Baú de Histórias

Rodopios pelo salão centenário

Rogério Verzignasse
rogerio@rac.com.br
05/05/2015 às 14:19.
Atualizado em 23/04/2022 às 15:16

Sala de tranca: clube serve de ponto de encontro para campineiros da terceira idade (Carlos Sousa Ramos/AAN)

A Sociedade Luís de Camões nasceu no final do século 19, com o objetivo de celebrar a memória do mais famoso escritor lusitano. Um de seus primeiros gestos foi a campanha cívica, realizada junto aos vereadores para que a praça em frente ao Hospital Beneficência Portuguesa fosse batizada com o nome do autor de Os Lusíadas. Em 1880, o grupo ergueu um espaço de lazer para os membros da colônia; um clube no qual grandes amigos se encontravam, conversavam, organizavam bailes e ouviam boa música. Foto: Carlos Sousa Ramos/AAN Sala de tranca: clube serve de ponto de encontro para campineiros da terceira idade No começo, o grêmio ocupou um espaço alugado na esquina da Francisco Glicério com a Bernardino de Campos. Depois mais organizada, a sociedade adquiriu um imóvel na Regente Feijó. Era uma casinha antiga, de fachada estreita e quintal imenso. O terreno, com mais de 400 metros quadrados, ganhou um salão de baile belíssimo, assoalhado, onde as bandas se apresentavam. Passados 135 anos da inauguração, o Grêmio Luís de Camões continua lá. Há muito tempo, porém, deixou de ser frequentado basicamente por gente da colônia para se transformar num ponto de encontro de campineiros da terceira idade. Gente de todas as raças, classes sociais, formações intelectuais e profissões. Pessoas que têm, em comum, a paixão pela dança; homens e mulheres que se conheceram ali quando jovens e nunca abandonaram o tango, a rancheira, o chorinho, o samba. Boa música para dançar coladinho, bem diferente das baladas e dos batidões que a garotada curte hoje em dia. Quem entra no grêmio dá de cara com um cenário intimista e familiar. Na sala principal tem um imenso armário envidraçado centenário, tomado de livros e sobre o qual fica o imponente busto do escritor, feito em gesso. Nas mesinhas, senhores de cabelos brancos se divertem jogando tranca e caixeta. Passando pela porta do escritório, a gente conhece Renato Júlio, um senhor de quase 83 anos que integra a diretoria do clube há quase cinco décadas. Ao lado dele, a companheira Maria Aparecida Burjandão Carrenho, de 66 anos, a Cidinha. Os dois abrem gavetas, procuram borderôs, mostram fotos. E contam que o clube sobrevive, com a maior honra, dos ingressos baratinhos vendidos na bilheteria - por R$ 10, o cidadão passa quatro ou cinco horas dançando. Foto: César Rodrigues/AAN Bailes de Carnaval das antigas: muita história pra contar O público é fiel. A cada tarde, cerca de 150 pessoas ocupam as mesas e o salão. Nos finais de semana e feriados, a casa lota e faltam cadeiras. O grêmio tem até sócios. São 50 homens e mulheres da velha guarda, que pagam R$ 35 de mensalidade e participam dos eventos sem pagar entrada. Júlio, presidente desde o final da década de 70, conta que a arrecadação nem sempre é suficiente para o pagamento da banda, dos vigilantes e dos faxineiros. E aí entra a criatividade. O barzinho é arrendado e as cartelinhas vendidas para o bingo, que acontece nos intervalos do baile, ajudam a quitar as contas. Foto: Carlos Sousa Ramos/AAN Busto do autor lusitano decora armário na sala principal Também há gastos com a contratação dos free dancers Adilson, Edi e Pedro, que passam a tarde tirando as senhorinhas pra dançar. O número de mulheres nos bailes é bem maior do que o de homens - tem dias que é o triplo -, mas é que muitos deles vão ao salão e ficam olhando de longe. Cinturas duras, não levam jeito pra dançar. Mas, e daí? A mulherada não fica sobrando nos cantos. Na maior, uma tira a outra pra dançar. E só fica parado quem quer. Apresentam-se no grêmio cantores e conjuntos da região, artistas que dão um duro danado para sobreviver, cantando em todo canto. O clube oferece caixas, equalizadores e mesa de som, e a banda chega com instrumentos musicais e microfones. E o resultado é espetacular. Bom, ninguém sabe quanto tempo o grêmio vai sobreviver. Apesar de oferecer lazer saudável e barato para muita gente, o clube nunca contou com ajuda do poder público. Paga um IPTU absurdo que passa dos R$ 8 mil. Imposto quitado com o lucrinho magro de cada baile, ao longo do ano todo. Mas Renato e Cidinha não reclamam. Hoje, dizem, o salão está lotado, animado. Depois eles pensam nas contas.

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