Em entrevista exclusiva, José Tadeu Jorge diz que não há convênio com a polícia
Reitor fala sobre impasses na Unicamp ( Dominique Torquato/AAN)
Há mais de uma semana que o reitor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), José Tadeu Jorge, não consegue colocar os pés em seu gabinete para trabalhar. Ele tem tocado as questões da instituição em um local improvisado enquanto cerca de 200 estudantes mantêm a invasão do prédio de forma persistente desde o último dia 3. Garantindo ser uma pessoa sempre aberta ao diálogo desde o primeiro dia de gestão — iniciada no último mês de abril —, ele avalia que a mobilização estudantil poderia ter sido evitada. “Considero a invasão desnecessária. Essas preocupações que os estudantes têm poderiam ser levadas a conhecimento da reitoria e nós iríamos fazer do diálogo a maneira de tratar esses assuntos”, afirma. Na tarde de quinta-feira (10), José Tadeu Jorge apareceu pela primeira vez após a invasão da reitoria e do assassinato do estudante Denis Papa Casagrande, de 21 anos, em uma festa na universidade. O reitor da Unicamp concedeu uma entrevista exclusiva ao Grupo RAC. Ele criticou a postura de alguns manifestantes de não respeitarem posicionamentos contrários à ocupação, muitos vindos da própria comunidade acadêmica. “Essa radicalização para fazer prevalecer uma vontade é completamente estranha à maneira da universidade se comportar. A riqueza da Unicamp é justamente o número de opiniões que existem aqui, bastante distintas. Nós temos muitas pessoas que têm simpatia pelas teses defendidas pelo pessoal que invadiu a reitoria, mas que discordam da invasão. Justamente essa pluralidade e riqueza de visões diferentes é que engrandece a universidade”, comentou Tadeu.Sobre a polêmica da presença da Polícia Militar (PM) no campus, uma questão antiga que ganhou força novamente após o assassinato do estudante no último dia 21 de setembro, o reitor considera que o sistema de segurança da instituição, que deverá passar por um aprimoramento, é capaz de tratar do dia a dia da universidade, mas que o pedido de ajuda em casos emergenciais não deve ser descartado. “Nós achamos que a universidade tem capacidade de montar um plano de segurança sem necessitar de rondas ostensivas da PM aqui dentro. Mas é preciso criar normatizações que mostrem quando e como. Em situações de emergência nós teremos que recorrer a outras instituições para nos ajudar”, explica. RAC - A reitoria foi invadida por alguns alunos e isso tem causado prejuízos à universidade e aos próprios estudantes. Qual a opinião do senhor sobre isso?José Tadeu Jorge - Considero a invasão desnecessária. Desde que nós assumimos a reitoria, no dia 20 de abril deste ano, não houve nenhuma demanda de reunião, conversa ou negociação, sobre qualquer tema, que não tenha sido atendida por qualquer entidade ou grupo que represente a universidade. Fizemos duas reuniões com o DCE (Diretório Central dos Estudantes) diretamente com a minha presença e outras duas com a presença do pró-reitor de graduação, tratando de temas mais específicos da vida acadêmica. Ainda nos reunimos com a associação de pós-graduandos, com as ligas das atléticas, com o núcleo das empresas juniores, com os representantes da moradia estudantil. Enfim, não houve nenhuma pauta que quiseram tratar com a reitoria que nós não tenhamos dado atenção. Portanto, foi absolutamente desnecessária a invasão. E isso aconteceu não apenas com os estudantes. Temos também reuniões mensais com o sindicato dos trabalhadores e a mesma coisa com a associação de docentes. O diálogo é a marca dessa gestão. O senhor acha que há algum interesse político ou ideológico de desestabilizar a sua posição na universidade? Acho que não. Eu não sou uma figura política, sou uma figura de dirigente e de gestor acadêmico. Não faria sentido, ou seria uma avaliação equivocada imaginar que, desgastar a minha imagem ou a da minha gestão, pudesse comprometer algum projeto ou intenção. Mas percebe-se que há sim uma série de manifestações (dos invasores) que não são da competência e nem dizem diretamente respeito à universidade. Basta verificar as manifestações em relação ao Haiti, a movimentos de professores até mesmo de outros estados ou a questão dos acontecimentos no Rio de Janeiro envolvendo o Amarildo (ajudante de pedreiro Amarildo de Souza, desaparecido no dia 14 de julho após ser levado para averiguação por policiais da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da favela da Rocinha). São coisas que a universidade não tem competência para resolver. Após o assassinato do estudante Denis Papa Casagrande foi retomado o debate sobre a presença da PM na universidade. A PM vai atuar por aqui?A Unicamp não tem nenhum convênio com a PM. A PM não está no nosso campus. Aliás, ela