Movidos pela ideia de que o comer envolve todos os sentidos, Tatiana Braga e Romain Brichet, da Paris Lado B Gastronomie, apostam numa cozinha viva, em que a refeição é uma experiência cultural e artística
Cultura é também comestível? Sem dúvida. Aos bocados, revive-se um sem fim de referências que atrelam cozinheiro, comensal e origens (ou tradicionalismos), algo que muitos chefs têm apregoado. Afeitos pela máxima de que o comer envolve todos os sentidos, Tatiana Braga e Romain Brichet, da Paris Lado B Gastronomie, participaram este ano do Comestível, projeto realizado em parceria com o Ateliê Aberto e apoio do Programa de Ação Cultural (ProAC), do governo do Estado de São Paulo. É uma iniciativa que, se depender do afã da dupla, deve se repetir em breve. A empreitada, aqui, serve apenas para ilustrar, tal entrada de um menu degustação de vários cursos, qual é a filosofia de ambos. “O que nos instiga a cozinhar é a possibilidade de a comida estabelecer uma conexão com as diversas formas de arte, de maneira que apresentemos verdadeiras experiências sensoriais. É claro que não pensamos somente no viés cultural, mas também comercial, porque temos clientes de variados bolsos e pretensões. Os menus atendem a expectativas distintas, são absolutamente personalizados e cuidadosamente produzidos”, observa Tatiana. “O cliente se interessa por saber a maneira como elaboramos o cardápio, onde compramos, querem conversar conosco e fazer parte dessa cozinha viva, que não é sisuda, mas interativa”, completa.Apenas para pontuar, na primeira edição do Comestível, entre abril e maio últimos, Tatiana e Brichet “provocaram” os participantes no evento Sala de Jantar – Devora-me e Decifra-me, “experiência de arte e gastronomia inspirada na poesia e na música” que contou com a participação dos fotógrafos Ricardo Lima e Isabela Martini, ambos da fotogaleria Photografie. A ideia era que cada conviva descobrisse o menu a partir do que os artistas apresentassem. Deu muito certo. Foto: Janaína Maciel/AAN Romain Brichet: com uma experiência e tanto, é ele quem comanda as criações da empresa De certa maneira, Lima, Tatiana, Brichet e uma plêiade de artistas locais, incluindo os do Ateliê Aberto (com destaque para Samantha Moreira e Maíra Endo), se somam ao dividir o mesmo endereço (Paris Lado B e Photografie funcionam no mesmo imóvel). “Somos quase um coletivo cultural. As trocas que fazemos são inspiradoras e complementares”, diz Tatiana, que hoje se define como produtora gastronômico-cultural. “Chef ainda não.”Além das atividades em dupla com Tatiana, Romain, tarimbado na culinária francesa, vira e mexe se põe a elaborar crepes em eventos como a feira de artesanato do Centro de Convivência Cultural Carlos Gomes, aos sábados e domingos.“Não temos medo de mostrar a cara desde o início dessa empreitada, que cresceu naturalmente, na base da divulgação boca a boca e das parcerias culturais que nos fazem tanto sentido. Em Campinas, além de executar uma excelente cozinha, nos demos conta de que somente perdura quem persiste, ainda mais nesse nicho. E nós estamos dispostos a nos aperfeiçoar e perdurar”, pontua Tatiana. Os dois lados do Lado BTatiana lembra que sua relação com eventos culturais remonta à época em que estudou jornalismo e, depois, arquitetura na Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas), de 1995 a 2001. “Sempre gostei de cozinhar e creio que a gastronomia (faculdade que cursaria mais tarde) dá um repertório de estética e cultura bastante interessante. Quando percebi que havia me desencantado pela arquitetura, porque imaginava que criaria projetos de urbanismo que mudariam o mundo, mas me deparei com questões políticas avessas ao que sonhava, passei a me dedicar quase integralmente e de forma independente a projetos gastronômicos e culturais.”Depois de coproduzir shows de artistas nacionais em Campinas e prestar consultoria para eventos em bares e centros culturais, Tatiana foi aos Estados Unidos e lá morou por cerca de dois anos. Numa das ações que encampou, a ideia era revelar aos gringos os Brasis que coexistem num mesmo território, algo distante do clichê carnaval-caipirinha-feijoada consumido na terra do Tio Sam. Na Brazilian Beans, espécie de festa brasileira para estrangeiros, ela apresentou um menu enriquecido por regionalismos – pratos como vatapá, caruru e fogado de Paraibuna – e um cancioneiro de responsa, com samba e ritmos nacionais executados por músicos acadêmicos estadunidenses. “O elenco desse projeto era incrível. Curioso é que realizávamos as edições num bar de jazz em Kansas City e o público era maciçamente de estadunidenses que fugiam da fórmula dos enlatados”, lembra.No retorno a Campinas, em 2006, decidida a especializar-se em gastronomia, Tatiana idealizou iniciativas como o Escuta o Cheiro, do qual se desligou em 2009. “A proposta era resgatar e trazer grupos e figuras interessantes do samba paulista e incrementar a roda com cardápios que valorizassem nossa cultura regional”, recorda.Muitas andanças, uma faculdade de gastronomia e um caldeirão de ideias depois, entre elas o projeto seZjaZZ, voltado à música instrumental, Tatiana cruzou com Brichet na cozinha do Meme. Mal sabia ela que o francês com quem viria a fazer “sociedade” em prol de uma culinária mais divertida e múltipla, deixara a França, aos 18 anos, para estudar inglês em Londres, onde começou a lida em restaurantes, despretensiosamente, no badalado Sketch Club, do chef Pierre Gagnaire. Em Paris, estudou no Tecomah de Gastronomie, em Versalhes, e integrou a brigada de casas estreladas como Potel & Chabot, La Tour D’Argent e Les Etangs de Corot, de Benoit Bordier.Casado com uma brasileira, Brichet mudou-se para Campinas e passou pelas cozinhas dos chefs Daniel Valay (Royal Palm Plaza Resort) e Théo Medeiros. Com tamanha expertise, é ele quem comanda as criações da Paris Lado B. “Nossa parceria foi na base da bricolagem, todos os itens de nosso espaço têm uma história e Simon Girard (Bouquet Garni) é nosso padrinho, por assim dizer, além de parceiro. A ideia é migrar para um restaurante daqui a um tempo, mas disso depende nosso pé no chão e investimento certeiro”, comenta Tatiana.A intenção do duo é que os comensais participem de todas as etapas de elaboração dos pratos e que as refeições incluam apresentações artísticas (música, artes plásticas e afins). “Pensamos ainda em realizar mais eventos nos moldes do Comestível. Se tivermos incentivo cultural, governamental, melhor ainda”, diz Tatiana. SAIBA MAIS:http://parisladobgastronomie.blogspot.com.br/