ANTÔNIO CONTENTE

Renata, a bela

18/02/2013 às 05:00.
Atualizado em 26/04/2022 às 04:16

Ele estava meio distraído quando, num encontro em supermercado, o amigo lhe disse que tinha visto Renata. Deu rapidamente detalhes de que ela continuava absolutamente linda apesar de ter sido beldade que espargia encantos nos anos 60. Antes de deixar a mesa da lanchonete interna para ir às compras detalhou, fascinado, que quanto mais o tempo passava, mais bonita ela parecia. — Se você não quiser acreditar — sorriu — não acredite. Mas está melhor hoje do que no passado... Outra vez sozinho, nosso herói foi totalmente tomado pela remotíssima lembrança de Renata. Tão mais importante exatamente por nunca, jamais, em tempo algum ter trocado a mais ínfima ou remota palavra com ela. Apenas a via, de longe, pelas ruas do Cambuí, pelas manhãs no clube ou mesmo em alguma festinha de amigos comuns. Mas o importante era a cálida certeza de que, para qualquer ser humano de imaginação e sensibilidade, mediana que fosse, tornava-se absolutamente impossível ver a jovem e seguir em frente incólume aos seus encantos. Certa vez, num coquetel, ele parou e, de longe, meio escondido atrás das ramas de um vaso, navegou pela figura de Renata. Cujos olhos, que nunca soube de que cor eram por nunca tê-los visto de perto, emitiam cálida luz. E o sorriso, alvo, limpo, bom, de dentes mais brancos do que as neves do Kilimanjaro, guardava a melhor síntese da alegria de ser mocinha e bela; para júbilo dos mortais e a satisfação dos deuses pelo primor da criação que neste mundo lançaram. Mesmo não tendo caído vítima, sempre que via Renata imaginava que a humanidade inteira, independente de idades, nacionalidades, condições sociais, religiões, culturas etc. era apaixonada por ela. Houve tempo, até, que, ao ser convidado para algum evento, sentia ímpetos de perguntar se a criatura lá estaria. Não, nada, ele jamais teria condições de sequer se aproximar, porém, imaginar sua presença era a certeza de que seria invadido, tomado, acariciado pela completa sensação de estar sendo iluminado diante de tanto charme e formosura. Os mínimos gestos da beldade, afinal, quando papeava nas rodas sociais, eram de pássaro em quase voo. As sutilezas de qualquer claridade faziam parte da aura que emanava das pontas dos seus dedos. Uma noite, as mãos dela estiveram tão perto de nosso encantado, de passagem para o outro lado da sala, que teve certeza: nelas se concentravam variadas sínteses de melodias. No clube, em inesquecível manhã, foram os cabelos. Na verdade Renata chegou à beira da piscina com os fios presos. Ao soltá-los para se recostar na cadeira branca mostrou onde os pintores renascentistas Andréa del Sarti, Benvenuto Tisi, David Ghirlandaio e Girolamo Salvodo captaram as nuances de luzes e sombras que colocaram em cada rosto feminino que eternizaram em telas. Depois, em tantas andanças, em tantos tempos que acabaram por se tornar pequenos para tanto correr de vida, nunca mais ele viu a musa. Em conversas rápidas de passagens por aqui ou por ali, vagas informações davam conta que ela vivia a vida que as pessoas do seu meio viviam, em plenitude e amplidão. Mas o precioso detalhe era, invariavelmente, murmurado. Se por homens, com franca admiração; quando por mulheres, com certa ponta (quem saberá?), de inveja: — A Renata? Santo Deus, tá linda. E assim navegava nosso personagem pelo passado ali na lanchonete do supermercado, quando o amigo, agora com carrinho carregado de compras, voltou com um café e sentou. Antes que desse o primeiro gole foi fulminado com a pergunta: — Afinal, onde foi que você viu a bela Renata? — Ora — ele respondeu — ontem, na rua Conceição, descendo de um ônibus. Como te disse, continua linda... — Ônibus? Mas que Renata é essa, rapaz? A Renata, que eu saiba, nunca, jamais, em tempo algum, andou de ônibus... Se viu alguns na vida foi apenas em fotografias! — Mas como? De que jeito você acha que ela ia pro trampo de vendedora na loja da Treze de Maio, naqueles bons tempos em que a gente a paquerava?Sem conseguir dizer mais nada, o fulano levantou, disse tchau e foi embora. Caminhou até o City com a convicção de que o nome até pode ser comum. Mas a verdadeira dona dele era a que povoou suas lembranças enquanto o amigo fora fazer as compras. Das quais, aliás, teria sido melhor que não tivesse voltado...

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