Assisti, com companheiros de redação, à batalha campal da última quinta-feira, em Campinas. Pela TV, a normalmente movimentada Avenida Anchieta, sem carros nem ônibus, como naqueles filmes de mortos-vivos. Um bloco de policiais do batalhão de choque se posta em uma esquina, a GM guarda a prefeitura, enquanto um grupo indistinto circula, disperso, pela pista oposta da avenida. Alguns param diante dos pontos de ônibus destruídos, e ao redor deles, detritos espalhados pelo asfalto, pelas calçadas, por tudo.Colegas meus estiveram lá, momentos antes, enquanto eu acompanhava aqui, do conforto da cadeira a que damos o nome de “atribuições” (e quase sempre estamos enganados nisso), o caos e a destruição se estabelecerem. Esses repórteres de quem estou falando voltaram de lá com os olhos vermelhos — de gás, pimenta e lágrimas —, com hematomas quase do diâmetro de uma bola de pingue-pongue. Foram por dever de ofício, arriscaram a pele e voltaram com um punhado de relatos e imagens que ajudam a compor o quadro de um país em convulsão, um país tomado por uma turbulência de proporções inéditas e que vem sendo discutida nas colunas de opinião e nos cafés.Esses relatos, aliás, estão ajudando a compor a história deste período. Vão compor os arquivos que estudiosos examinarão daqui a décadas, séculos talvez. Esses acontecimentos são a própria história, e daí a extrema importância de que sejam devidamente registrados. E para isso, a imprensa deve ter garantida seu direito de trabalhar. Deve ser protegida, respeitada, e não hostilizada.Além disso, as manifestações ganharam essas dimensões espantosas muito graças à cobertura que a imprensa vem lhes reservando.A revolução, enfim, televisionada, e transmitida, e impressa.Por isso, peço encarecidamente aos manifestantes mais afoitos, do tipo “sangue nos olhos”, aqueles para quem o confronto é parte indispensável dessas mobilizações, que respeitem os jornalistas. Foram eles, em primeiro lugar, que se postaram na linha de frente dos choques em São Paulo nos primeiros dias de protestos e registraram — e sentiram, literalmente, na pele — a truculência da polícia. Ao testemunhar essa truculência, repórteres, fotógrafos e cinegrafistas ajudaram a estancar uma possível e provável escalada da repressão estatal e garantir a população de exercer seu sagrado, democraticamente sacralizado direito de ir às ruas e gritar contra o atual estado de coisas.Há uma corrente, entre os manifestantes, que acusa a mídia de golpista, manipuladora, tendenciosa para justificar as investidas contra jornalistas e carros de reportagem. Ora, cada órgão de imprensa adota um recorte da realidade e interpreta fatos da maneira que sua linha editorial determina. De qualquer forma, a cobertura que tem sido feita pelos principais veículos pode ser resumida a um coro em sua maior parte uníssono: a favor dos manifestantes e suas reivindicações e contra a violência de qualquer natureza.No mais, não há distorção ou manipulação que dê conta de transformar fatos gritantes, óbvios, ostensivos — que se caracterizam por uma espécie de “hipervisibilidade”, porque se desenrolam no palco das ruas — em algo que eles não são. Um jornal que se embrenhar por esse caminho está cavando a própria cova.Por isso, volto a pedir respeito para com meus colegas repórteres. Eles, que escrevem, fotografam e filmam, são essenciais na construção desse painel a que chamamos de realidade e sobre o qual temos nos debruçado, ainda atônitos, na ânsia de entender o que está acontecendo. São fundamentais também em assegurar o funcionamento desse sistema complexo chamado democracia, sem a qual estaríamos todos, irrecorrivelmente, sujeitos à máquina repressora de um Estado autoritário, impiedoso e despótico