ARTE E SAÚDE

Centro Boldrini usa a arte para restabelecer a saúde

A médica Silvia Brandalise trabalha no atendimento de crianças com câncer e usa a arte e a cultura para criar um ambiente mais alegre e aliviar a dor das famílias e pacientes

Cibele Vieira/cadernoc@rac.com.br
11/05/2024 às 13:36.
Atualizado em 11/05/2024 às 13:36

A médica Silvia Brandalise na grande Brinquedoteca do Centro Boldrini: 'A arte é transformadora' (Rodrigo Zanotto)

Andar pelos corredores do Centro Infantil Boldrini é uma grata surpresa. Além de cruzar com super-heróis e palhaços circulando por lá, chamam a atenção as paredes coloridas, os mosaicos artísticos, os desenhos infantis nos murais, a biblioteca lúdica e uma enorme Brinquedoteca. Não tem aquela "cara de hospital", como dizem alguns. O diferencial está na valorização da arte e da cultura como ferramentas para promover a saúde.

"Todo trabalho artístico permite que coisas que estão no inconsciente do paciente venham para o papel. Ao desenhar, a criança passa para o papel suas preocupações, seus medos, volta sua mente para uma atividade prazerosa, tira o foco da doença. A arte transforma uma realidade. Ela traz prazer tanto para a família quanto para o paciente, ajudando a tirar o foco da dor", comenta a médica Silvia Brandalise, uma das fundadoras e presidente do Centro Infantil de Investigações Hematológicas Dr. Domingos A. Boldrini.

É claro que, por atrás dessa visão lúdica e artística, há um imenso trabalho científico, de dedicação dos médicos que se unem a redes internacionais em busca da cura do câncer infantil. Referência em ensino e pesquisa em Oncologia e Hematologia Pediátrica, o centro criado em 1978 já atendeu 10 mil crianças — 7 mil foram curadas—e a cada ano acolhe 600 novos casos.

Esse trabalho é permeado pela dedicação de voluntários e doações que permitem 80% dos tratamentos serem realizados gratuitamente por meio do Sistema Único de Saúde (SUS) e apenas 20% dos atendimentos via convênios. A presença contínua de acompanhante, os novos amigos, o apoio dos voluntários e um ambiente mais lúdico ajudam a acelerar a recuperação do paciente.

VOLUNTARIADO ARTÍSTICO

Entre os cerca de 450 voluntários que atuam em várias áreas, há os que apoiam o setor de saúde mental com atividades pedagógicas, artísticas, lúdicas ou artesanais, envolvendo os pacientes e suas famílias. A doutora Silvia pondera que, "quando a criança vem para o hospital, ela encontra um lugar de prazer, claro que de vez em quando tem que pegar a veia, mas ela vê um lugar onde pode desenhar, levar as coisas para casa ou deixar aqui na moldura, se distrair na brinquedoteca e na ludoteca, desenha ou lê livros enquanto espera consulta ou quando está em seu quarto, e tudo isso traz conforto, desperta sorrisos, ajuda no tratamento".

A área de voluntariado do Boldrini trabalha em vários segmentos lúdicos que envolvem as expressões artísticas. Os voluntários da Internação levam materiais (elásticos e miçangas) para a confecção de pulseiras e anéis pelas crianças internadas, além de papel e lápis de cor para que possam desenhar. Há também oficinas de captação, em que voluntários ensinam mães e crianças a desenvolverem peças de artesanato, oferecendo materiais para confecção de tiaras, chaveiros e outras peças.

O Ateliê de Artes, que trabalha junto com a Brinquedoteca, atua com pintura de tela, de sabonete e outros tipos de artesanato. E na Brinquedoteca Ayrton Senna sempre há entretenimento, oficinas de arte e apresentações teatrais.

Até um projeto literário é desenvolvido coletivamente com os pacientes. Todos os anos — já são sete edições — as crianças que se interessam pelo projeto trabalham em suas histórias criando textos e desenhos produzidos de maneira coletiva com o incentivo das pedagogas. Esse material é organizado pela editora Ciranda de Livros, que o transforma em livros impressos e e-books que são distribuídos gratuitamente. O projeto trabalhado no ano passado foi lançado no mês de março de 2024 e os voluntários relatam que é sempre um momento de alegria e emoção, trazendo uma atmosfera mais humanizada ao ambiente hospitalar e registrando histórias muito especiais.

DEDICAÇÃO E SUCESSÃO

Quando começou esse trabalho há cerca de 40 anos, a médica Silvia Brandalise relembra que "a chance de uma criança sobreviver ao câncer era de cerca de 3%, e à leucemia aguda era quase zero. Depois da criação do Boldrini, esse índice subiu para 40% e hoje está em 80% de cura". Mas ela não está confortável com essa posição e se dedica de maneira incansável a buscar os 100%. Tanto que quando conta sobre sua família, cita o Boldrini como "um filho adotivo, que ainda necessita de cuidados" e é onde dedica a maior parte de seu tempo.

Quem a vê andando pelo hospital, brincando com as crianças, festejando os voluntários, não imagina como essa cabeça sonha alto. Ela cuida de detalhes como apagar a luz de salas vazias, pegar um papel caído no chão para depositar na lixeira, mas também cria projetos grandes como o Hospital de Especialidades, para atender as crianças com doenças que não se encaixam nas questões hematológicas e oncológicas. Quando o assunto é dinheiro, brinca que entrega tudo a Deus, que cuida dos milagres para viabilizar o trabalho.

Aos 81 anos de idade, embora lúcida, ativa e envolvida em vários projetos de pesquisas internacionais, já articula sua sucessão, incluindo na diretoria do Centro pessoas que pensam o hospital de maneira diferenciada, que conhecem a realidade do dia a dia. Entre os novos diretores, tem até ex-paciente. Para ela, o comprometimento das pessoas é o caminho correto para a sucessão.

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