dia internacional da mulher

Pura competência

Pesquisadoras científicas do Brasil e de todo o mundo têm brilhado numa área em que eram ignoradas

Angela Kuhlmann
09/03/2020 às 14:40.
Atualizado em 29/03/2022 às 17:48

Hoje, Dia Internacional da Mulher, é uma boa oportunidade para refletir sobre a condição do gênero feminino, que apesar dos progressos visíveis, ainda há muito que avançar, principalmente, na questão da violência e assédios moral e sexual contra a mulher, entre outras. Os progressos em alguns campos profissionais são inegáveis quando se compara a um passado de desconsideração e desrespeito ao sexo feminino ao longo dos séculos. Embora ainda haja um longo caminho a ser percorrido, alguns exemplos de progressos ganham destaque no campo da ciência, no qual as mulheres vêm conquistando espaço, se destacando e obtendo reconhecimento. Um estudo sobre a participação dos gêneros na pesquisa científica, realizado num período de 20 anos pela editora Elsevier, mostrou que o número de mulheres pesquisadoras e inovadoras tem aumentado em todo o mundo. No Brasil, de acordo com os dados publicados em 2017, elas já representavam 49% do total. Um exemplo da força feminina no setor está relacionado com a epidemia do novo coronavírus que se alastra pelo mundo com uma rapidez assustadora e descontrolada a ponto de mobilizar a comunidade científica de mais de 20 países que se uniram para o combate à doença. No Brasil, assim que foi possível acessar o material infectante a partir do primeiro caso confirmado em São Paulo, uma equipe de 17 cientistas conduzida por duas mulheres fez o sequenciamento do genoma do novo coronavírus em apenas 48 horas, quando em outros países o prazo habitual é de 15 dias. O estudo que o grupo conduziu ao lado de outros pesquisadores, dos quais 10 são do sexo feminino, vinculados ao Instituto Adolfo Lutz (IAL), à Universidade de Oxford e ao Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo (IMT-USP), ajudará epidemiologistas, virologistas e especialistas em saúde pública a desenvolverem vacinas e testes diagnósticos. Uma das pesquisadoras envolvidas no estudo é Ester Sabino, diretora do Instituto de Medicina Tropical (IMT) da USP e coordenadora do Centro Conjunto Brasil-Reino Unido para Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus (CADDE), que é apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de S. Paulo (Fapesp) e pelos britânicos Medical Research Council e Fundo Newton. A intenção do CADDE é reunir cientistas para realizar estudos em tempo real de epidemias de arboviroses, como é o caso da zika e da dengue. “A proposta é realmente ajudar os serviços de saúde e não apenas publicar as informações meses depois que o problema ocorreu”, explicou Sabino à Agência Fapesp. A divulgação do sequenciamento do genoma do novo coronavírus repercutiu em todo o País e jogou os holofotes na direção das coordenadoras do estudo, surpreendidas com a repercussão. “Não entendi muito bem ainda, mas acho que foi uma história que mexeu com algum sentimento das pessoas, com o emocional”, opina. “É um sentimento de orgulho pela ciência brasileira, por serem mulheres por trás das pesquisas. Orgulho acho que foi a palavra que mais ouvi”, conta. A cientista Jaqueline Goes de Jesus, parceira de Sabino no trabalho, é pós-doutoranda na Faculdade de Medicina da USP e bolsista da FAPESP e desenvolve pesquisas na área de arboviroses emergentes e faz parte do ZiBRA Project - Zika in Brazil Real Time Analysis, um projeto itinerante de mapeamento genômico do vírus Zika no Brasil. Durante seu doutorado, ela contribuiu para o aprimoramento de protocolos de sequenciamento de genomas completos pela tecnologia de nanoporos dos vírus Zika e HIV. Assustada com a repercussão inicial, ela comentou: “Ganhamos