Município fica atrás apenas da capital paulista e da cidade de Ribeirão Preto
Carolina de Andrade Melo, ginecologista obstetra especialista em reprodução assistida, reforça que as justificativas dos pacientes são variadas, além das condições mais favoráveis durante a juventude: 'É um procedimento que veio para melhorar a vida das mulheres, que têm um 'prazo de validade'. Com o passar dos anos, diminui tanto a quantidade quanto a qualidade dos óvulos, sobretudo a partir dos 35 anos' (Kamá Ribeiro)
Campinas ocupa a terceira posição no estado de São Paulo em número de procedimentos de congelamento de óvulos, ficando atrás apenas de Ribeirão Preto e da capital, São Paulo, que ocupam a segunda e a primeira posição, respectivamente. Dados do Sistema Nacional de Produção de Embriões (SisEmbrio), mantido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), indicam que a cidade é um polo para esse procedimento no estado, evidenciando a alta demanda pelo serviço tanto por mulheres do município quanto da Região Metropolitana de Campinas (RMC).
Entre 2020 e 2023, foram congelados 14.587 óvulos em Campinas, de um total de 222.138 em todo o estado de São Paulo. A cidade também se destaca como a terceira em número de centros de Reprodução Humana Assistida, com cinco unidades, ficando atrás apenas da capital (33) e de Ribeirão Preto (7). Especialistas consultados pela reportagem apontam que o congelamento de óvulos é uma prática cada vez mais adotada por mulheres e homens transgênero, que realizam o procedimento em idades cada vez mais jovens. Essa tendência se justifica pela independência conferida aos pacientes, permitindo adiar a gravidez sem o risco de insucesso em idades mais avançadas. O corpo feminino possui uma quantidade limitada de óvulos, que diminui com o avanço da idade, além de uma perda gradual de qualidade dos óvulos a partir dos 30 anos, o que pode resultar em infertilidade e no surgimento de síndromes.
Os dados do SisEmbrio são divulgados por anos concluídos, o que explica a ausência de informações para 2024. Em 2023, foram congelados 3.306 óvulos em Campinas, de um total de 61,5 mil no estado. Em 2022, foram 3.832 procedimentos, ante 4.371 em 2021 e 3.419 em 2020, resultando em uma média anual de 3.732 congelamentos.
CIDADE POLO
Os dados mostram que as maiores concentrações de procedimentos estão em cidades com maior número de laboratórios que realizam esse serviço, independentemente da população. Guarulhos, por exemplo, a segunda cidade mais populosa do estado, não aparece entre as 10 primeiras. Além de São Paulo e Ribeirão Preto, outras cidades que se destacam como polos de congelamento de óvulos incluem São José do Rio Preto, Bauru e Presidente Prudente.
A ginecologista e obstetra Daniela Castanho, especialista em reprodução humana, destaca que o caráter tecnológico de Campinas influencia sua importância no número de procedimentos. "Campinas é um polo de desenvolvimento intelectual e tecnológico, com as principais faculdades disseminando conhecimento sobre tecnologia reprodutiva. O mesmo ocorre com Ribeirão Preto", ressalta. Castanho também observa que o congelamento de óvulos em idades cada vez mais jovens é notável, atribuindo isso ao aumento da instrução sobre a possibilidade. "As pessoas estão tendo conhecimento cada vez mais precoce sobre o congelamento, diferente de antes, quando o acesso ao conhecimento demorava mais", complementa. Carolina de Andrade Melo, ginecologista obstetra especialista em reprodução assistida do Huntington Centro de Medicina Reprodutiva de Campinas, reforça que as justificativas dos pacientes são variadas, além das condições mais favoráveis durante a juventude. "É um procedimento que veio para melhorar a vida das mulheres, que têm um 'prazo de validade'. Com o passar dos anos, diminui tanto a quantidade quanto a qualidade dos óvulos, sobretudo a partir dos 35 anos. Muitos pacientes vêm fazer o procedimento porque ainda não encontraram o parceiro adequado, estão em ascensão na carreira ou terminaram um relacionamento longo e estão inseguros sobre o futuro. As mulheres, com receio dessas questões, estão optando por fazer mais cedo, o que é mais recomendado", explica.
POPULARIDADE
Embora Campinas se configure como um polo de congelamento de óvulos, o serviço ainda é desconhecido por boa parte do público-alvo, majoritariamente mulheres. Nas ruas, o assunto não é tratado com tanta profundidade. "Eu já ouvi falar, mas nunca fui muito a fundo", diz Leide Parga, de 33 anos. "Mas considero que é um ganho para as mulheres que não querem se casar cedo, mulheres independentes", continua.
"Acho interessante, ainda mais quando a idade vai se aproximando. A gente nunca sabe se vai querer ou não ter outro filho. Se eu tivesse conhecimento na minha época de juventude, acho que consideraria fazer", diz Cristiane Leonice, 40 anos, que tem dois filhos, de 15 e 23 anos. "Eu acho que é para mulheres que querem ter filhos e têm dificuldade, ou querem ter mais para frente, algo assim. Mas acho que é uma vantagem, pois cada uma tem um sonho diferente", diz Daiani Divino, de 37 anos, mãe de cinco filhos.
CUSTOS E ACESSIBILIDADE
Um dos fatores que contribui para a impopularidade do congelamento de óvulos é o investimento necessário para realizá-lo. O serviço é oferecido no Sistema Único de Saúde (SUS) apenas para mulheres com câncer. No sistema privado de saúde, todo o processo custa em média R$ 23 mil, incluindo medicações necessárias e o próprio procedimento. Além disso, é necessário pagar uma espécie de "aluguel" para manter os óvulos armazenados, que gira em torno de R$ 1 mil por ano.
Os óvulos, em geral, ficam congelados por até 10 anos, mas há possibilidade de realizar mais de um ciclo. O material é recolhido após sucessivas aplicações de medicações para desenvolvimento dos óvulos. Quinze dias depois, ocorre a retirada, por aspiração transvaginal. Uma vez recolhidos, os óvulos são armazenados em galões de nitrogênio líquido a cerca de -196ºC.
"É uma tendência cada vez maior. O congelamento é um ganho para a mulher, que tem a incumbência de gestar. É algo a ser considerado inclusive pela saúde pública, para popularizar o procedimento e torná-lo acessível às classes mais baixas", finaliza Melo.
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