Beirando os 60 anos, resolvi retornar à universidade e estudar filosofia. Eis que, ainda outra vez, amigos e familiares reagiram, acreditado que eu enlouquecera de vez. Mas era um desejo que me vinha desde a adolescência. Fosse ou não maluquice de um sessentão, lá me fui para a universidade. E confesso que com algum constrangimento. E se a moçada me repudiasse? E se os veteranos quisessem me dar trote?Minha surpresa se deu na acolhida generosa dos moços. Foi quase imediata a receptividade deles. E mais feliz fiquei por ninguém ter-me chamado de “tio”. No corredor, antes de adentrarmos a sala de aula, eles se ofereciam para me ajudar, para me dar orientações e um primeiro convite: depois das aulas — que eram noturnas — ir tomar chope num boteco próximo. Topei.A moçada entrou na sala de aula cantando, brincando uns com outros, numa algazarra estranha para mim. Sentei-me quase no fundo, confesso que com timidez. E eu sabia que alguns do professores tinham sido alunos meus em anos anteriores, quando também lecionei. Era uma experiência notável: eu, antigo professor, sendo aluno de um professor que fora meu aluno. Fiquei contente. E, quando o professor chegou, eu me levantei em sinal de respeito. Levei um susto: a moçada começou a me vaiar, a assobiar como se eu tivesse feito alguma profanação. O professor — meu ex-aluno — corou e fez-me um sinal discreto para eu me sentar. No intervalo, ele me explicou:“Quando qualquer professor entrar, não se levante e nem o chame de senhor. Pode dar confusão”.Referi-me a esse simples — mas, para mim, amargo — episódio por algumas razões: a greve dos professores, o Dia do Professor que se aproxima, e a bagunça generalizada no que — ainda e não sei o porquê — se insiste em chamar de Educação no Brasil. E, também, por uma pequenina nota que li não me recordo onde a respeito do Imperador do Japão. A nota, “em passant”, dizia que a única pessoa diante da qual o imperador se curvava era o professor. Ora, apenas a suprema autoridade japonesa é o monarca do mundo a ser chamado de “imperador”, dada a crença de que ele é descendente direto da deusa e “soberano do céu”. Essa criatura — que é alvo de quase adoração por um povo — tem a grandeza da humildade para se curvar em reverência a um professor.Pois é isso que estou querendo lamentar. O que permitimos se fizesse com a dignidade do professor? Que idiotice coletiva — idiotice de dimensão nacional — cometemos para desvalorizar, desprezar, minimizar e, agora, ultrajar os professores? Isso bastaria, em meu entender, para que admitíssemos termo-nos tornado um País de ignorantes. Se o professor, a professora estão nivelados a um estado de quase vassalagem, o que este País — orgulho desse raio de desenvolvimento apenas econômico — tem como conceito de civilização? Como civilizar uma nação se roubamos a dignidade dos professores, substituindo-a pelo ultraje?Perdeu-se, penso eu, a noção do que seja educação. E, também, a simples noção de ensino formal. Ora, como ensinar bandos de verdadeiros selvagens se, antes disso, eles não conheceram — a partir da família — o mínimo sentido de educação, de civilidade, de respeito? A palavra educação vem do verbo latino “ducere”. Que significa conduzir, guiar, levar, comandar. Lembremo-nos do lema da cidade de São Paulo: “Non ducor duco”, “Não sou conduzido, conduzo”. O professor tem a dignidade de quem conduz, de quem orienta, de quem forma. E é — queiram ou não os idiotas — uma dignidade de sentido simbólico imperial: o “duce”. Numa sociedade sã, eles ocupam o ápice da pirâmide social. Sem o professor, seríamos ainda mais bárbaros do que temos sido.Professor é o “magister”, o mestre, o pastor, o que dirige e conduz. “Magisterium” tem o profundo significado de dignidade. Ao exercer o “magisterium”, o professor se torna o “magister” a quem um povo deve o máximo respeito e gratidão. Por que — por qual dimensão de ignorância e de idiotice — permitimos que essa dignidade se transformasse num ultraje, fazendo com que um professor — para exercer sua missão — tenha, agora, de ser, ao mesmo tempo, herói e mártir?Com essa estupidez de termos criado uma “ditadura infantojuvenil” — crianças e adolescentes passaram a ter direitos absurdos — destruímos o alicerce da família, da escola e, consequentemente, da sociedade. Ou devolvemos o verdadeiro significado de “magisterium” aos professores, ou seremos apenas um país. Pois nação é um bem que se conquista, que se constrói e que tem solidez espiritual.Quem sabe se papai e mamãe domesticarem seus filhinhos, a escola não volta a recuperar a dignidade perdida?