Acabo de abrir o computador. Já faz mais de oito dias que não mexo em suas teclas. Estou no sopé da Serra da Mantiqueira, em Vargem Grande do Sul. O sábado amanheceu anuviado e mesmo assim as cigarras seguem com a sua sinfonia. Quem tem me visitado é o Jota Toledo, o nome de um sapo que sempre aparece ao início da noite. Certa vez, o saudoso artista e cronista Jota Toledo contou uma história sobre um fim de semana de churrasco na chácara de quem não me lembro. Muita música de Pezão, Alfredinho, Césinha, Celinha, e eu estava acompanhado por um sapo que, por horas, não saiu do meu lado. Jota disse que passei a noite coçando o sapo. Foi um dos melhores trocadilhos que já tive notícias. Hoje, qualquer sapo que me aparece é o Jota Toledo me fazendo uma visita. Ando enfastiado de escrever, de renegar meu ofício de espião da vida e de mim mesmo. E sento na espreguiçadeira da varanda da roça e o computador fica me atormentando. Tenho rosas para espiar, pés de jabuticabeira, uma laranjeira, goiabeira e, bem lá embaixo um velho e sereno cajazeiro. E o computador fica me chamando. A moça-que-manda-em-mim, a Betinha, há dias vem me incentivando a escrever ou a ler um livro. Hoje resolvi montar o computador na varanda da cozinha e fico lembrando das últimas notícias do Brasil. E tanto dinheiro em cuecas e glúteos me desanimam. Este não é o País que me pertence. E saio do computador e me sento na espreguiçadeira. E a indignação é tão grande que não penso em outra coisa senão na incompetência do Supremo Tribunal Federal e da Congresso Nacional, que não tomam uma atitude republicana para definitivamente acabar com os vendilhões da Pátria. A começar pelo próprio presidente da república que, além de inepto, coloca em risco a saúde pública quando, pelo cargo que exerce, deveria ser o primeiro a usar máscara e evitar aparecer em público e assim não provocar aglomerações – desnecessárias, aliás. Mesmo porque ele já foi eleito democraticamente presidente da república e o seu palanque eleitoral não faz sentido algum. E assim faço o meu próprio País. Não tenho praça para dar milho aos pombos e então resolvo alimentar com pão os pavões que vieram me visitar – alguns chegam para comer na minha mão. E desaparecem. No meu País não existe essa coisa hedionda de toma-lá-da-cá. Eu apenas ofereço um pouco de alimento e eles me devolvem a sua beleza de penas e cantorias. E bem sei que o raro leitor entendeu a diferença do pão e da beleza pela troca de cargos e favores políticos. No meu País somos todos solidários e naturais. E muito respeitamos o mérito de cada um. No meu País todos têm um mérito a ser respeitado. E eis aí o horário de propaganda eleitoral que de gratuito não tem nada. Somos nós, os donos deste País, que pagamos a conta. E temos que desligar a televisão – ou o rádio – para que os candidatos não empiniquem nossos ouvidos "para evitar a massa pastosa e fétida" que eles nos oferecem, como bem disse o jornalista Paulo Sandoval (se bem me lembro o nome). Eu vivo em um País que não é o meu. O presidente da república não me pertence, embora represente o mais alto cargo democrático do nosso sistema. E uma coisa é respeitar o cargo e outra é lamber os coturnos de quem o exerce. Estou em paz no País que tenho em mim. Somos milhões de brasileiros que cumprem com a sua obrigação cívica de respeitar as leis constituídas, acreditando, assim, que que dias melhores virão – e eles hão de vir. No meu País ninguém deseja atrapalhar a quem quer que seja. Mas também não querem ser manipulados para atender interesses da politicalha que vemos na tevê, ouvimos no rádio e lemos nos jornais e revistas. Eu, na espreguiçadeira, e os milhões sossegados nos bares do Brasil só queremos que a Constituição seja respeitada. E nuvens carregadas estão chegando na Mantiqueira. Acho que vai chover. Bom dia. Zeza Amaral é jornalista, escritor e músico.