Município acumula 167 casos confirmados de janeiro a novembro deste ano; homens de 20 a 29 anos são responsáveis por 34% das novas infecções
Secretaria de Saúde e Terra das Andorinhas, organização sem fins lucrativos, fizeram testes rápidos para HIV e sífilis em frente à Catedral Metropolitana, no Centro de Campinas, no último sábado; especialistas orientam quem tem vida sexual ativa a realizar constantemente exames para detectar infecções sexualmente transmissíveis (Alessandro Torres)
O avanço da infecção por HIV, vírus causador da aids, em Campinas ocorre principalmente entre os homens na faixa etária de 20 a 29 anos, a de maior atividade sexual. Nessa faixa etária, a contaminação de pacientes do sexo masculino foi 14,25 vezes maior em relação ao feminino em 2024, 57 casos contra apenas 4. O município registrou neste ano a média de um novo caso da doença a cada dois dias, considerando todas as idades.
Os 57 pacientes do sexo masculino de 20 a 29 anos que tiveram infecção confirmada em 2024 representam 34,13% de todas as 167 contabilizadas, de acordo com estatística divulgada pela Secretaria Municipal de Saúde. Os dados foram publicados em virtude do Dezembro Vermelho, campanha voltada à luta contra o HIV.
O balanço parcial de 2024 está ainda sujeito à revisão, uma vez que há testes feitos no mês passado que ainda não tiveram o resultado divulgado. O perfil de infectados também é semelhante na faixa etária com o segundo maior número de casos, o de pessoas com 30 a 39 anos. Nesse caso, foram 54 confirmações de infecção em 2024, sendo 43 homens e 11 mulheres.
Segundo os dados da Secretaria de Saúde, 79% das contaminações por HIV este ano foram por relação sexual consentida. A segunda principal causa foi a exposição a material biológico (19%). Violência sexual e demais riscos foram as demais causas, com 1% cada.
Para a médica infectologista Valéria Almeida, do Departamento de Vigilância em Saúde (Devisa), os cuidados pessoais e a realização de exames clínicos ainda sãos as melhores maneiras para se evitar a contaminação e garantir a qualidade de vida. A prevenção inclui o uso de preservativo nas relações sexuais. Há ainda a profilaxia com medicamento nos casos de sexo sem proteção, violência sexual e acidente ocupacional. Esse último fator abrange acidentes como cortes com instrumentos perfurocortantes não esterilizados, seja seringa ou alicate de unha, e contato direto com o sangue de outra pessoa em uma batida de trânsito.
AÇÕES
“Como o sangue de uma pessoa contaminada transmite o vírus, quem teve alguma dessas situações deve fazer o uso do medicamento, que é a profilaxia pós-exposição, para não adquirir a infecção pelo HIV”, afirmou Valéria Almeida. O remédio deve ser tomado até 72 horas após essas situações. A medida de prevenção de urgência, conhecida pela sigla PEP, está disponível nos dias úteis no Centro de Referência HIV/Aids, das 8h às 18h, na Rua Regente Feijó, Centro da cidade. Nos demais períodos e aos finais de semana e feriados, está disponível no prontosocorro do Hospital Mário Gatti.
A infectologista também ressaltou a importância de todas as pessoas fazerem exames para saber se tem o HIV e outras doenças sexualmente transmissíveis, como hepatite e sífilis. O vírus da aids, por exemplo, pode ficar escondido por 8 a 20 anos, sem manifestação de sintoma nesse período. “A gente tem ampliado muito a testagem, o estímulo para que todas as pessoas façam o exame de HIV”, contou a médica infectologista. O exame rápido está disponível em todos as unidades básicas de saúde de Campinas. O resultado positivo propicia aos pacientes o acesso gratuito a antirretrovirais para evitar o desenvolvimento da aids.
A Secretaria de Saúde confirmou 97 casos da síndrome da imunodeficiência adquirida em 2024. O tratamento, hoje feito com dois comprimidos, sendo que 15 anos atrás eram até 35, garante uma vida normal para a pessoa. Antes dos medicamentos disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o tempo de vida de alguém com aids era de cinco meses.
“Tem se observado a tendência de redução do número de óbitos por aids e isso é resultado da disponibilidade de tratamento no SUS. No entanto, ainda há óbitos de pacientes que fazem o diagnóstico tardio, ou seja, que nunca haviam antes realizado um exame para HIV. É importante que as pessoas que têm vida sexual ativa realizem sempre exames para infecções sexualmente transmissíveis, incluindo o HIV”, orientou Valéria Almeida.
Campinas registrou neste ano, até novembro, 35 óbitos, redução significante em relação a 10 anos atrás, quando foram 104. “Uma pessoa que tem HIV leva uma vida normal hoje em dia. É como se fosse uma doença crônica, um paciente com diabetes, hipertenso”, comparou a médica. “Com o passar do tempo, foram evoluindo as tecnologias, a indústria farmacêutica e foi possível usar um menor número de comprimidos, com pouco efeito colateral”, acrescentou.
Segundo a Secretaria de Saúde, Campinas é a segunda cidade do Estado com maior número de pessoas usando a Profilaxia Pré-Exposição (PrEP). Ela é ofertada pela rede municipal desde 2018, ano em que o método foi incorporado ao SUS pelo Ministério da Saúde. O objetivo é evitar infecção pelo vírus causador da aids. Em sete anos, 2.983 pessoas iniciaram a PrEP no município. Nos últimos 12 meses, 2.072 pessoas fizeram uso da profilaxia. Neste momento são 1.571 em tratamento. A PrEP combina dois medicamentos antirretrovirais (tenofovir e entricitabina) que bloqueiam alguns “caminhos” que o HIV usa para infectar o organismo.
VIDA QUE SEGUE
O microempreendedor G.A.C., de 57 anos, faz uso do tratamento e leva uma vida sem restrições. “Tenho de tomar os comprimidos e fazer exames rotineiramente. No mais, é tudo normal”, compartilhou. Ele descobriu que contraiu HIV há cerca de dois anos. Ele conta com o total apoio da exmulher e dos filhos, mas admite evitar a exposição da situação por causa do preconceito. “A sociedade ainda não aceita, não entende isso e rejeita (quem possui o vírus)”, afirmou.
Para enfrentar essa situação, a Terra das Andorinhas inclui grupos com psicóloga e ações de encaminhamento de emprego em seu trabalho de acolhimento e apoio às pessoas com HIV.
“O preconceito ainda existe”, lamentou a presidente e cofundadora da entidade, Liliana Cristina Mussi. Os cuidados com o vírus devem ser tomados mesmo diante de tratamento disponível. “Não adianta tomar os comprimidos e achar que está tudo bem. O HIV muda a vida das pessoas, traz consequências”, ressaltou. A Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), sem fins lucrativos, realiza em torno de 2,5 mil atendimentos por mês em Campinas. Ela atua também com a realização de testes rápido de HIV e realização da palestra de prevenção em escolas e outros locais.
A Terra das Andorinhas existe há 12 anos e hoje está presente nos quatro estados da região Sudeste, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo, com ações premiadas pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). A manutenção do nome original de fundação é uma referência a Campinas, cidade de origem, e ao fato de andorinhas viverem em bando, o que faz com que elas nunca fiquem sozinhas.