Alimento completo: próxima dos pescados a carne de rã é refinada, delicada, nutritiva, saborosa, tem baixíssimo teor de gordura e se revela de uma uma nobreza incomum
Alimento completo, muito próximo da carne dos pescados, leve e de fácil digestão, refinada, delicada, nutritiva, saborosa, de uma nobreza incomum e tem baixíssimo teor de gordura
Esta receita vem da região da Emilia-Romagna, na Itália, onde a população é bem familiarizada com o uso deste pequeno animal em suas mesas
Alguém pode dar notícias por onde hoje saltitam as rãs? Eu que, por necessidade, curiosidade, impulso e vicio confessos, perambulo religiosamente por butiques de carnes, grandes empórios e lojas, raramente dou de cara com elas nas gôndolas e balcões.
São poucos os endereços onde nós podemos encontrá-las e, mesmo assim, corremos o risco de voltar de mãos vazias; por precaução, carece de um telefonema antes para confirmar a encomenda. Quando encontramos, o preço assusta. Fritinhas, à milanesa, as rãs foram estrelas de botecos populares – sim, porque hoje existem botecos grifados e estrelados — mas, em um piscar de olhos, elas se ausentaram dos cardápios com saltos acrobáticos: hoje, uma porção de perninhas custa o olho da cara.
Alguns pioneiros, apreciadores desta carne leve e saborosa, deram inicio à criação da rã em cativeiro aqui no Brasil lá pelos anos 30 do século passado. Décadas depois a ranicultura viraria moda; nos anos 80 e 90, qualquer pequeno proprietário rural com alguns hectares onde houvesse água em abundância não resistia à tentação e mandava bala: ter um ranário ali em um canto qualquer era a salvação da lavoura.
Pudera; rústicas e resistentes, de crescimento rápido e pouco investimento — o bicho precisa apenas de água limpa, uma estufa, clima quente e úmido, um pouco de ração e, quando em vez, um chamego aqui e um cafuné acolá do criador e de um profissional sanitarista ou veterinário – era uma promessa de lucro fácil, na época, propagada em voz alta como alternativa para agregar valor às demais produções da propriedade.
Então, por que aquele bicho que no meu tempo de criança era caçado em abundância lá no brejo, de cultura adequada aos trópicos e que tem bom preço no mercado interno está tão difícil de encontrar? Podemos arriscar alguns palpites: boa parte daqueles pequenos produtores foi por água abaixo, talvez por falta de união e apoio ou orientação na criação ou mesmo dificuldades na regularização sanitárias da produção para colocá-la no mercado.
Criar a rã é fácil; os passos seguintes, como abater, embalar, armazenar e comercializar dentro dos requisitos exigidos por lei é outra coisa. Os que sobreviveram tem sua produção dirigida para restaurantes estrelados, que arrematam o bicho lá na fonte, no criadouro, ou apostam no ávido mercado externo, bem mais exigente no quesito qualidade, porém mais seguro e mais rentável. Estima-se, não considerando as caçadas diretamente na natureza ou criadas no fundo de quintal, que cerca de um bilhão de rãs são consumidas por ano em todo o mundo. É rã que não acaba mais! Vamos cozinhar!
Exótica e saudável
Use e abuse da rã: degustar sua carne é um hábito saudável e muito antigo. De sabor exótico e de preparo nada complexo, sem exigir performances e malabarismos do cozinheiro, é um alimento completo, muito próximo da carne dos pescados, leve e de fácil digestão, refinada, delicada, nutritiva, saborosa, de uma nobreza incomum e que não deve ficar restrita a um simples tira-gosto de botecos. Tem baixo teor de calorias e o colesterol é praticamente ausente de sua carne, o que a faz cobiçada no refinado mercado internacional. A nossa receita de hoje é muito especial, vem da região da Emilia-Romagna, na Itália, onde a população é bem familiarizada com o uso deste pequeno animal em suas mesas.
RECEITA
Penne Rigatti com Carne de Rã
(para 4 pessoas)
Ingredientes
Para a massa:
400 g de penne rigatti, grano duro;
1 colher de sopa de sal grosso;
4 litros de água.
Para o molho:
16 pernas de rã;
100 ml de vinho branco seco, de boa procedência;
4 tomates firmes, vermelhos, sem pele e sem semente, em cubinhos;
1 cebola pequena, picadinha;
2 dentes de alho, finamente retalhados;
6 ramos de tomilho fresco (pode ser substituído por uma colher (café) do desidratado);
200 ml de molho de tomate, denso, encorpado;
1 xícara (chá) de farinha de trigo;
½ limão siciliano (só o suco);
2 colheres (sopa) de manteiga sem sal;
1 colher (sopa) de salsinha picada;
1 pitada de orégano;
Azeite extra-virgem o suficiente;
Sal e pimenta do reino, preta e moída na hora, também a gosto.
E lá vamos nós
As rãs são animais muito higiênicos, passam boa parte do dia mergulhadas em água limpa. Quando o homem bota a mão é outra história: assim, lavo bem cada pedaço em água corrente e seco em pano ou papel toalha; daí massageio carinhosamente as rãs com sal e pimenta do reino, dou lhes o caldo de meio limão, confiro que todas as carnes estão em contato com os temperos e reservo em lugar fresco ou na geladeira por 1 hora.
Passo cada pedaço da rã pela farinha de trigo, dou lhes umas palmadinhas para retirar o excesso de farinha e reservo novamente. Em uma frigideira de fundo espesso, em fogo médio, coloco a manteiga e um fio de azeite; assim que aquecidos, frito as pernas da rã, virando de um lado para outro com uma pinça, por 8 ou 10 minutos; fico ali, vigiando aquelas perninhas atléticas até que fiquem douradas. Retiro e reservo em lugar aquecido.
Aproveito a mesma frigideira; aqueço novamente, agora em fogo baixo, junto o vinho branco, revolvo com uma espátula circulando a parte interna da frigideira, espero reduzir um pouco, retiro e passo por uma peneira fina. Reservo. Em outra frigideira, muito larga e também de fundo grosso, coloco um pouco de azeite e aqueço levemente; nele aqueço a cebola e o alho; quando se renderem macios, sem queimar ou mudar de cor, aumento o fogo, junto os tomates em cubo, salteio por 4 minutos, agrego o molho de tomate, ajusto o sal com parcimônia, a pimenta e o caldo que sobrou do vinho.
Permito que fique em fogo médio por 10 minutos, mexendo pra lá e pra cá quando necessário. Um minuto antes de desligar junto as penas de rã, a salsa e o tomilho. Enquanto isto, já estou cozinhando o macarrão até ficar al dente; escorro e acomodo a massa na frigideira; agrego tudo com carinho e, em uma travessa de vidro ou louça, untada com azeite e previamente aquecida no forno, coloco o macarrão. Saltito com o orégano, decoro e sirvo quente. Não combina com queijo ralado.
Olha só: Procure encontrar um fornecedor que tenha seu próprio ranário, assim você evitará gastar sola de sapatos por aí além de obter o produto mais fresco. Congelada, no entanto, é comum encontrar as pernas (as coxas), onde está concentrada a maior parte da carne e a aceitação do consumidor é maior. O dorso – as costas – tem pouco valor comercial e é usado como matéria-prima para nuggets, linguiças, salsichas e patês. Não exagere nos temperos, pois poderá camuflar o sabor de sua doce carne.