não está em nenhum dos campi da Unicamp. Portanto, a ideia de que a PM já se encontra na universidade é completamente equivocada e não corresponde a realidade. Mas a PM não poderia ao menos entrar na universidade em alguns momentos?A PM não precisa, por delegação constitucional, de autorização para entrar no campus. No entanto, acho que as coisas devem ser colocadas no lugar correto. Após o infeliz acontecimento do assassinato do nosso estudante, houve uma oferta do governo do Estado de São Paulo de que a polícia estava à disposição da universidade para ajudar. O nosso entendimento foi de aceitar a oferta de ajuda, no entanto, remeter isso ao nosso Plano de Segurança (definido pelo Conselho Universitário, o Consu). É preciso que a universidade debata isso com todos os segmentos, todos os órgãos, faculdades e institutos para verificar, como fazemos em todos os grandes temas, qual é a opinião da comunidade. Qual procedimento que ela consideraria correto em relação a segurança nos campi da universidade. O Plano de Segurança precisa, necessariamente, tratar de todas as ações que a comunidade vai fazer e de como isso funciona no dia a dia e nos momentos de emergência. No dia a dia, certamente a Unicamp não precisa de rondas ostensivas da PM. Ela consegue fazer isso com a estrutura que tem, com o aperfeiçoamento do sistema que a universidade usa na segurança. O meu programa de gestão, registrado na Secretaria Geral da universidade na primeira semana de fevereiro, já falava disso. O item 8 fala do aperfeiçoamento das nossas ações de segurança. Fala de coisas que nós ainda não temos, como pontos fixos de vigilância, do aperfeiçoamento do sistema de guaritas, da iluminação. Fala de uma série de ações que podem contribuir para a melhoria da segurança da universidade em seu dia a dia. Nesses aspectos, a universidade não precisará da PM. E, se tivermos uma emergência, evidentemente que nós precisaremos acionar outras instituições. O que aconteceu nos dias subsequentes ao assassinato foi que a polícia tinha ações aqui dentro. Tinha sido cometido um crime aqui! Mas isso foi dentro do que nós podemos considerar como uma situação emergencial. Mas e a opinião do senhor sobre isso?Nós achamos que a universidade tem capacidade de montar um plano de gestão sem necessitar de rondas ostensivas da PM aqui dentro. É preciso criar normatizações que mostrem quando e como, em situações de emergência, nós teremos que recorrer a outras instituições para nos ajudar.Em entrevista recente ao RAC, a coordenadora do DCE, Carolina Figueiredo, afirmou que há um distanciamento da reitoria em relação aos estudantes. Essa barreira existe?Ela deve estar se referindo a alguma outra gestão e não a minha. Eu, pessoalmente, fiz duas reuniões com o DCE nos quase seis meses que nós estamos na reitoria; sempre discutindo as pautas que eles apresentaram. Foram sempre reuniões bastante tranquilas e proveitosas. Da nossa parte, não procede nenhuma manifestação de distanciamento. Esperamos continuar discutindo questões para avançar. Eles (os estudantes) falam muito algo do tipo assim: “A Unicamp não tem um programa cultural denso, que possa suprir as necessidades”. Acho que precisamos entender um pouco melhor o que isso significa. Durante o ano de 2012, nós tivemos, só na Casa do Lago, 450 eventos. Isso é mais do que um evento por dia ao longo do ano... e só na Casa do Lago. Como as portas estão abertas para o diálogo, o senhor considera que a invasão da reitoria foi um abuso?Você não resolve ações extremadas respondendo com ações extremadas. O que nós estamos produzindo é o diálogo, é a negociação. Até porque, ao determinar a reintegração de posse, o juiz fez esse pré-requisito de que se negociasse para buscar o entendimento e a conciliação entre as partes. Entendemos que esse é o mecanismo natural no meio universitário. A divergência é a matéria-prima mais importante da universidade. Sem divergência, o conhecimento não avança. Ela é o combustível de funcionamento da universidade. E a universidade está acostumada a encarar as divergências e fazer o diálogo e o debate. Eu acredito que as duas reuniões já realizadas (com os manifestantes) fizeram avançar o entendimento. Só que negociação em clima de tensão e intranquilidade é sempre bem mais complicada. A nossa aposta é que vamos conseguir o entendimento. Haverá uma nova rodada de conversas amanhã (hoje) cedo e esperamos que isso possa avançar no sentido de produzir o entendimento que resolva essa situação e que permita que os temas possam continuar sendo discutidos. Em alguns pontos da Unicamp há piquetes que impedem o trabalho dos professores e a entrada de alunos que não querem fazer parte dessa paralisação. Isso mostra que a universidade está rachada...Qualquer ação de