Alunos de escolas estaduais de Campinas estão chegando ao Ensino Médio sem saber fazer equações de primeiro grau e com graves deficiências nas operações básicas de matemática
A professora de português Fernanda Paula Medeiros Rossi da Silva em sala de aula: "deficiências são reais até mesmo na rede privada (Érica Dezonne/AAN)
Alunos de escolas estaduais de Campinas estão chegando ao Ensino Médio sem saber fazer equações de primeiro grau e com graves deficiências nas operações básicas de matemática. O relato é de quatro professores de escolas estaduais da cidade que conversaram com a reportagem. Todos pediram para que seus nomes e os das escolas em que dão aulas fossem preservados com medo de retaliações.
Segundo eles, além das deficiências em matemática, os estudantes estão chegando ao Ensino Médio sem saber ler e interpretar textos.
“Fiz uma questão falando que um paciente recebeu uma prescrição para tomar um remédio de seis em seis horas. Aí perguntei quantas vezes por dia ele deveria tomar o medicamento. Fiquei espantado. Um terço da classe respondeu errado”, disse um dos professores.
Ele conta que muitos estudantes saem do Ensino Médio sem saber escrever corretamente e sem saber interpretar textos. “O acerto de problemas de matemática depende da interpretação que o aluno faz das questões. Como ele pode responder corretamente se não consegue entender as questões?”, diz.
Professora há seis anos, R. diz que os alunos não dominam conhecimentos básicos. “São muito espertos e inteligentes, mas não têm o pré-requisito necessário para o Ensino Médio.”
Sem o básico de conhecimento, dizem os professores, fica difícil aprender. “Ensinar história é complicado se o aluno não consegue ter uma boa interpretação de texto. Todo o conteúdo escolar fica comprometido”, diz E., que também é professora do Ensino Médio.
Por isso, afirmam os professores, é básico investir no Ensino Fundamental. E o trabalho começa na Educação Infantil. A educadora Vânia Bueno reforça a importância da educação infantil e diz que nos primeiros anos a criança tem mais facilidade de aprendizado. “A Educação Infantil é onde a criança está mais aberta a aprender, é mais fácil para ela. É um livro em branco, quanto mais estímulo, mais reflexo no futuro”, diz.
A professora de português Fernanda Paula Medeiros Rossi da Silva afirma que as deficiências em interepretação de texto são reais até na rede privada. De acordo com ela, que atua tanto no ensino público quando privado, as dificuldades podem ser vencidas com incentivo à leitura e debate de ideias. “Discutir temas oralmente é algo importante porque ajuda a formar a estrutura do pensamento. O texto é o reflexo do pensamento organizado.”
Enem: provas com erros grosseiros têm nota máxima
Redações que receberam nota máxima na avaliação do Enem 2012 (Exame Nacional do Ensino Médio) tinham erros de ortografia, como “rasoavel”, “enchergar” e “trousse”. As informações repercutiram em tod o o Brasil na última semana depois de reveladas pelo jornal O Globo. Erros grosseiros de ortografia, concordância verbal, acentuação e pontuação marcaram algumas das melhores redações do exame em 2012.
Para obter pontuação máxima, os candidatos deveriam, de acordo com o Guia do participante: a redação no Enem 2012, atender plenamente a cinco competências, inclusive “domínio da norma padrão da língua escrita”. Pelo manual do MEC, desvios gramaticais mais graves, como ausência de concordância verbal, deveriam excluir a redação da pontuação máxima.
Os textos tinham problemas de acentuação em palavras como indivíduo, saúde, geográfica e necessário, além de algumas frases não terem ponto final.
Em uma das redações analisadas, o candidato erra duas vezes a concordância. Escreve, por exemplo, “essas providências, no entanto, não deve (sic) ser expulsão”.
O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) afirmou ao jornal carioca que uma redação nota máxima pode apresentar alguns desvios nas competências avaliadas. “Um texto pode apresentar eventuais erros de grafia, mas pode ser rico em sua organização sintática, revelando um excelente domínio das estruturas da língua portuguesa.”
Miojo
Um candidato resolveu descrever o preparo de um macarrão instantâneo no meio da redação do Enem, que tinha como tema o movimento imigratório para o Brasil no século 21. Ele recebeu 560 pontos (a nota máxima é 1.000).
