Iniciativa de professoras do 5º ano desfaz mitos e estimula a investigação e descobertas
Não é de hoje que, nas escolas particulares, os robôs já aceleram nas mãos de alunos nas aulas de robótica. Mas, nos colégios públicos, eles ainda patinam, a não ser por experiências como a da professora Gisele Flávia Alves Oliveira Giachetto, da Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Elza Maria Pellegrini de Aguiar, no Parque D. Pedro II, em Campinas. Ela e a colega Valéria Alves dos Santos Salgado, responsáveis pelas classes de 5ano, conseguiram, em 2013, incluir a robótica como atividade curricular e, a partir desse impulso, incorporar todas as disciplinas do currículo.
“Em muitas escolas, a robótica é colocada como uma aula extra, fora do horário normal, inclusive. Nossa proposta é utilizá-la como uma maneira de trabalhar as investigações, as descobertas e a interdisciplinaridade”, explica a professora Gisele.
O projeto começou tímido no ano passado, como um piloto, a partir da inclusão da escola no Programa Um Computador por Aluno (UCA), do governo federal, que distribuiu, em escolas públicas de todo o País, laptops para os estudantes. O projeto conta com o apoio do Núcleo de Informática Aplicada à Educação (Nied), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e as professoras tiveram o apoio do pesquisador João Vilhete para desenvolver as primeiras aulas de robótica, usando o programa Scratch, disponível nos computadores entregues aos alunos.
Como os resultados no ano passado, quando a atividade era complementar, foram acima do esperado, a escola resolveu adquirir um kit de robótica com peças, parafusos, roldanas, jogos e brinquedos de montar para que o projeto pudesse ser a chave do trabalho com todas as disciplinas do 5 ano. Na primeira fase, as professoras — cada uma responsável por uma turma de cerca de 27 alunos — questionaram os estudantes sobre os objetivos da robótica e como um robô pode ser incorporado à vida humana. “Interessante notar que, nessa primeira abordagem, a maioria tem a visão de um robô propagada pelos filmes, como um humanoide, com características que lembram o homem”, lembra Valéria.
Interdisciplinaridade
De posse desse levantamento prévio, as professoras organizaram, então, uma pesquisa bibliográfica sobre robótica. Nesse ponto, começou a interação entre as disciplinas. Em português, os alunos produzem os textos, fazem os relatórios das descobertas, estudam os gêneros textuais em que os materiais pesquisados foram produzidos e precisam exercitar a oralidade, apresentando os resultados aos colegas. Da mesma forma, em história e geografia, eles contextualizam a interação entre homem e máquina desde a Revolução Industrial e os locais em que essa prática está mais disseminada atualmente.
Em paralelo, os alunos aprendem a usar o programa que vão utilizar para projetar o robô. Como um primeiro exercício, cada grupo de cinco alunos teve que desenvolver um protótipo usando apenas o material disponível em casa, em geral sucata. Com os resultados, outros questionamentos: “Procuramos mostrar a função social da tecnologia e como o homem pode usar seus conhecimentos para o bem da sociedade”, conta Gisele. Isso porque, como os alunos têm cerca de 10 anos, é muito comum a imagem dos desenhos animados e dos filmes de ficção científica.
Depois dessa primeira tentativa e da contextualização sobre o papel dos robôs, o trabalho, neste ano, usou a temática água e sustentabilidade como estímulo. “Assim, envolvemos também os conteúdos de ciências”, afirma Valéria. No uso das ferramentas do programa de computador, em que, primeiro, o robô é esquematizado, os alunos também precisam de conceitos de matemática e de raciocínio lógico.
O desafio está lançado: agora, no segundo semestre, cada equipe de cinco alunos deverá projetar e produzir, usando o kit de robótica comprado pela escola, um robô que tenha utilidade diante dos problemas ambientais. “Já começam a surgir e a ser desenvolvidos, por exemplo, ideias sobre carros para a coleta do lixo, uma prova de que eles já absorveram que a robótica é mais do que a imagem fantasiosa que possuíam antes das aulas”, acredita Gisele. Os robôs que encerram as atividades devem estar pronto até o final do ano.
De acordo com Gisele, o objetivo do projeto é fugir dos modelos e permitir que os alunos descubram quais as etapas do processo de aprendizagem de qualquer conteúdo. “Em momento algum, nós damos uma receita de como um robô é feito. Vamos construindo o conhecimento e desconstruindo ideias equivocadas ou simplistas que os alunos trazem”, diz. Além disso, mesmo nos assuntos mais teóricos, de alguma forma, a robótica é envolvida. Dia desses, por exemplo, a professora trabalhava trânsito com os alunos e uma das formas de envolver o mundo tecnológico foi a explicação de como funciona um semáforo.
“Os alunos ficam mais envolvidos, pois isso aguça a curiosidade. Nós, professoras, também aprendemos muito, pois esse assunto não faz parte da formação de nenhum educador. É um aprendizado constante para todos, em que as bases são a problematização e a investigação”, afirma Valéria.