A química é exata, mas o homem não. Ambos, para existir, dependem de ligações e covalências, doações e compartilhamentos. A primeira é previsível e, portanto, ciência. O segundo, porém, perambula (e é regido) por um universo instável, feito de desejo, ganância, ódio, desprezo, amor, solidão e medo. A química é impessoal, enquanto o homem é capaz de paixões extremas, para o bem e para o mal.
Em "Breaking Bad", série da TV americana exibida no Brasil pelo canal AXN, essa dualidade, esse embate entre dois polos é a história de Walter White, um químico brilhante e de futuro promissor que, por uma série de circunstâncias e escolhas equivocadas, termina sua carreira como professor de uma escola secundária. Mal remunerado, tem uma família para sustentar — uma mulher grávida e um filho adolescente com deficiência. E descobre ter câncer de pulmão em estágio avançado.
O químico toma uma atitude drástica, surpreendente para um sujeito meio bundão e de temperamento um tanto passivo (ainda que pontuado aqui e ali por pequenos ataques de fúria): se associa a um ex-aluno, um pequeno traficante, e começa a fabricar metanfetamina, uma droga pesadíssima, para ganhar algum dinheiro.
Walter quer apenas que, quando partir (os médicos lhe dão pouco tempo), tenha deixado pelo menos o suficiente para custear a faculdade dos filhos e garantir uma vida com um mínimo de decência para os que ficaram.
Mas ele toma, de uma certa forma, gosto pela ilicitude e se estabelece como produtor de uma droga cujo tom azulado indica quase 100% de pureza e que ganha fama no submundo dos adictos. E aí se dá o início da transformação do protagonista de um homem manso (porque resignado) em um criminoso calculista e frio, disposto a enfrentar as figuras mais temidas dos cartéis mexicanos.
Em entrevista à Rolling Stone de outubro do ano passado, o criador da série, Vince Gilligan, disse que imaginou uma história cujo protagonista se transformasse no antagonista. De fato, o pacato Walter White se aborreceu com a vida que levava e resolve tomar as rédeas a seu modo. Com o desenrolar da história, ele passa a querer o controle, e se torna cerebral e dissimulado. Nas palavras da revista, o personagem despreza “tudo de humano e fraco que está no caminho dele”. Ele quer o controle, mas os atos humanos podem ter consequências imprevisíveis, podem deflagrar uma vertiginosa sucessão de eventos envolvendo coisas que, como nas tragédias, são ligadas por um fio invisível. É só dar um puxão, e o mundo vem abaixo.
Vista por esse ângulo, "Breaking Bad" é mais do que a história de um homem que se transforma de maneira definitiva e irrecorrível em um “Sr. Hyde” ao decidir usar seu talento e conhecimentos para o crime, mais do que um retrato dos descaminhos da alma. É uma afirmação sobre a impossibilidade do homem prever os desdobramentos de suas ações. Por mais que Walter White queira estar no comando de tudo, os acontecimentos dificilmente vão seguir um curso pré-determinado. E essa parece ser a grande angústia do personagem (e não é a de todos nós?): em uma reação química que ocorre sob condições controladas, A + B será sempre igual a C.
As reações humanas, por outro lado, são regidas por outros fatores que não a troca de cátions e ânions, surrupiamento de elétrons ou outras dinâmicas atômicas e moleculares. Por mais que Walter minta, planeje, arme, chantageie e coloque em andamento estratégias e ardis, ele sabe que, no final das contas, terá que lidar com o imprevisível e o imponderável. É por isso, talvez, que ele dedique tanta atenção e empenho ao seu superlaboratório clandestino de metanfetamina: dentro das câmaras e tubulações de aço inoxidável, os reagentes químicos dançam um balé exato, preciso, perfeitamente previsível e mensurável, um balé que está a salvo da imperfeição e falibilidade humanas.