HELIO PASCHOAL

Que trabalho é esse?

24/02/2013 às 05:00.
Atualizado em 26/04/2022 às 03:29

Há uma coisa em que a economia brasileira é insuperavelmente pródiga: criar contradições.

Veja o leitor, por exemplo, o que anda acontecendo com a produtividade do trabalhador brasileiro - este mesmo que anda podendo escolher onde quer trabalhar, tamanho é o déficit de mão de obra qualificada no País: ela caiu “dramaticamente” no ano passado, conforme conclusão do centro de pesquisas Conference Board, de Londres.

“O declínio mais dramático (da produtividade) na América Latina ocorreu no Brasil, que mostrou queda no nível de produção por pessoa empregada de 0,3% em 2012”, destaca o relatório.

Com isso, a produtividade média do brasileiro ficou em 18,4% do desempenho médio de um trabalhador norte-americano - que é usado como parâmetro. “O movimento”,

prossegue o documento, “ foi contrário à tendência global, já que a produtividade média mundial subiu 1,8% no ano, para 26,2% do observado nos Estados Unidos”.

O interessante aqui não é a queda da produtividade em si: é o motivo pelo qual ela ocorreu. Trata-se de uma muito perversa combinação entre PIB raquítico e emprego supervitaminado, ou, em outras palavras, do fraco crescimento econômico somado à contínua melhora do mercado de trabalho.

“O declínio da produtividade no Brasil foi o resultado da desaceleração da produção, que cresceu cerca de 1% em 2012, e da melhora no emprego, que cresceu 1,3% no mesmo período”, diz o relatório.

Ou seja, a produtividade caiu porque o número de trabalhadores aumentou em ritmo maior do que a produção. Resultado: cada empregado acabou produzindo menos que produzia um ano antes.

O leitor pode estar estranhando a falta de lógica desse raciocínio. Se o PIB diminui, é porque a geração de riquezas do País diminui; e se a geração de riqueza diminui, os negócios - incluindo as vendas - diminuem. Logo, seria de se esperar que essas empresas ou demitissem ou, ao menos não contratassem mais ninguém.

Ao invés disso, continuaram contratando. Há explicação para isso? Decerto, deve haver, e mais de uma, mas a única que me ocorre é que as empresas andam tão receosas com a falta de mão de obra disponível no mercado que não querem correr o risco de não terem gente trabalhando para elas quando a economia se recuperar.

Sob essa ótica, seria um risco (e um prejuízo) calculado isso de contratar a passos de lebre quando o mercado anda a passos de tartaruga: é melhor bancar agora os salários e todos os seus pesadíssimos penduricalhos de trabalhadores que não estão rendendo nem perto do que poderiam do que não ter trabalhador nenhum rendendo nada quando for preciso.

O problema é que tal raciocínio tem prazo de validade, variável para cada segmento e para cada tamanho de empresa. Algumas poderão bancar esse jogo por um tempo mais longo, outras por tempo mais curto e outras não terão cacife para entrar na mesa de apostas. Mas uma coisa é certa: nenhuma manterá essa postura indefinidamente. Em algum momento, os custos de se manter uma mão de obra ineficiente (outro nome para “pouco produtiva” se tornarão inviáveis, e aí as demissões virão em massa.

Resta saber se a recuperação econômica virá antes que se atinja esse prazo. Em caso positivo, terá sido uma manobra inteligente e uma aposta bem paga.

Mas em caso negativo.. bom, aí se resolverá o problema de produção baixa por excesso de trabalhadores, já que poucos trabalhadores estarão empregados - o que certamente resolve um problema, o da produção baixa, mas cria outro, bem pior - o do desemprego.

Claro, outros fatores há que explicam a baixa produtividade do trabalhador brasileiro, como sua baixa qualificação, por exemplo, além de fatores mais amplos, como infraestrutura, tecnologia e inovação, o chamado “fator de produtividade total” - que, só para constar, também caiu no Brasil em 2012, e também caiu com estrondo: 1,8%, o pior resultado tanto entre os países emergentes quanto entre economias mais sólidas.

“Os principais problemas no quesito produtividade total dizem respeito à infraestrutura inadequada, baixo investimento em novas máquinas e equipamentos, impostos elevados sobre o trabalho e melhora excessivamente lenta na qualificação dos trabalhadores e da gestão empresarial”.

Pois é. Está aí a prova de que o emprego, afinal de contas, é importante - mas não é tudo.

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