visibilidade como cientistas e isso ajuda a inspirar outras mulheres. A maior parte dos comentários foi porque as mulheres estavam querendo incentivar outras mulheres na ciência. Elas se sentiram representadas, viram que têm em quem se inspirar”, afirma Jaqueline. Saúde é pródiga em talentos Outras três mulheres, entre muitas mais, vale lembrar, também se destacam na ciência brasileira com reconhecimento mundial: Mayana Zatz, Lygia da Veiga Pereira e Lívia Schiavinato Eberlin, as três na área da saúde. Bióloga e geneticista de renome internacional, Mayana Zatz, nasceu em Tel Aviv (Israel), em 1947, mas está no Brasil desde 1955, onde formou-se em biologia pela Universidade de São Paulo (USP). Em 1995 tornou-se pioneira ao localizar um dos genes ligados a um tipo de distrofia dos membros e também integrou a equipe que mapeou o gene responsável pela síndrome de Knobloch, um distúrbio genético raro. Sua pesquisa tem como foco principal as doenças neuromusculares (distrofias musculares, paraplegias espásticas, esclerose lateral amiotrófica). No entanto, em 2015, seu time iniciou investigação sobre microencefalia em bebês nascidos de mães infectadas com o vírus Zika que identificou uma influência genética na predisposição à microencefalia em bebês portadores do vírus. Lygia da Veiga Pereira Geneticista com graduação em física com mestrado e doutorado em Ciências Biológicas e Biomédicas, Lygia da Veiga Pereira dirige o Laboratório Nacional de Células-Tronco Embrionárias, é professora titular e chefe do Laboratório Nacional de Células-Tronco Embrionárias (LaNCE, chefe do Departamento de Genética e Biologia Evolutiva da Universidade de São Paulo (USP) e integrante da Cepid-Fapesp Centro de Terapia Celular. A pesquisadora criou, em 2008, a primeira linhagem de células-tronco embrionárias desenvolvidas no Brasil. Foi um avanço importante para a ciência brasileira – células-tronco embrionárias podem se transformar em qualquer dos 216 tipos de células do corpo humano. Para os cientistas, elas são importantes em experimentos que tentam entender como o corpo funciona ou que busquem desenvolver terapias para males genéticos que afligem pessoas em todo o mundo. Livia Schiavinato Eberlin Campineira de apenas 33 anos, a cientista Livia Schiavinato Eberlin, formada em Química pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ganhou notoriedade mundial no ano passado ao apresentar à comunidade científica um dispositivo semelhante a uma caneta capaz de detectar células tumorais (câncer) em questão de segundos. A pesquisadora chefia um laboratório de pesquisa da Universidade do Texas em Austin, nos Estados Unidos, onde mora atualmente. O estudo levou quatro anos para desenvolver um protótipo capaz de extrair moléculas de tecido humano e analisar se no material há a presença de células cancerígenas. Os resultados são promissores: 800 amostras de tecido humano já foram analisadas com sucesso. Livro resgata menosprezo histórico O interesse das mulheres pela ciência vem crescendo nos últimos anos em todas as vertentes da pesquisa acadêmica. E elas têm correspondido com descobertas e avanços significativos para a humanidade. Mas se equivoca quem pensa que esse interesse é recente e estaria ligado exclusivamente à emancipação feminina após séculos de submissão aos homens. Ao olhar pelo retrovisor da ciência encontramos exemplos de mulheres cientistas como Hipátia, que viveu entre os anos 320 e 415 d.C. Nascida em Alexandria, estudou filosofia em Atenas (Grécia) e dedicou-se também à geometria, à álgebra e à astronomia tendo deixado um legado conhecido. As pesquisadoras sempre existiram, mas lamentavelmente a História se encarregou de ocultá-las. Algumas delas, por sinal brilhantes, foram encontradas na visita ao passado feita pelo professor