CHEF LAURO

Reaproveitar é preciso

Lauro Lucchesi
04/04/2013 às 07:00.
Atualizado em 25/04/2022 às 21:53

Aqueles que um dia conseguirem mensurar e colocar na ponta do lápis o desperdício de alimentos na cozinha de casa, sejam os industrializados ou os in natura, certamente terão uma surpresa desagradável. Aposto até em um leve desconforto na alma daqueles mais sensíveis e caridosos. Um pouco disso, um tico daquilo, um bifinho abandonado no freezer, uma latinha esquecida na despensa cuja data de validade expirou; a somatória, no final do mês, faz volume.

Mas não é somente entre as quatro paredes do lar doce lar que há tal displicência. Então vamos multiplicar: acendendo os holofotes, primeiro em direção aos centros distribuidores e estabelecimentos comerciais e, depois, rumo ao campo e a indústria, aí a coisa é de arrepiar: teremos números medonhos. Mas o que se perde no campo, na indústria e no comércio é assunto para outra hora, meia volta lá, para casa!

Muitos pratos hoje populares e outros até sofisticados têm sua origem em um cenário de precariedade, um berço simples, humilde. Em tempos de crise ou de escassez, como na quebra da produção de alimentos por motivos climáticos, ou geradas por conflitos sociais, políticos e mesmo econômicos, condenavam a dona de casa ou à matriarca a trabalharem com um orçamento de guerra; eram obrigadas a reduzir os desperdícios a zero.

Era, de fato, uma cozinha de emergência, e que impunha uma regra incondicional para a sobrevivência: o reaproveitamento. E é nesta cozinha “pobre”, em especial na Europa dos séculos 18 e 19, que entram em cena o senso comum e sabedoria daquelas pessoas que tinham por função preparar as refeições, trabalho quase sempre reservado às mulheres.

Na Itália, de herança, para citar apenas alguns, caldos e sopas como os minestrones e canjas, os cozidos, bruschettas, frittatas (omeletas) recheadas com macarrão, legumes, verduras e nacos de queijos e os clássicos arancini, bolinhos de arroz fritos feitos com as sobras do risoto. As massas recheadas também saíram ganhando, principalmente em diversidade e sabores, nesta cultura de reaproveitamento.

Muitos dos recheios se faziam, variando de região a região, juntando um naco de presunto ou carnes de caça, porções de queijos, pães amanhecidos, biscoitos, legumes e verduras e depois coroados e aromatizados com ervas fresquíssimas retiradas das hortas e especiarias. Muitas destas receitas até hoje são intocáveis, uma verdadeira viagem entre sabores. Já pra cozinha!

Vovô raviolo

Rastrear a origem de cada formato e recheio de massa na Itália é uma tarefa longa. Serei breve: os tortelloni são uma variação dos cappelletti, que por sua vez são um subproduto dos ravióli (plural de raviolo), o vovô de todas elas, originalmente com formato quadrado e uma das primeiras massas recheadas criadas na Itália no século 13 e preparados em caldos de carne ou legumes.

À medida em que as massas recheadas viajavam de região para região, os patisseiros e masseiros iam mudando ou adaptando seus formatos para deixá-los dignos de seu território e seus senhores. Os ravióli, inicialmente quadrados, ganharam depois o formato triangular. Alguém um dia teve a brilhante ideia de enrolar as pontas do pequeno triângulo de massa recheada e ele tomou a forma de um chapeuzinho, daí cappelletto, no singular.

A nobreza da Bolonha não queria em seus domínios os cappelletti triangulares, já tradicionais no Piemonte, e exigiu de seus cozinheiros um novo formato e de triangular passou ao formato de meia lua que, por sua vez, tendo suas duas pontas unidas por pressão manual, tornaram se um elegante tortellini. O tortelloni é, portanto, uma peça de massa maior, recheada e própria para ser consumida com molho e não caldos.