O candidato escreveu dois parágrafos sobre o tema proposto e depois dedicou um parágrafo inteiro ao preparo do macarrão instantâneo “Para não ficar muito cansativo, vou agora ensinar a fazer um belo miojo, ferva trezentos mls de água em uma panela, quando estiver fervendo, coloque o miojo, espere cozinhar por três minutos, retire o miojo do fogão, misture bem e sirva.”
Após passar a receita, o estudante voltou a escrever sobre a imigração. Segundo o jornal, o candidato recebeu 120 pontos (de um total de 200) na competência 2 da correção, que avalia a compreensão da proposta da redação e a aplicação de conhecimentos para o desenvolvimento do tema. Já na competência 3, que avalia a coerência dos argumentos, o candidato recebeu 100 de 200 pontos possíveis.
Em nota, o MEC afirmou que “a presença de uma receita no texto do participante foi detectada pelos corretores e considerada inoportuna e inadequada, provocando forte penalização especialmente nas competências 3 e 4”. O órgão disse entender que o aluno não fugiu do tema nem teve a intenção de anular a redação, pois não feriu os direitos humanos e não usou palavras ofensivas.
PROBLEMAS EM REDAÇÕES DO ENEM E OUTRAS PROVAS
Erros gramaticais
‘Trousse’ (trouxe)
‘Rasoavel’ (razoável)
‘Enchergar’ (enxergar)
‘Geografica’ (geográfica)
‘Necessario’ (necessário)
‘Saude’ (saúde)
‘Individuo’ (indivíduo)
Ausência de ponto final em frases
Erros de concordância em frases: “Essas providências, no entanto, não deve (sic) ser expulsão.”
Receita de macarrão instantâneo em redação:
“Para não ficar muito cansativo, vou agora ensinar a fazer um belo miojo, ferva trezentos mls de água em uma panela, quando estiver fervendo, coloque o miojo, espere cozinhar por três minutos, retire o miojo do fogão, misture bem e sirva.”
Problema
O problema abaixo foi proposto a uma sala de terceiro ano do Ensino Médio em escola estadual de Campinas.
Um médico receitou remédio de seis em seis horas para um paciente. Quantas vezes essa pessoa deve tomar os comprimidos por dia?
Resposta: Um terço dos alunos errou. Alguns deles responderam seis vezes. Outros responderam oito vezes. A resposta correta é quatro.
Falta de interesse é problema
Educadores e professores ouvidos pela reportagem dizem que parte do fracasso do Ensino Médio se deve também ao desinteresse dos estudantes em sala de aula. “Eu posso contar nos dedos o número de alunos que estão ali realmente interessados e comprometidos em aprender”, contou a professora E.
Parte desse desinteresse se deve, segundo a professora R, a uma desvalorização do conhecimento. “Hoje o conhecimento não é a prioridade, os valores são outros. É preciso valorizar o conhecimento científico. Isso não tem valor para os pais, os alunos ou a família. Muitos pais não entendem a importância disso, eles pensam que se os filhos se virarem bem na vida é suficiente”, afirma R.
R. destaca a importância da atuação da família para melhorar a qualidade do que é ensinado às crianças e adolescentes. “Não é só a escola que faz o aluno, é preciso trabalhar a comunidade e conscientizar as pessoas sobre a importância do conhecimento”.
A educadora Vânia Bueno ressalta a importância da família na melhoria do desempenho do aluno. “O ganho secundário é atenção, afetividade. Quando o pai se interessa pelo estudo, a criança entende que o pai largou tudo para entrar no universo dela. Isso reforça os laços afetivos da família e a criança entende que os estudos são importante para a família e para ela”, afirma.
Segundo especialistas ouvidos pela reportagem, a escola precisa se aproximar mais dos pais. “O governo tentou com a escola da família, abrindo a escola aos finais de semana, mas todos vão para jogar futebol, não vão em busca do conhecimento”, reclama.
Disciplina
Uma das consequências diretas da falta de interesse dos alunos é, segundo a professora R., o desgaste na relação com o professor em sala de aula. “O aluno que não valoriza a educação não tem uma ampla noção de cidadania. Ele não só joga papel como também desrespeita o professor”,