MOACYR CASTRO - IG (CEDOC)
Inventei de flanar por um desses shoppings da vida, depois de anos.
Aquele ar-condicionado me resseca a vista; aquela escada-rolante dá vertigem. Virgem! Cabides vazios balançando perto dos provadores dão labirintite. Disfarço e faço que estou em outro mundo. Dá certo até a hora em que a placa dos “sanitários” sugere vontade de entrar. É pior do que torneira aberta na nossa frente. E não tem jeito! Voltei à abstração e acabei gostando do que vi, no fim das contas. Em pouco menos de hora e meia, contei doze casais: onze, ele negro, ela branca; e um vice-versa. Belíssima imagem de descontração, vida linda... É o Brasil de verdade se encontrando, se descobrindo, se misturando, sem que inútil algum imponha cota racial para amar.
No restaurante metido a anos 50, uma paisagem humana mais comum, mas não menos belíssima. Três casais casados, eles brancos, elas amarelas, de olhinhos puxados como os filhos. Pais agitados, impacientes, mães tão delicadas quanto o sol nascente apascentando a meninada inquieta. Admirável como a gente do outro lado do mundo controla a prole, só com o olhar – serenos. Aquela santa que mora aqui em casa definiu, com a experiência de quem foi nascida, criada e vivida com eles: “Crianças pequenas não gostam de shoppings. Elas não vêm o céu, o sol, as árvores... Isso irrita as coitadinhas.”
Quando passou o décimo segundo casal em preto e branco, lembrei-me na hora do César Roldão Vieira, prevendo na voz da Elis “(Sem) Deus com a família”: “Sapato de pobre é tamanco / A vida não tem solução / Morada de rico é palácio; Casa de pobre é barracão / ... A mulher do branco é esposa / E a esposa do preto é mulher / Mas minha mulher é só minha / A do branco não sei se só dele é...” E arrematei com a “Roda”, de quando Gilberto Gil era artista: “Morre o rico / Morre o pobre / Quero ver quem separa / O pó do rico do meu / Se lá embaixo há igualdade / Aqui em cima há de haver”.
A vibração do Teatro Paramount superou o alarido do shopping. Ali mesmo, naquele balcão onde numa noite de festival, o professor Alexandre dos Santos Ribeiro, para provar a alienação, atravessou a vaia e começou a gritar: “Engraxate!” Engraxate!”. E os alienados o seguiram: “Engraxate! Engraxate!”. É fácil manipular a massa. Uma das diretorias do grêmio estudantil do “Culto à Ciência” mais nossa orientadora educacional Celina Duarte Martinho (beijo, querida!) prometeram a ousadia de passar o filme “Imitação da Vida”, no Ginásio de Esportes “Alberto Krum”, com a quadra repleta de bancos. Lotou. E nada de começar.
Alguém passou a berrar “Meu dinheiro!”, “Meu dinheiro!”. (Não foi o Treco...) A coisa piorou. Para enfrentar a turba, ela foi à frente e se desculpou: “O filme que veio para vocês verem não é ‘Imitação da Vida’...” O berreiro aumentou. Ela tentou conter a horda: “Quem quiser o dinheiro de volta é só passar na bilheteria do ginásio e pegar de volta.”. Só aí o Sidnei Levi falou: “Pegar o quê, dona Celina? Isso aqui é de graça!”
Pregado no poste: “E se cassarem os direitos humanos dos políticos?”