Tortelloni al ragu Ricco alla Napoletana

(para 6 pessoas)

Para a massa

- 280 g de farinha de trigo; + ou – 3 xícaras (chá);

- 3 ovos, levemente batidos;

- 1 fio de azeite extra virgem;

- 1 colher (sopa) de vinho branco seco;

- 1 pitada de sal

Para o recheio

- 200 g de ricota fresca;

- 3 colheres (sopa) de parmesão ralado;

- 2 colheres (sopa) de salsinha verde, picadinha, fininha;

- 1 colher (sobremesa) de noz moscada ralada;

- 1 gema de ovo;

- 1 fio de azeite extra virgem;

- 2 colheres (sopa) de pão italiano torrado e raladinho (só o miolo);

- Sal e pimenta do reino a gosto.

Para o molho

- 50 ml de azeite extra virgem;

- 5 dentes de alho, picadinhos;

- 1 cebola branca, pequena, raladinha;

- 1 talo de salsão, finamente picado, em lasquinhas transparente;

- 1 colher (sopa) de cenoura raladinha;

- 10 folhinhas de manjericão, rasgadinhas com a mão;

- ½ xícara (chá) de cebolinha verde, picadinha;

- 400 g de molho de tomate, de boa procedência;

- 12 tomatinhos doces, cortados ao meio e confitados;

- Orégano, sal e reino a gosto.

Vamos lá

Preparo primeiro o recheio: junto todos os ingredientes em uma vasilha e amalgamo bem até obter uma pasta homogênea; cubro com um pano úmido e reservo na geladeira.

Trabalho então o molho: aqueço ligeiramente, até murcharem, o alho e a cebola no azeite. Agrego o salsão, a cenoura, mexo e remexo; chegou a vez do molho de tomate: coloco todo ele, mexo delicadamente e, em fogo baixo, permito que apure por 30 minutos (se carecer, agrego um pouco de água quente). Junto então a cebolinha, o orégano, o manjericão, os tomatinhos, a pimenta do reino, confiro e ajusto o sal e deixo no fogo por mais 8 minutos. Desligo e reservo, para o molho descansar e arrefecer o estresse do calor.

Vou então para a massa: em uma vasilha grande, de louça ou vidro, misturo aos poucos, com as mãos, todos os ingredientes; transfiro para a bancada de pedra enfarinhada e trabalho, sem sovar, até obter uma massa homogênea, lisa, que não grude nas mãos. Caso necessário, uso um pouco, muito pouco, de água. Cubro com um pano úmido e de deixo descansar por ½ hora em lugar fresco e sem luz. Volto a massa na pedra e com um rolo ou cilindro abro a massa em folhas largas até atingir + ou – 1 ½ mm de espessura.

Com um aro de metal redondo (ou o auxílio de uma peça de vidro) de 14 cm de diâmetro, corto a massa, acomodo uma boa quantidade de recheio, cubro com um lado do circulo de forma que fique mais curto que o outro lado (vamos obter a forma de um rissole, mas onde as bordas não se encontram). Enrolo então o semicírculo de massa, comprimo as bordas inferiores, coloco-a em pé e deixo secar por 20 minutos.

Fervo 3 litros de água com uma colher (sopa) de sal grosso e cozinho as massas 1 a 1: assim que a massa vier à tona, deixo ferver por mais 2 minutos; retiro e transfiro para um escorredor. Passo um fio de azeite no fundo do prato que irá à mesa, acomodo um ou dois tortelloni no prato, cubro com um pouco de molho, polvilho um tico de orégano, decoro e sirvo imediatamente. Por regra, ele não pede queijo ralado por cima, mas nada impede de você usar um parmesão ralado bem fininho.

Veja só

Utilizei nesta receita farinha tipo 1, de boa qualidade, e não semolina de grano duro. Você poderá optar pela semolina, que dará uma massa ainda com melhor qualidade. Se quiser aumentar a receita mantenha a proporção de 1 ovo para cada 90g de farinha de trigo para dar mais elasticidade à massa que será recheada.

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