Sal da Terra/Sebastião Sallgado (João Nunes)
Vivenciando um drama pessoal (uma cunhada morreu vítima de acidente no dia anterior), Sebastião Salgado esteve nesta semana em São Paulo para o lançamento do documentário sobre ele, O Sal da Terra, de Wim Wenders e Juliano Salgado. O fotógrafo, que estava cansado, sem dormir havia 24 horas e triste, se emocionou ao falar sobre o episódio e sobre a ligação da mulher Lélia Walnick Salgado com a irmã Leny.
E foi a deixa para ressaltar o papel de Lélia na carreira dele. “Para mim, não vale a frase de que por trás de um grande homem existe uma grande mulher. Ela esteve comigo desde muito cedo, antes dos 17 anos (eu nem tinha 20), e trabalhamos lado a lado; um mês depois de nos conhecermos abrimos conta conjunta”.
Em Paris (fugindo da ditadura), ela estudou arquitetura, ele economia política e, juntos, fizeram curso paralelo de geopolítica, segundo o fotógrafo, “dentro de um conceito ético-ideológico de vida”. E lembra que os conceitos dos livros dele são definidos por Lélia.
Mesmo traumatizada pela perda da irmã, Lélia estará nesta segunda numa editora em Trento (Itália) cuidando de detalhes do novo livro dele sobre o café com fotos produzidas em dez países, entre eles, Brasil, Costa Rica, Indonésia, China e Índia. Na sequência, ela irá a Nova York cuidar de uma exposição e, nas semanas seguintes, viaja para Lisboa, Berlim, Milão, Veneza e Xangai.
“Ela é muito forte, passou por inúmeros problemas pessoais, e temos um filho com Down”. E lembrou que Lélia representa o Instituto Terra que está empenhado em recuperar a nascente do rio Doce (MG); para isso, tiveram reuniões no Brasil com entidades e políticos. “Não dá para eu ser visto sozinho: sou eu e a Lélia”.
Apesar do cansaço e da tristeza, na curta entrevista que concedeu a um grupo de cinco jornalistas, Sebastião se mostrou disponível, postura percebida pelo modo apaixonado de se referir à mulher e parceira e pelo entusiasmo ao falar do trabalho – o que abriu brecha para eu lhe fazer uma pergunta mais intimista.
O filme mostra a fazenda da família onde ele nasceu e foi criado, em Aimorés (MG), completamente devastada. As imagens das montanhas sem árvores e o terreno seco foram feitas em 1998 por Juliano Salgado. Foi depois da dolorosa experiência em Ruanda, onde acompanhou o extermínio de que foi vítima parte do povo daquele país e quando produziu a série Êxodos, que Sebastião fez um movimento simbólico de retorno a Aimorés e publicou Gênesis, sobre áreas intocadas do planeta.
A volta ao princípio significou recuperar a fazenda por meio do plantio de dois milhões de árvores. Isto ocorreu há quinze anos com a criação do Instituto Terra, fundação que cuida do parque (hoje, público). As árvores estão lá, a água voltou, assim como os animais. Minha pergunta: o que o retorno mudou na sua vida profissional e pessoal? Ele responde narrando um episódio vivido no começo do processo de recuperação.
A equipe que acompanhou o trabalho inicial percebeu que ele conhecia bem a fazenda. E alguém lhe disse: “Você vive em Paris, mas nunca saiu daqui”. De fato, afirma, não se pode considerar o futuro sem pensar na própria origem. “As luzes das minhas fotos são de Aimorés, onde eu acompanhava meu pai a pé ou a cavalo, via o sol atravessar as nuvens ou atrás das montanhas. Meu barroco vem do barroco mineiro”.
E foi lá que ele decidiu “recarregar as baterias” depois de Ruanda, mas encontrou “território devastado”. O paraíso, diz, tinha se transformado num inferno. E lembra que o pai declara no filme que cortou as árvores para estudar os filhos. “Tudo o que construímos teve um preço, todos nós derrubamos para construir”.
Por fim, falou do prazer em ser dirigido pelo filho e contou que fizeram alguns trabalhos juntos. Quando Juliano tinha 16 anos, viajaram para a Etiópia e, depois, para Ruanda e em ambos ele escreveu tarefas escolares. “Depois ele resolveu fazer cinema e também acompanhamos trabalhos comuns em atividades diferentes”. E teoriza: “O cinema é lento, a fotografia é intuição. Mas foi especial, aprendi muito com eles (Juliano e Wim Wenders)
Juliano Salgado
O franco-brasileiro Juliano Salgado, nascido em Paris, disse estar orgulhoso por lançar o filme no Brasil porque este levanta questões importantes obre o País e o mundo. O próprio Wim Wenders narra no documentário que foi convidado para co-dirigir a fim de se obter olhar de fora, mas Juliano conta que Sebastião e Wim são amigos de trocar mensagens sobre seus respectivos times de futebol.
Para o cineasta, rodar O Sal da Terra serviu como reencontro com o pai, que passou a vida em viagens. Apesar de tê-lo acompanhado anteriormente em alguns trabalhos, Juliano admite que existia um distanciamento entre eles e o filme os aproximou.
Tal reaproximação começou depois de um trabalho juntos na tribo dos índios zo’é, no Pará. Juliano fez um curta-metragem e Sebastião se emocionou muito. “O curta abriu as portas para O Sal da Terra e, de repente, no processo de construção do filme e a rodagem viramos amigos”.
No início ele conta que não sabia como seria o filme, mas tinha intuição que enfocar a experiência dele era crucial. “E, para mim, a vida de Sebastião tinha uma dramaturgia e foi ótimo ele recontar histórias que eu tinha ouvido desde sempre”. Segundo o cineasta, Sebastião se interessa por pessoas e busca experiências humanas. “Acredito que é dessa intimidade que nasce a transcendência do trabalho dele”.
Sal da Terra foi indicado ao Oscar deste ano na categoria documentário. A estreia no Brasil acontece no dia 26, mas ainda não há previsão de lançamento em Campinas. (João Nunes, Especial para o Correio)
* Publicado no Correio Popular de Campinas em 22/3/2014
* Foto: Juliano Salgado, Sebastião Salgado e Wim Wenders