ANDRÉ FERNANDES

Que STF queremos?

25/09/2013 às 05:00.
Atualizado em 25/04/2022 às 01:42

andré fernandes ( Cedoc/RAC)

Superada a votação da admissibilidade dos embargos infringentes, as 700 testemunhas ouvidas, as 50 mil páginas, os 200 apensos, as 60 sessões de julgamento, a aposentadoria de quatro ministros da Corte, o falecimento de outro e uma duração em dias que já deixou para trás a II Guerra Mundial, o mensalão será submetido a novo julgamento, sob o argumento principal do respeito ao duplo grau de jurisdição.Concordaria se a instância originária de julgamento fosse inferior. Entretanto, como a ação é originária daquele mesmo tribunal, o processo será julgado novamente por todos os ministros, com exceção dos três novos que ingressaram nos últimos anos. Resumo da ópera: mais do mesmo por mais um bom tempo mesmo.A indignação social, diante do resultado final, tomou vulto. Desde lugares-comuns que resvalam na menoridade intelectual, no preconceito ou no achincalhamento gratuito do STF ou de seus membros até manifestações ponderadas de descrédito a respeito da mesma instituição. Também houve a colaboração dos bons chargistas, cujo humor fino e inteligente costuma valer mais que a argumentação de muitos embargos infringentes...Independentemente do teor da decisão, creio que seria um bom momento para o debate dessa cada vez mais importante instituição judicial. Ultimamente, o STF tem assumido uma postura de ativismo judicial em muitas questões que lhes são submetidas. Tenho minhas ressalvas quanto ao papel de juízes legisladores ou de um governo de juízes.A última palavra acerca da constitucionalidade das leis é dada pelo STF e, de fato, quando provocado, este tribunal, de certa forma, acaba por governar aqueles que governam dentro de seus limites naturalmente institucionais. Mas, se o Poder Executivo é emasculado historicamente e o Poder Legislativo deixa de legislar e fiscalizar, quando o STF é chamado a se pronunciar nas ações em que uma dessas instituições peca pela falta ou pelo excesso, fica difícil estabelecer um meio-termo entre uma postura de joelhos e uma de dedo em riste, dada a elasticidade na interpretação desse pronunciamento.Se o ativismo judicial tem prevalecido, explica-se (e não se justifica) pelo crescente vácuo institucional e social que os outros poderes deixaram pelo caminho, fato que capta a sensibilidade dos membros do STF, a ponto de, diante de uma falta de perspectiva de mudança, provocar um protagonismo na condução de boa parte dos destinos da sociedade.Assim, STF torna-se um incansável árbitro social, porque o diálogo entre a sociedade e os outros dois poderes políticos (e mesmo entre os membros da mesma sociedade) padece de uma ética social comum, batendo-se nas portas do STF em busca de uma resposta judicial toda vez que aquele vazio de valores é notado e precisa ser preenchido.Também não posso me silenciar diante de outro problema, que afeta não só os ministros do STF, mas a classe jurídica como um todo: o apego processual que, muitas vezes, pode impedir a realização do justo concreto. Os embargos infringentes são uma invenção portuguesa, com certeza. Hoje, em regra, são manejados inescrupulosamente como meio para se ampliar o prazo para a interposição de outros recursos.São mais uma chance de julgamento, diante de uma decisão colegiada sem votação unânime, na matéria em que houve divergência. E se a decisão foi tomada pelo plenário do STF numa ação penal originária de sua competência? Não importa, porque deve prevalecer o duplo grau de jurisdição, ainda que a jurisdição venha a ser exercida pelos mesmos juízes do julgamento anterior.E por quê? Porque se entende que esse uso do processo é garantista dos direitos individuais em face de possíveis arbitrariedades do julgador ou do dono de poder de plantão. Então, quanto mais recursos houver, maior será o garantismo processual do cidadão. O processo, que tem sua razão de ser, deixa de ser meio para a construção do justo concreto e se torna um fim em si mesmo. Em suma, pensar o direito fica reduzido ao pensar no processo. O endeusamento processual cria, ao cabo, um obstáculo à realização do direito.Quais os limites institucionais que julgamos adequados para uma acertada atuação do STF no concerto político-social? Antes, porém, não seria melhor buscar um consenso mínimo acerca dos valores fundantes e perpetuadores de uma ordem social justa? O apego processual corresponde à realidade do direito e proporciona o império do justo concreto? Deixo essas perguntas para o leitor.É o que penso e, nesse caso, convém não respeitar a divergência, sob o risco de embargos infringentes...

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