PERFIL

Questão de sobrevivência

Amigo da natureza: à frente de uma casa de toada brasileira, Ricardo Barreira é mais um restaurateur a levantar a bandeira da sustentabilidade, da sazonalidade e da necessária valorização dos ingredientes locais

Érica Araium
28/07/2013 às 05:00.
Atualizado em 25/04/2022 às 10:53

Nos três últimos anos, Ricardo Barreira deixou-se levar pelo instinto: foi se aplicar na cozinha e passou a marchar pratos em seu familiar Vila Paraíso, de toada brasileira, no distrito de Joaquim Egídio. As primeiras criações de mestre-cuca pintaram em meados deste mês, no Festival de Inverno de Sousas e Joaquim Egídio, no Chefs na Praça e no Festival Gastronômico de Campinas. O pai, restaurateur, conta com a sua ajuda desde a época em que era adolescente. “Foi com ele que comecei a cozinhar e sempre gostei de comer bem. Uma hora acabaria no meio das panelas, aprendendo com quem está na carreira há 30 anos”, avalia Barreira, que tem seguido os conselhos e passos do francês Laurent Suaudeau a fim de dominar as técnicas clássicas e se imbuir dos conceitos sustentáveis que norteiam o comer do futuro. “O que me chama a atenção é o fato de que Suaudeau e outros chefs brasileiros, como Alex Atala e Wanderson Medeiros, têm mostrado como deve ser genial a relação entre produto e cozinheiro. Trabalha-se praticamente com as mesmas técnicas, mas o resultado é surpreendente, distinto. Acredito que, para a relação com a gastronomia ser a mais franca possível, é preciso cuidar bem de seus parceiros e da cadeia produtiva”, aponta.  Os cordeiros utilizados no restaurante vêm de Amparo, direto da Cabana Oviedo (Quirós Gourmet). “Fiz questão de saber como era a produção para ter certeza da qualidade. Afinal, por que lançar mão de um produto uruguaio, por exemplo, quando nem se conhece a procedência da carne?”, situa. Há pouco, ele entrou em contato com a Família Orgânica, com sede em Itatiba, para conhecer os itens que fazem a cabeça de gente tarimbada como o chef José Barattino. “Tem tanta coisa que a gente não explora e que deveria, rápido. Eu mesmo tenho uma horta bacana ao lado de casa, só que poderia estar mais acessível. O mel é produzido no sítio mesmo e podemos usá-lo graças ao trabalho do pessoal do Apiário Belmonte, que faz a coleta”, enumera.Aos poucos, Barreira entrega qual é o plano a médio prazo: transformar parte da propriedade familiar onde vive, de 300 mil metros quadrados, num espaço adequado a projetos de educação ambiental. A gastronomia, obviamente, faria parte das discussões. Uma bióloga que passou uma temporada atuando com iniciativas assemelhadas na Mata Santa Genebra, amiga de Barreira, estruturava, em junho, um roteiro para apresentação de exemplares da fauna e da flora. “Somos dependentes da natureza. Uma criança não pode crescer sem saber de onde vêm os alimentos que consome. A ervilha leva o tempo certo para brotar, não aparece enlatada no pé. Daí estarmos pensando ainda num trabalho sensorial, de descoberta e investigação”, adianta.  Valor agregadoO que brota no entorno também serve de inspiração futura. Vide as jabuticabeiras de Susanna Ulson, que ela usa em receitas e na linha Maria Preta, citadas aqui na semana passada. “É exemplo de um produto potencial que pode nos desafiar a desenvolver mais coisas. Na Associação dos Dirigentes de Estabelecimentos de Gastronomia de Sousas e Joaquim Egídio (Adegas), temos batido nessa tecla de nos conhecermos mais, de nos valorizarmos e nos unirmos. Era até uma questão de exaltar os ingredientes locais em determinadas ocasiões”, observa Barreira. O pinhão, lembra ele, safra após safra está nos pratos dos restaurantes da Serra da Mantiqueira. Feijão-guandu, miniarroz, as tantas farinhas de milho e outras especialidades dos “brasis” até viraram marca, Retratos do Gosto, projeto nacional bacana reconhecido até por estrangeiros.“São exemplos. A Associação dos Profissionais de Cozinha do Brasil, antiga Abaga, está atenta à valorização dos produtos locais. Se não nos mexermos em prol do crescimento da gastronomia, tardará mais para que nosso trabalho ganhe a devida atenção. Aliás, a estadunidense Alice Waters e o italiano Carlo Petrini abriram meus olhos no ano passado, durante palestra no Mesa Tendências. Estávamos subvertendo a lógica do mercado. Temos de nos preocupar com a qualidade do que vai para a mesa e, nesse ponto, pensar em sustentabilidade e sazonalidade é caminho sem volta, questão de sobrevivência. É papel dos chefs definirem o que deve ou não ser exaltado”, pondera.Barreira conta que esteve na Península de Maraú (BA) pelo menos cinco vezes e se espantou com a quantidade de cajus que caíam de maduros do pé. “Falha nossa não saber trabalhar com eles. As frutas e as castanhas que aqui custam tão caro se perdiam por não haver alguém da comunidade que se interessasse em desenvolver subprodutos de valor agregado. O produto in natura interessa para quem cozinha.”   Em torno da mesaA graduação em economia o ajuda a pensar assim e a administrar o restaurante com visão de negócio. Ao mesmo tempo em que se prepara para assumir o posto de chef executivo da casa, amparado pelo chef Toninho e a brigada, Barreira atua como gerente de alimentos e bebidas – uma coisa está ligada a outra na vida de um profissional desses. Ok, tem-se a formação na prática. “Penso, sim, em fazer um curso mais abrangente no Instituto Gastronômico (IGA) aqui em Campinas ou noutras instituições de São Paulo. É ponto pacífico ter de estudar ingredientes, métodos e técnicas para se obter o melhor resultado. Cobro isso da minha equipe”, avisa.Se há duas pessoas que merecem ser citadas no contexto de Barreira, segundo ele próprio, são o pai, Fernando, e a avó Edna; ele pelo empreendedorismo e pelos churrascos inesquecíveis; ela pelas receitas que faziam a família passar horas em torno da mesa. “Quando meu pai abriu o Vila, há 12 anos, eu já ajudava no caixa, era divertido. No Réveillon de 2010, o mâitre, o cozinheiro e um garçom saíram. Meu pai desfez uma sociedade e me dispus a atuar no gerenciamento”, conta Barreira, que hoje trabalha com os irmãos André e Fernanda.No início, o jeito foi reunir a equipe de cozinha e aprender, num mês, a execução de todas as receitas do menu e detalhes sobre o manejo de ingredientes. “Confesso que não estava atento ao universo gastronômico. Hoje, quero aprender tudo que puder com os melhores cozinheiros e faço questão que os meninos da brigada me acompanhem nesse processo. Gosto de comida bem elaborada, saborosa e cheirosa. Se tenho alguma pretensão é que o restaurante se estruture como um real representante da cozinha brasileira. Se, para isso, tiver de investir em equipamentos e mudanças estruturais que otimizem nosso trabalho, assim farei.” 

Assuntos Relacionados
Compartilhar
Correio Popular© Copyright 2025Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por