Um dos fundadores do Núcleo de Cinema de Animação de Campinas fala do novo longa, que levou 13 anos para ser concluído
"A realidade é muito mais importante que um sonho. Ela nos dá a sensibilidade que precisamos para realizar uma obra e o sonho é apenas um disfarce" - WILSON LAZARETTI (Patrícia Domingos/AAN )
Wilson Lazaretti é um dos fundadores, ao lado de Maurício Squarisi, do Núcleo de Cinema de Animação de Campinas. Ele está lançando o longa-metragem de animação História Antes de uma História, um dos 30 existentes em todo o Brasil. Autodidata, iniciou sua relação com o desenho animado dando aulas para crianças no Conservatório Musical Carlos Gomes, em Campinas. Já realizou mais de mil oficinas de animação para crianças, jovens e adultos em quase todo o território brasileiro, além de Argentina, Portugal, Dinamarca, Suécia e Estados Unidos. Atualmente, é professor no Instituto de Artes da Unicamp. Em entrevista à Metrópole, ele conta sobre o longa, fala dos desafios do profissional de animação e dá dicas para quem tem interesse na área. Revista Metrópole - Por que o longa-metragem História Antes de uma História demorou 13 anos para ser concluído? Wilson Lazaretti - Toda a produção de cinema está marcada por traições, crimes, tapas na cara, e a nossa História Antes de Uma História, claro, em proporções muitos menores e menos comprometedoras, não deixou de passar por algumas delas. O projeto inicial começou na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, mas não deu certo. Levei então outro projeto para uma empresa de captação na Unicamp, que também não deu certo. E só concluímos quando conseguimos uma empresa captadora de Campinas. De que trata a história? Da própria produção de um desenho animado. Conta a caminhada de um velho senhor que encontrou um instrumento valioso para construir a sua obra. A partir daí passou pelas sete fases que toda obra de arte exige, ou seja: inquietação, instrumento, conhecimento, ideia, linguagem, obra e reflexão sobre a obra. Passando por essas fases, não necessariamente nessa ordem, você pode construir tudo sobre a face da terra. A trilha do longa traz canções na voz de Elza Soares, como foi feita essa escolha? A Elza Soares, depois de Yma Sumac, é a melhor cantora dos nossos tempos. Descobri isso quando estava num táxi, no Rio de Janeiro, numa noite muito chuvosa, e o rádio do carro estava tocando Fadas, de Luiz Melodia, na voz de Elza Soares. Imediatamente, tive a ideia de convidá-la a participar da nossa produção. Ela veio duas vezes para as gravações. Trabalhar com animação no Brasil sempre foi um desafio? Não se iludam os animadores incautos, pois a animação é um desafio em qualquer parte do mundo. Temos, por educação, o hábito de depreciar a imagem do nosso próprio País, o que é muito prejudicial para qualquer coisa que se queira construir. Vejo os jovens animadores querendo fazer cursos de animação no Exterior. Não percam a oportunidade se ela surgir, mas não tomem como a coisa mais importante de sua vida, pois o mais importante em animação é a própria animação. Como começou sua trajetória na animação. Já era um sonho? Sonho é uma palavra por demais romântica para um animador, prefiro dizer que a minha vida foi sempre de realidades. A parte histórica do Núcleo de Cinema de Animação de Campinas começou há 43 anos, quando a Léa Ziggiatti, do Conservatório Musical Carlos Gomes, me convidou a dar aulas para as crianças. As aulas eram de cineminha super 8mm, mas com o passar do tempo foram se transformando em desenho animado. Como o senhor enxerga o mercado para quem quer trabalhar com animação atualmente? O dinheiro é um elemento prático, mas não é o mais importante, pois o que vamos deixar é a nossa obra. Faço a pregação de que não devemos dar importância demasiada ao dinheiro. Um animador pode ter uma casa e trocar de carro de tempos em tempos, mas não pode ter duas casas, uma na praia, um iate e fazer outras extravagâncias financeiras. O mercado para o animador vai ficar melhor quando os animadores não se entregarem aos clamores do seu tempo. Estamos propagando uma arte e para a arte sempre vai ter espaço. Dá, sim, para viver de animação. O senhor e o Maurício Squarizi fundaram o Núcleo de Cinema de Animação, em Campinas, há mais de 40 anos. Qual era o objetivo do projeto quando foi criado? O objetivo não existia no começo, nem sabíamos que ele iria durar tanto tempo, apenas queríamos fazer animação e aí fomos nutrindo nosso espírito com conhecimento, relacionamento, proeza e ousadia, pois nós pisamos o chão deste País. Trabalhamos com as crianças de toda a Amazônia, Pantanal de Mato Grosso. Um fato que nos orgulhamos muito é de que a nossa instituição está entre as cinco mais antigas do mundo, talvez a terceira. E o que é mais importante: somos a segunda do Brasil. A primeira brasileira foi em Curitiba, em 1973; começamos em Campinas no ano de 1975. Como é o trabalho feito com as crianças no Núcleo de Cinema de Animação? O que querem despertar nelas? O mundo da animação não é aquele mundo de magia e fantasia como nos foi vendido. Ainda hoje, o mundo inteiro sofre com este preconceito. Por isso, a realidade é muito mais importante que um sonho. A realidade nos dá a sensibilidade que precisamos para realizar uma obra e o sonho é apenas um disfarce. Os alunos, tanto do Núcleo quanto da Unicamp são instruídos para que reflitam sobre este conceito. Tudo isso começou quando os nossos filmes eram exibidos no programa Bambalalão, da TV Cultura. As crianças espectadoras enviaram cartas para a TV manifestando suas surpresas em assistirem desenhos animados feitos por outras crianças. As linguagens entre as faixas etárias se correspondem, têm sinais e características próprias e assim descobrimos por que fazer filmes de animação para crianças, se elas próprias os podem fazer? Temos um número bem reduzido de longa-metragens de animação. Esse é o segundo que o Núcleo de Cinema de Animação lança. O primeiro foi Café, um Dedo de Prosa, do Squarizi. Esses dois longas são um marco na história do Núcleo? Os dois filmes, nossos primeiros longas-metragens, têm um profundo significado não só para nós como também para toda a cinematografia de animação brasileira, que no decorrer de toda a sua história não produziu mais que trinta filmes de animação longa-metragem. É importante porque tanto Maurício quanto eu, seguimos a nossa própria linha de pensamento, raciocínio e universos culturais parecidos. Tudo isso está ali em nossos filmes. Sem falsa modéstia, quando assisto ao meu próprio filme, me esqueço que sou o autor e me deixo levar pelo sabor que produzi. Faço inclusive alguns comentários sobre a clara condução da história que ali na tela se segue. Entretanto, em outras situações, os comentários não me são favoráveis e caio em depressão. Mas é assim mesmo, diria Leonardo Da Vinci, a obra está ali parada, estática, porém as nossas sensações em sentí-la é que mudam em nosso dia a dia. “Faço a pregação de que não devemos dar importância demasiada ao dinheiro. Um animador pode ter uma casa e trocar de carro de tempos em tempos, mas não pode ter duas casas, uma na praia, um iate e fazer outras extravagâncias financeiras”