegue a maioria dos medicamentos que precisa. No entanto, ele aguarda há dois anos uma decisão judicial para acessar uma pomada para o tratamento do vitiligo. Cada bisnaga custa cerca de R$ 70 e são necessárias ao menos seis por mês para que o medicamento tenha o efeito desejado. “Nem é um custo tão alto para o Estado, mas eu entrei na Justiça lá na minha cidade e esses processos demoram demais.” Para continuar o tratamento, ele arca com o custo das bisnagas. “Vai uma boa parte do salário, dinheiro que eu poderia usar para a alimentação.”

O advogado Fábio Candella, especializado em Direito à Saúde, explicou que qualquer valor é passível de pedido ao acesso gratuito, desde que a pessoa ou a família consiga comprovar que não tem condições de adquirir o medicamento. Ele acrescentou que a Constituição Federal garante ao cidadão o acesso à saúde independentemente do custo do medicamento. Candella afirmou que, para o pleito ser bem-sucedido, o medicamento precisa estar registrado pela Anvisa. Além disso, é necessário que a pessoa disponha de uma receita ou laudo do médico que comprove a necessidade do uso daquele medicamento específico no tratamento do paciente.

“O trâmite não pode ser demorado. Toda situação de saúde é emergencial”, afirmou Candella. O advogado explicou que dentro do Poder Judiciário existe um procedimento chamado de antecipação de tutela, no qual é possível pedir uma liminar em caráter emergencial. “O juiz já consegue emitir uma decisão sobre o caso em torno de quinze dias úteis”, revelou. Para que o processo tenha a celeridade necessária, o advogado reforçou que é muito importante que o laudo do médico seja preciso quanto à justificativa para a escolha do medicamento. “A tendência é que o juiz considere a palavra do médico, que conhece o paciente, como fundamental para dar uma decisão favorável.”

Procurada, a Secretaria de Estado da Saúde do Estado de São Paulo (SES) informou que o Departamento Regional de Saúde (DRS) de Campinas, em 2025, até junho, recebeu 302 novas ações judiciais para fornecimento de medicamentos, nutrição ou insumos. Em todo o ano de 2024, 575 novas ações foram judicializadas na região, que abrange 42 municípios. Os medicamentos mais solicitados são os oncológicos, diabéticos, para insuficiência cardíaca e dietas alimentares. No entanto, o DRS não informou a quantidade de solicitações atendidas.

Júlio Ballerini informou que dos processos que passam pelo escritório dele, 80% são bem-sucedidos na instância municipal. Nos casos que são levados à Justiça do Estado, a chance de conseguir a liminar é de praticamente 100%. “O julgador tem a consciência de que, às vezes, ele pode decretar a pena de morte ao não definir o acesso a um medicamento”, analisou. Tal situação de sucesso, de acordo com o advogado, ocorre tanto para os processos contra o Estado quanto contra planos de saúde. Entre os casos que geralmente não são bem-sucedidos, Ballerini destacou aqueles considerados como “ponto fora da curva”. Por exemplo, quando uma pessoa se entende como beneficiária da gratuidade, mas na declaração do imposto de renda constam bens de alto valor. “São momentos em que a pessoa falta com a verdade e se enquadra em temas como acessibilidade, temas correlatos que não se enquadram como medicamentos de alto custo”, concluiu.

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