constrangimento físico é indevida. O convencimento é a questão mais correta em termos de procedimento quando você quer trazer alguém para as suas bandeiras, para as suas teses, para defender as mesmas coisas que você defende. O constrangimento físico produz o efeito contrário. Certamente, afasta a oportunidade da pessoa ouvir um argumento e, talvez, até concordar com a tese que está sendo defendida. Não podemos concordar com ações de constrangimento físico, principalmente na universidade, por causa desse caráter da importância da divergência e do debate no meio acadêmico. Essa radicalização para fazer prevalecer uma vontade é completamente estranha à maneira da universidade se comportar. Até porque a riqueza da universidade é justamente o número de opiniões que existem, bastante distintas. Nós temos muitas pessoas que têm simpatia pelas teses defendidas pelo pessoal que invadiu a reitoria, mas que discordam da invasão. Justamente essa pluralidade e riqueza de visões diferentes que engrandece a universidade. Qual tem sido o comportamento do senhor nos últimos dias? Consegue trabalhar normalmente ou tem que se esconder?Não tenho me escondido. Pelo contrário, eu circulo normalmente pela universidade. Como estou aqui há 40 e tantos anos e conheço praticamente todo mundo, então, mantenho uma “quase” vida normal. Até porque eu não estou no meu lugar fixo de trabalho; algo definido pelo mandato que a própria comunidade me deu. Fizemos todas as ações possíveis para minimizar os impactos de não poder contar com o acesso ao prédio da reitoria. As pró-reitorias estão funcionando em lugares distintos para prosseguir as ações. Acontece que há coisas que, fisicamente, estão no prédio. Essas coisas que estão lá não têm como continuar. Os prejuízos que a ocupação causa se referem, quase que exclusivamente, a necessidade de contar fisicamente com coisas que estão no prédio da reitoria. Basicamente são processos de pagamentos de bolsas, documentações relativas a intercâmbios, convênios e contratos. Há um grupo de estudantes que iria para o Japão, e que eu espero que ainda vá, que os passaportes estão no prédio da reitoria. Se não conseguirmos liberar isso a tempo pode ser um prejuízo mais significativo. Os principais envolvidos na invasão serão punidos?Não sabemos. Não há ainda uma abertura de sindicância para apurar a invasão em si. Sempre que envolve prédios públicos e um possível ônus para o patrimônio, nós somos obrigados a abrir uma sindicância. Então, certamente, essa medida será tomada, procurando apurar esses acontecimentos. Mas há uma diferença de interpretação de sindicância. Os estudantes entendem que sindicância é feita para punir. Talvez, eles tenham razão para pensar desse jeito... mas, do ponto de vista da gestão, a sindicância é feita para detectar falhas e produzir correções que aperfeiçoem o sistema. O que é possível garantir é que nenhuma sindicância levará a qualquer tipo de análise ou conclusão do ponto de vista ideológico ou de pensamento. Os estudantes encontraram garrafas de vinho na reitoria e fizeram fortes críticas em relação a isso.Não há adega no gabinete da reitoria... Tradicionalmente, o gabinete faz uma festa de confraternização no final do ano. Sempre fora daqui. Esse ano será num clube. É um jantar por adesão e as pessoas são avisadas da data, do valor e fazem as suas compras de convites. Os vinhos que serão, ou seriam, servidos nessa festa tinham sido comprados alguns dias antes e colocados provisoriamente em um armário no gabinete. Não na minha sala, como dizem... Estávamos esperando o momento, a disponibilidade do carro de alguém para levá-los para um lugar mais definitivo. E as festas no campus? Os estudantes reclamam que a reitoria não apoia a realização delas ou não dá uma estrutura mínima. Vocês não sabiam da festa em que ocorreu a morte?Nós nunca dissemos que não sabíamos da festa. Mas não adianta saber que vai ter uma festa. Nós precisamos saber a dimensão da festa, o tipo de público, os limites de área em que ela vai ser realizada. Esses dados são os que a deliberação do Conselho Universitário (documento A-009/2009, de 15 de dezembro de 2009) pede que nos sejam encaminhados. O que aconteceu nessa festa do dia 21 é que o volume de pessoas começou a se mostrar extremamente grande a partir das 23h. Foi quando a vigilância da universidade pediu ajuda. Agora, qual é a questão? Essa mesma deliberação do conselho tem um item que proíbe bebidas alcoólicas no campus. Existe uma lei que diz isso e a deliberação do conselho não pode ignorar a lei. É com essa cláusula que os alunos não concordam. Eles querem realizar festas com bebidas alcoólicas, o que a lei proíbe. Isso não é possível admitir. Esse é o verdadeiro impasse. 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