ESPAÇO GOURMET

Saltimbocca alla Romana

Produzidos com extremo cuidado, da escolha dos animais a um obrigatório período de descanso, com temperatura, ventilação e umidade controladas, os crus são tidos como verdadeiras iguarias

07/07/2013 às 05:00.
Atualizado em 25/04/2022 às 09:48

Às vezes, meio sem querer, ouço conversas por aí nos mercados. Em algumas, constatei que muitas pessoas desconfiam que o presunto seja mais saudável que o apresuntado tão somente pela diferença de preço. E elas têm razão. No caso de alguns produtos semelhantes processados ou industrializados, o preço é, sem dúvida, um indicador de qualidade para o consumidor. Nos itens in natura, isso já não é regra. O valor nutricional de um quilo de filé-mignon, por exemplo, equivale ao de um quilo de músculo. O mignon é um corte mais macio e cada boi produz apenas duas unidades com 1,8 quilos contra cerca de 20 quilos de músculos, o que justifica a estatura dos preços de cada tipo. Para um nutricionista, o profissional que se ocupa do planejamento do uso correto da dieta, tanto faz um como o outro. Mas, meia-volta ao início...

O presunto é presença constante em nossos cafés da manhã, nos lanches nas ruas e em diferentes pratos, mas pouca gente conhece as diferenças entre as variedades ou como é feito esse produto ímpar na alimentação humana, um dos frios mais populares do Ocidente e que pode ser consumido cru ou cozido. A palavra “presunto” vem do latim persunctu ou perexsuctum (daí prosciutto, em italiano), que significa enxuto, livre de umidade pela ação desidratante do sal e, na gastronomia, refere-se exclusivamente aos produtos provenientes da carne da perna do porco.

Presunto, para ser presunto, tem regras e necessita, obrigatoriamente, ser feito com o pernil suíno. O apresuntado é um parente desandado, cuja elaboração levanta suspeita. Deveria ser feito com retalhos da carne do porco, do pernil e também da paleta, com mais gordura, mas ele acaba aceitando qualquer tipo de carne e até uma boa quantidade de amido e gelatina. Só Deus e o dono da fábrica sabem o que tem nele. Está aí, amigos, a diferença do preço entre presunto e apresuntado, esse último um produto de segunda no linguajar popular. Portanto, cautela com ele.

Já o presunto, de forma ovalada e vendido fatiado, é mais nobre. Reza a bula que deve ser feito tão somente com pedaços da carne da perna do porco, que é salgada, temperada, prensada e cozida. Sua técnica de fabricação é bastante variada, permitindo oscilações na classificação. Temos ainda os presuntos cozidos inteiros (prosciutto cotto) – após a salga, eles são cozidos ou defumados com madeiras aromáticas. E não são retalhados: é peça inteira ou parte dela, com ou sem osso. Um exemplo desse tipo é o tender (smoked ham), de origem inglesa e que, infelizmente, no Brasil só dá as caras às vésperas do Natal.

Mas vamos ao topo, à elite dos presuntos, os crus. Venerados há séculos (foram encontrados resquícios deles em sítios arqueológicos etruscos na antiga Gália, datados de cinco séculos antes de Cristo), os presuntos crus são elaborados de forma quase artesanal. O cuidado começa na criação dos animais, com raças escolhidas a dedo, e, entre as mordomias, uma ração à base de castanhas, que torna a carne mais doce e saborosa. Inteiro e com osso, o pernil é curado em salmoura e submetido a um processo de maturação e descanso em ambientes com temperatura, ventilação e umidade controladas, por um período que varia de um a três anos, dependendo da técnica e do peso do pernil.

É nesse período de repouso obrigatório que ocorrem as reações químicas e o produto adquire seu perfil sensorial, ganhando o sabor, a textura e o aroma característicos de acordo com a raça, a alimentação, o país e a região onde é preparado. Tantos são os cuidados necessários que sua produção é limitada e faz o preço de um presunto cru de primeira linha ser astronômico. Mas vale a pena. Pra cozinha!

SALTIMBOCCA ALLA ROMANA

INGREDIENTES

(para 4 pessoas)

8 escalopes de filé-mignon de mais ou menos 90g cada

8 generosas fatias de presunto cru, de boa qualidade

16 ou mais folhinhas de sálvia, aveludadas e fresquinhas

2 colheres (chá) de farinha de trigo

3 colheres (sopa) de manteiga sem sal

Alguns fios de azeite bom

50ml de vinho branco seco

Sal e pimenta-do-reino a gosto

E LÁ VAMOS NÓS

Se os escalopes estiverem muito grossos, acomodo cada um entre duas folhas de papel vegetal ou plástico e, com a mão, bato delicadamente para que afinem, sem despedaçá-los. Salgo levemente (o presunto cru já é salgado) e apimento. Coloco uma fatia de presunto sobre cada escalope, apertando bem para que grude na carne, e por cima disponho duas folhinhas de sálvia. Polvilho os nacos de carne com um tico de farinha de trigo dos dois lados, tomando cuidado para não exagerar na farinha. Aqueço bem uma frigideira com uma colher (sopa) de manteiga e um fio de azeite e nela frito os escalopes dos dois lados, mantendo por mais tempo na frigideira o lado sem o presunto. Retiro e reservo num prato com papel toalha para eliminar o excesso de gordura. Repito a operação até dourar todos os escalopes. Reduzo o fogo sob a frigideira e junto o vinho, mexo, remexo e espero evaporar um pouco. Coloco mais um tico de manteiga, mexo novamente com um batedor de arame e volto a carne à frigideira para reaquecer por um minutinho. Sirvo os escalopes acompanhados de massa com pouco molho, só na manteiga e no azeite ou com arroz.

Veja só: se achar necessário, prenda as fatias de presunto e as folhinhas de sálvia com um palito para que elas não se divorciem durante a fritura. O filé-mignon pode ser substituído por alcatra ou qualquer outro corte de carne macia.

Tem mais: os presuntos crus são, geralmente, consumidos em fatias finas, como antepasto, aperitivo ou entrada. Dessa forma, você consegue apreciar toda sua plenitude. O Brasil produz alguns tipos, mas os mais famosos, cobiçados e caros são os espanhóis serrano e ibérico (o Pata Negra pode custar R$ 300 o quilo) e os italianos prosciutto di Parma e di San Daniele.

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