CAMPINAS

Regularização do loteamento Santo Antônio desafia a Prefeitura

Núcleo habitacional, na região dos DICs, foi descaraterizado com as invasões de terra e com comércio informal de terrenos

Rogério Verzignasse
10/06/2015 às 05:00.
Atualizado em 23/04/2022 às 11:06
Há ruelas de terra; ligações clandestinas de água e luz; esgoto correndo ladeira abaixo, lixo amontoado ( Carlos Sousa Ramos / AAN)

Há ruelas de terra; ligações clandestinas de água e luz; esgoto correndo ladeira abaixo, lixo amontoado ( Carlos Sousa Ramos / AAN)

O governo municipal faz esforço concentrado para regularizar a situação fundiária do Núcleo Habitacional Santo Antônio. O loteamento, na região dos DICs, foi aprovado pela Prefeitura há mais de 50 anos, mas descaracterizado com o tempo. As sucessivas invasões de terra e o comércio informal de lotes criaram um bairro completamente diferente do oficialmente reconhecido. Surgiu um emaranhado de vielas. Quadras improvisadas não existiam na planta. Há ruelas de terra; ligações clandestinas de água e luz; esgoto correndo ladeira abaixo, lixo amontoado. E o mais preocupante é que as ocupações não param. Ninguém sabe exatamente qual é a população do bairro. Nem quantas famílias pagaram por seus terrenos.Diante do quadro, a Companhia de Habitação Popular de Campinas (Cohab-Campinas) e a associação de moradores local firmaram um contrato que, desde novembro, se propõe a traçar um diagnóstico técnico, jurídico e social do núcleo. A Prefeitura quer garantir escrituras para famílias instaladas em terrenos regulares, e planeja a remoção de quem ocupa áreas clandestinas.A presidente da Cohab-Campinas e secretária municipal de Habitação, Ana Maria Minniti Amoroso, se aproximou da associação porque a reconhece como legítima representante de moradores que chegaram no bairro há décadas, pagaram pela terra, mas ainda hoje sofrem sem serviços públicos essenciais. A entidade — que funciona em um barracão erguido com mão de obra voluntária, em terreno doado pela Prefeitura — possui um levantamento minimamente confiável sobre o número de moradores do grupo. São 1,4 mil famílias cadastradas. Mas há pelo menos outras 400 vivendo em barracos, nas glebas ocupadas irregularmente. O presidente da Associação dos Moradores do Núcleo Santo Antônio, Pedro da Silva, reconhece que os números não representam a população efetiva, já que adultos e crianças chegam sem parar. Quando não erguem novos barracos, são acolhidos por parentes e conhecidos já instalados. Puxadinhos e divisórias de madeira permitem que até seis famílias morem no mesmo terreno. Há pontos onde a mesma ligação na rede de água abastece inúmeras moradias.O cadastramento superficial dos moradores — assim como as reuniões periódicas — são organizadas por 12 moradores pioneiros, que trabalham de graça. A entidade não tem associados, não arrecada um centavo. E tudo ali na sede — tijolos, sofás velhos, geladeira, cadeiras — foi arrecadado de porta em porta. Há instrutor dando aula voluntária de capoeira para a molecada. E o barracão de 400 metros — com paredes sem revestimento, piso rústico e telhas metálicas — é cedido como salão de festa para casamentos e aniversários. É simplicidade absoluta. A estrutura de lazer de limita a uma mesa velha de pebolim e uma biblioteca de livres infantis doados por organizações não governamentais. Seo Pedro, paulista de Adamantina, chegou em Campinas em 94 e começou a trabalhar em uma fábrica de ração. Na época, ele pagou R$ 1,2 mil pelo terreninho. Construiu sua casa e educou quatro filhos. Um dos primeiros moradores do “enorme descampado de antes”, ele fazia amizade com quem chegava. Hoje, aposentado, passa o dia todo na associação. E nem ele mesmo sabe dizer há quantos anos está na presidência. É um mandato atrás do outro. Eleito quase sempre por aclamação, o homem não tem adversário. A campanha de regularização fundiária, fala, renova a sua esperança de viver em um lugar decente, seguro, estruturado. Mas ele sabe que a missão não é das mais fáceis.O governo municipal, alerta, vai lidar com pessoas sem o menor compromisso com o bairro, e sem interesse no projeto. O crescimento desordenado, como em toda metrópole, criou uma comunidade repleta de desconhecidos, suspeitos, aproveitadores. E os problemas apareceram. À noite, fala, ninguém se atreve a andar na rua. Há tráfico, violência. “Polícia, por aqui, só quando tem um corpo jogado no chão, ou quando a Justiça manda derrubar barracos”, fala, conformado.Loteamento surgiu no final da década de 50O Núcleo Habitacional Santo Antônio nasceu no final da década de 50. As primeiras quadras apareceram às margens do estradão que, hoje em dia, é avenida que liga os atuais Jardim Itatinga e Jardim Vista Alegre. Empresas e proprietários particulares compraram os primeiros lotes. E, entre os pioneiros, muita gente se estabeleceu e fez a vida por ali. Ruas como a Abrolhos e a Canárias, por exemplo, se tornaram as veias comerciais do novo bairro: há supermercado, restaurante, varejão, farmácia, loja. E quem anda pelo lugar ouve belas histórias de trabalho e superação. Caso, por exemplo, da contada por João Amadeus, cidadão de 45 anos que aportou por ali em meados dos nos 90. Paranaense de Caloré, na região de Apucarana, ele cresceu na roça, plantando grãos. Se casou, tomou coragem, vendeu o sítio, se mudou para Campinas. Abriu uma loja de materiais de construção com um sócio e nunca mais saiu dali. Ele começou a erguer a própria casa. E não acabou até hoje. A escada pra laje de cima nem tem corrimão. E o quintal onde devia ter jardim serve de garagem para o caminhão que transporta areia. Ah, ele não se esquece da terra natal. Usou até o nome da cidadezinha paranaense na loja. Mas ele gosta muito do Núcleo Santo Antônio. Do piso superior da morada, mostra orgulhoso o bairro cada vez maior: uma profusão de barracos, casas modestas, ruelas estreitas. O comerciante não fala de violência, pobreza, precariedade. Otimista, elogia o povo, que o povo constrói o núcleo aos pouquinhos. “Um dia minha casa fica pronta. Tenho paciência. O começo é difícil, mas a gente acaba”, diverte-se.

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