Emmanuelle Alkmin: alterar a estrutura, mudar a visão dos deficientes sobre si mesmos e conscientizar a população
A falta de visão não é obstáculo, sequer uma limitação, para Emmanuelle Alkmin. Como a maioria das mulheres, ela faz questão de estar sempre bem arrumada – maquiagem, perfume, belos vestidos e sapatos de salto alto estão entre suas escolhas frequentes – e levar uma vida independente, em busca de seus objetivos.
Não por acaso, seu nome foi escolhido para chefiar a Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida de Campinas.
Consciente das dificuldades enfrentadas diariamente pelos deficientes, ela luta para mudar o cenário no que diz respeito à estrutura do município e à conscientização da população e dos portadores de deficiência.
"Quero mudar a visão que as pessoas com deficiência têm de si mesmas e da cidade em relação a elas. Quero que os cidadãos tenham prazer de viver na cidade, de sair de casa para trabalhar, estudar, ir ao cinema, ao shopping, à praça de esportes, de estar na Lagoa do Taquaral, visitar restaurantes", almeja.
Metrópole – É a primeira vez que a senhora trabalha em favor dos deficientes como membro da administração?
Emmanuelle Alkmin – Não. Prestei assessoria jurídica de 2002 a 2004, mas é a primeira vez como secretária.
Como veio o convite para assumir a pasta?
Conheço o prefeito Jonas Donizette (PSB) e sua esposa há muitos anos e ambos conhecem meu trabalho. Quando ele estava lançando a candidatura, convidou-me para gravar um vídeo do programa para pessoas com deficiência. Não pude atender ao pedido porque estava com outras coisas na cabeça, como cursar um MBA. Porém, a instituição em que eu faria o curso me recusou quando descobriu que tenho deficiência visual. Senti de perto a exclusão, coisa que pensamos já ter sido superada. Fui para as redes sociais e denunciei. A instituição reconsiderou, mas era tarde. Foi muito desgastante me expor. Aquilo me fez aceitar participar da gravação. No final do ano, Jonas me procurou para criar e assumir a secretaria. Aceitei porque percebi claramente como ainda é difícil para os deficientes terem que brigar por direitos básicos como a educação.
Além desse episódio, a senhora sofreu preconceito outras vezes?
Sempre tentei levar essa questão de maneira tranquila. Acredito que há diferença entre preconceito e discriminação. O preconceito vem do desconhecimento – como a pessoa não sabe lidar com determinada questão, ela recua. Já a discriminação é quando o indivíduo tem conhecimento, mas não quer lidar com aquilo.
A senhora acredita que a deficiência passa mais pelo preconceito ou pela discriminação?
Creio que, atualmente, seja mais uma questão de preconceito, mas não posso afirmar que não há discriminação. Costumo dizer que viveremos em um país inclusivo quando um deficiente apresentar programas de televisão. Já existem atrações com a participação de deficientes, mas não como apresentadores. Ainda vivemos numa sociedade em que quem constrói é a pessoa sem deficiência.
A participação de deficientes em novelas e no cinema contribui para conscientizar a população?
Muito. Até pouco tempo, não víamos na televisão pessoas com deficiência. Éramos invisíveis. A personagem Luciana, vivida por Alinne Moraes na novela Viver a Vida (Globo), contribuiu muito para isso. O autor Manoel Carlos mostrou uma cadeirante que beijava na boca, que se casou, que era uma pessoa real. Apesar dessa visibilidade, a mídia precisa ter cuidado com a forma como nos retrata. Me chocou como as noites de núpcias de duas personagens foram retratadas de maneiras tão distintas em duas novelas da Globo. Em Caminho das Índias, a lua de mel de Maya (Juliana Paes) foi muito sensual, com pouca roupa, enquanto a de Anita (Danieli Haloten), de Caras & Bocas, foi comportada e com camisolão. Eu não quero uma lua de mel assim. Quero ter o direito de beijar na boca, de exercer minha sensualidade, minha feminilidade. O deficiente pode ser sensual como qualquer pessoa. Outro personagem que ajuda nessa questão é o Demolidor, pois subverte a lógica de que super-heróis são perfeitos, sem deficiências.
O que a secretaria pretende fazer pelo campineiro com deficiência?
Quero mudar a visão que as pessoas com deficiência têm de si próprias e da cidade em relação a elas. Quero que os cidadãos tenham prazer em viver no município, em sair de casa para trabalhar, estudar, ir ao cinema, ao shopping, à praça de esportes, estar na Lagoa do Taquaral, visitar restaurantes. O que me preocupa em Campinas é que os deficientes não ocupam espaços onde poderiam estar. É essa mudança que desejo promover. Para isso, as ruas e o transporte precisam ser acessíveis. Porque, se o transtorno é maior do que o benefício, não vou sair de casa.
E como alcançar esse objetivo?
Faremos um censo para saber onde estão as pessoas com deficiência. Imaginamos que elas representem 15% da população campineira. A pesquisa será realizada com georreferenciamento para levarmos políticas públicas a lugares com maior população e menos serviços. Vamos trabalhar com a integração dessas pessoas aos espaços e serviços públicos, fazendo com que esses estejam adaptados. Além disso, começamos a qualificar o funcionalismo público para atender os deficientes. Recentemente, houve uma capacitação em Língua Brasileira de Sinais (Libras).
E quando a população irá perceber, de fato, essas mudanças?
É um processo longo, mas o censo será mais rápido. Com todos os critérios que desejo para a pesquisa, imagino que esteja pronta em um ano. Antes disso, porém, vamos investir nas prioridades para esse público.
A senhora acredita que Campinas tem muitos obstáculos para os deficientes?
Sim, tanto arquitetônicos quanto de atitude. Por outro lado, é uma cidade bastante solidária. Nunca tive trauma ou desconforto com atitudes preconceituosas vindas da população. Fiz faculdade aqui, vou a festas, ao teatro e não me lembro de ter tido problema em relação à minha deficiência. O campineiro é solidário, ajuda sempre. Precisamos é eliminar os obstáculos, pois os cidadãos são dispostos ao bem. A missão da secretaria é transformar isso em atitudes específicas, em quebras de barreiras e na criação de uma cultura de ocupação de espaços pelas pessoas com deficiência.
A nomeação veio a partir da sua atuação nas redes sociais. Como é sua relação com computadores e internet?
O computador é minha janela para o mundo. Hoje, há programas que permitem que eu acesse sites, envie torpedos e e-mails e participe de redes sociais. Ainda existem limitações, como não poder ler uma mensagem impressa em imagens com extensão .jpg ou .gif. Porém, há smartphones que escaneiam esse tipo de imagem e fazem a conversão em texto. O computador me dá autonomia profissional e me sinto muito à vontade em trabalhar usando essa ferramenta.
Do que a senhora ainda sente falta no mundo digital?
Meu sonho é chegar a uma livraria e encontrar todos os títulos também em versões de áudio ou texto digitalizado.
A chegada de lojas especializadas em livros digitais ao Brasil não ampliou esse leque?
Sim. E isso aumentou o acesso do deficiente à leitura. Um avanço é o lançamento de títulos inteiramente digitais, que não são criados especificamente para deficientes, mas nos servem perfeitamente. O que falta é uma mudança de postura das editoras, que precisam entender que não é necessário desenvolver algo exclusivamente para a pessoa com deficiência, mas, sim, algo que seja acessível a todos.
Acredito que há diferença entre preconceito e discriminação. O preconceito vem do desconhecimento – como a pessoa não sabe lidar com determinada questão, ela recua. Já a discriminação é quando o indivíduo tem conhecimento, mas não quer lidar com aquilo"