espanhol de farmacologia Sergio Erill, autor do livro La Ciencia Oculta (A Ciência Oculta), publicado em 2017. Em suas páginas, ele examina o papel de pesquisadoras que ficaram relegadas ao segundo plano, ao ostracismo e ao anonimato apesar de suas grandes contribuições à ciência, por terem vivido inseridas numa sociedade em que o papel da mulher se limitava à função de reprodutora e mãe de família. Outra amostra da indiferença e desprezo ao sexo feminino na ciência aparece em uma pesquisa publicada em 2012 na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) com números contundentes:  as mulheres receberam apenas 3% dos quase 600 prêmios Nobel de ciência entregues até aquele ano. Algumas das cientistas que fizeram descobertas revolucionárias entre os séculos 15 e 20 foram injustamente desconsideradas e tiveram seu trabalho ignorado, oculto, e até desprezado por colegas de pesquisa ganhadores de prêmios Nobel, sem que viesse à luz a participação decisiva delas como se pode comprovar a seguir nos relatos do professor espanhol: Hipátia – 360 d.C a 415 – primeira matemática da História Deixou seu legado nas áreas da geometria, álgebra e astronomia. Sua morte ocorreu nas mãos de um grupo de cristãos por uma espécie de heresia. Maria Kirch – 1670 – 1720 – astrônoma alemã Descobridora de um cometa em 1702, passou a vida como ajudante, sempre à sombra de alguém: primeiro de seu marido; depois de outro astrônomo; e, mais tarde, de seu filho. Ada Lovelace – 1815 – 1852 – matemática e escritora inglesa Filha do poeta Lord Byron, lançou as bases do que agora conhecemos como programação informática, mas seu nome sempre se submeteu ao de Charles Babbage, que ficou famoso como o precursor do computador – um conceito que, na verdade, Ada desenvolveu. Florence Bascon – 1862 – 1945 – geóloga estadunidense Foi uma geóloga estadunidense, a segunda mulher a obter um doutorado em geologia nos Estados Unidos, a primeira mulher a trabalhar no Serviço Geológico dos Estados Unidos. Foi inovadora na área e abriu caminho para que mais mulheres cursassem geologia no país. Mina Fleming – 1857 – 1911 – astrônoma escocesa Entrou para o Observatório da Universidade de Harvard como empregada do professor E. C. Pickering e acabou catalogando mais de 10.000 estrelas e descobrindo 10 novas, 52 nebulosas e 310 estrelas variáveis Henrietta Swan Leavitt – 1868 – 1921 – astrônoma estadunidense Nesse mesmo centro, Pickering contratou Henrietta Swan Leavitt também para catalogar estrelas. Mas a cientista encontrou um elemento-chave para determinar a distância entre elas, uma ferramenta fundamental da cosmologia que serviu, anos depois, para descobrir que o Universo se expande. Lisa Meitner – 1878 – 1968 - física austríaca Uma das descobridoras da fissão nuclear, tampouco foi mencionada quando a Academia Sueca premiou seu companheiro Otto Hahn pela façanha. Emmy Noether – 1882 – 1935 – matemática alemã Demonstrou uma teoria da física de partículas e teve um papel essencial no campo da álgebra abstrata, trabalhou durante 25 anos sem receber salário. Rosalind Franklin – 1920 – 1958 – química britânica Artífice da imagem que mostra a estrutura helicoidal do DNA, teve seus dados “roubados”. Estes serviram para que Watson e Crick recebessem o Nobel de 1962 por sua contribuição para o entendimento da estrutura do DNA como uma hélice dupla. Nem sequer a mencionaram. Jocelyn Bell – 1943 – astrofísica britânica Descobriu os pulsares, o que rendeu um Nobel ao seu orientador Antony Hewish e a Martin Ryle. Embora tenha sido ela a primeira a detectar o sinal, Hewish disse na época que dar o Nobel a uma aluna de doutorado teria desvalorizado o prêmio.

Assuntos Relacionados
Compartilhar
Correio Popular© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por