PASQUALE CIPRO NETO

Preços que (a)baixam...

10/04/2015 às 05:00.
Atualizado em 23/04/2022 às 17:19

Os preços andam tão “excitados” (é aumento para todos os lados) que o caro leitor pode achar que o título desta coluna é uma brincadeira ou piada de mau gosto. Não é, caro leitor. É só uma provocação, para chegar a algumas perguntas: o preço baixa ou abaixa? E alguém levanta ou alevanta os olhos? Vamos ver como fica isso. Há algum tempo, ao falar dos resultados de uma operação que comandara, um delegado de polícia disse que tinham sido apreendidos “muitos petrechos”. Em seguida, enumerou-os: armas, munição, telefones celulares, radiotransmissores etc.    No mesmo dia, durante uma palestra, relatei o fato aos presentes e perguntei se o delegado teria engolido um “a”. A maioria disse que sim. Citei a música “Paratodos”, obra-prima de Chico Buarque, na qual há o trecho “avoando de edifícios”. Nesse caso, teria ocorrido o contrário, ou seja, Chico teria acrescentado um “a” inexistente? Nem uma coisa nem outra. As formas “petrechos” e “apetrechos” têm registro e história na língua, o que também se pode dizer em relação a “voar” e “avoar” ou “levantar” e “alevantar”.   O fato é que muitas das nossas palavras têm formas variantes, em geral muito próximas, mas diferentes o bastante para que surja a dúvida em relação a um dos integrantes da dobradinha. Veja alguns exemplos: “translado” e “traslado”, “intrincado” e “intricado”, “contacto” e “contato”, “cogote” e “cangote”, “bólide” e “bólido” etc.   Não raro, as pessoas acham que só a forma usada por elas e pela comunidade à qual pertencem é correta. Se uma das formas é mais comum na linguagem de camadas sociais inferiorizadas _o que ocorre com “avoar” e “alevantar”, por exemplo_, pode entrar em cena o preconceito, que faz a variante usada pela camadas socialmente desfavorecidas ser sumariamente julgada incorreta.   Quando descobrem que “petrechos”, “avoar” e “alevantar”, por exemplo, têm séculos de vida e de registro, muitas pessoas ficam boquiabertas. É de Camões este trecho, citado no velho dicionário de Caldas Aulete: “Se acaso (os olhos) alevantais, é para as almas renderdes”.    É bom lembrar que o processo de formação que dá origem a “apetrecho”, “avoar”, “abaixar” e “alevantar” se chama “prótese”. Sim, “prótese”, a mesma palavra que se ouve nos consultórios dos dentistas. “Prótese” é o acréscimo de um elemento fonético no início de uma palavra, sem que se lhe altere o significado.   “Apetrecho” resulta de “a” + “petrecho”. “Petrecho”, por sua vez, vem do espanhol. “Avoar” vem de “a” + “voar”, e “alevantar” vem de “a” + “levantar”. O “a”, nesses casos, é chamado de “prefixo protético”. Outro caso digno de nota é o da dupla “baixar/abaixar”: os preços “baixam” ou “abaixam”.   Pois bem, depois de toda essa história, é bom trocar duas palavras sobre os programas de verificação ortográfica instalados em boa parte dos computadores. Algumas versões antigas do “Word” não aceitavam a preposição “por”, que era sempre sublinhada; bastava colocar um circunflexo para a engenhoca se acalmar.   Tive uma dessas versões do programa, para a qual só existia a forma “pôr”, que, como se sabe, é verbo. Parece que versões mais recentes do programa já deixaram de grifar a preposição “por”. Mas aonde quero chegar com a citação dos corretores ortográficos? Vamos lá: tome cuidado com palavras que, por não serem muito usadas, parecem estranhas e “erradas”.   Antes do veredicto, vá aos dicionários. E tome muito cuidado com certos programas de verificação ortográfica. Não despreze a informação do programa, mas não a transforme imediatamente em verdade absoluta. Certifique-se.

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